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NOTA 8,0 Apesar dos exageros e do estilo kitsch adotado, longa diverte parodiando contos de fadas e a sociedade moderna |
Desde que certo ogro verde invadiu os cinemas e mudou completamente
a maneira do público enxergar os desenhos animados, diversas produtoras e
estúdios resolveram beber na mesma fonte: a sátira aos contos de fadas e aos
sucessos de Hollywood. O resultado foi uma avalanche de produções repletas de
citações a outros produtos cinematográficos, referências a acontecimentos de
conhecimento mundial, críticas a sociedade moderna e reinvenções de clássicos
contos literários, mas tudo embalado por trilhas sonoras repletas de canções
famosas e tendo como matéria-prima principal as histórias de princesas, bruxas
e afins. Não que as paródias e o recurso da intertextualidade fossem novidade
no mundo da sétima arte, pelo contrário, é um recurso muito comum. O cinema, o
teatro e a televisão sempre usaram livremente os contos infantis para
emocionar, divertir e em alguns casos, com uma forcinha da imaginação, até para
aterrorizar, no entanto nos acostumamos a ter as adaptações dos clássicos Disney
como as mais fiéis às histórias originais, mas ao longo do tempo elas já
sofreram tantas modificações que fica difícil saber quais são as versões
originais, mas nada que incomode o público que ultimamente tem se divertido com
a intertextualidade proposta por obras que seguem o estilo da elogiada
animação Shrek que fisgou plateias de todas as idades com seu humor
anárquico e crítico pautado em cima de histórias de domínio público e tirando
um sarro de acontecimentos reais e celebridades, além é claro de explorar os
enredos que até hoje ajudam a sustentar o império Disney. Aliás, até o próprio
estúdio das princesas já realizou sua versão autocrítica com atores reais, mas
antes de Encantada surgir outro filme já brincava com os clichês dos
contos de princesas. Uma Garota Encantada é uma comédia
infanto-juvenil que segue exatamente a mesma linha de seu sucessor, mas aposta
mais no humor que no romance e acaba sendo diminuído nas comparações devido a
sua produção modesta, porém, eficiente e que casa muito bem com o estilo
debochado da narrativa. A grande equipe de roteiristas (Laurie Craig, Karen
McCullah Lutz, Kirsten Smith, Jennifer Heath e Michele J. Wolff) tiveram a boa
vontade de fazer um delicioso apanhado de brincadeiras com a cultura pop e a modernidade, mas é uma pena que depois do filme do tal ogro verde
nada mais parece novidade e nem ele próprio conseguiu segurar sua franquia em alta com
essa receita satírica.
Tendo como inspiração para a espinha dorsal da história uma
mistura do conto da Cinderela com o da Bela Adormecida, acompanhamos desde o
nascimento até a juventude os problemas enfrentados por Ella (Anne Hathaway),
que ganhou um presente de grego de sua atrapalhada fada madrinha Lucinda
(Viviva A. Fox): o dom da obediência. Assim ela cresceu fazendo tudo o que as
pessoas mandavam sem conseguir recusar e isso se tornou uma perturbadora
maldição. Quando seu pai Sir Peter (Patrick Bergin) resolve se casar
novamente, a vida da jovem piora ainda mais. Sua madrasta Olga (Joanna Lumley)
é fútil, gananciosa e demonstra não gostar nada da enteada e suas meias-irmãs Hattie
(Lucy Punch) e Olive (Jennifer Higham) descobrem o seu segredo e passam a
explorá-la cada vez mais para se divertirem as suas custas. Cansada dessa
vida, Ella decide, com o apoio de sua babá Mandy (Minnie Driver), ir ao
encontro de Lucinda para pedir que lhe retire o feitiço. No caminho, ela faz
amizade com o elfo Slannen (Aidan McArdle), que quer reivindicar os direitos de
seu povo, e conhece também o príncipe Char (Hugh Dancy), um jovem que está em
busca de seu grande e verdadeiro amor. Juntos eles enfrentarão muitos perigos e
desafios para conseguirem realizar seus sonhos. Como todos os títulos
destinados a parodiar, é preciso prestar atenção no texto e ter um mínimo de
conhecimentos gerais e bagagem cinematográfica para poder tirar o melhor
proveito do longa, por isso certas piadas podem não ser compreendidas por
crianças como, por exemplo, uma brincadeira com a febre estética do botox, mas
nada que atrapalhe a diversão dos pequenos, pois há a compensação da trama
contar com personagens que lembram as criaturas fantásticas de filmes das séries
de Harry Potter e de O Senhor dos Anéis e o divertido livro mágico que faz as
vezes do espelho de Branca de Neve e os Sete Anões. Por se passar em um reino
fantástico habitado por gigantes, ogros, fadas e duendes, ter um vilão de
família nobre e usar e abusar de músicas agitadas do tempo da discoteca, a
comparação entre esta produção com atores de carne e osso com a premiada
animação Shrek é inevitável. Obviamente, o desenho leva muitas vantagens neste
duelo, mas nem por isso o longa do diretor Tommy O’Haver deve ser classificado
como uma porcaria, pelo contrário, ele é muito divertido, animado e suas falhas
acabam de certa forma trabalhando a favor da história. Na realidade, em meio a
tantas piadas e citações, caçar erros é bem difícil a não ser para aqueles que
fazem parte do fã clube do famoso ogro verde e não admitem que outras produções
sigam o mesmo caminho que fez a fama do monstro bondoso. Se alguém disser que
não deu no mínimo uma meia dúzia de gargalhadas ou achou em igual número
algumas boas sacadas do roteiro ou da cenografia é porque assistiu em dia de
mau humor.

Infantil - 96 min - 2003
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