sábado, 23 de maio de 2020

GRITO DE HORROR


Nota 9,0 Com potencial reconhecido tardiamente, longa foi beneficiado com seu envelhecimento


A década de 1980 foi muito fértil para o gênero terror e suas obras inspiraram outras tantas produções e rendem frutos até hoje. Muitos consideram que as melhores fitas de horror são datadas deste período, desde as mais trashs até as mais elaboradas. As novidades da efervescente época conspiraram a favor. Os jovens, o público-alvo, estavam mais independentes e liberais e mais adiante a popularização dos videocassetes e videolocadoras só vieram a colaborar com a crescente corrente dos produtos de terror e suspense. Se o cinema proibia a entrada de menores de idade para esses tipos de filmes, as locadoras eram a solução já que não haviam  regras rígidas para atuarem. Na base da amizade sempre os atendentes davam um jeito de liberar uma fita sanguinolenta ou escatológica para os adolescentes fazerem aquela sessão top de cinema reunindo a galera e regada a muito refrigerante e pipoca. Grito de Horror é um dos títulos de destaque da época, mesmo com reconhecimento tardio, e até hoje é considerado um dos melhores e mais assustadores filmes a respeito de lobisomens. O bom é que o argumento e a narrativa continuam prendendo a atenção e pregando bons sustos, apesar de que o visual envelheceu bastante, mas longe desse detalhe se tornar um problema, pelo contrário, a atmosfera de suspense foi beneficiada com o passar dos anos. 

A trama assinada por John Sayles, baseada em um romance de Gary Brandner e com pitacos de Terence H. Winkless, começa quando a jornalista Karen White (Dee Wallace), apresentadora de um famoso telejornal, por pouco não foi vitimada por um serial killer conhecido como Eddie Quist (Robert Picardo) quando se ofereceu para participar de um plano junto a polícia para capturá-lo e de quebra ter um furo de reportagem. Aconselhada a tirar alguns dias para descansar após o susto, ela se refugia em uma clínica, chamada popularmente de colônia, em uma região campestre na companhia de Roy Bill (Christopher Stone), seu marido. O que eles não imaginavam é que o local é frequentado por pessoas tão estranhas quanto o criminoso que enfrentou, além de esconder uma relação direta com o trauma que experimentou. A instituição é administrada pelo misterioso Dr. George Waggner (Patrick Macnee), adepto de práticas pouco comuns de psiquiatria. Em meio a um ambiente onde a paz parece reinar absoluta, o médico propõe que o lado selvagem de cada um dos internos deve ser libertado para que eles alcancem o pleno bem-estar. Assim, a cada dia que passa, Karen fica ainda mais atormentada com o comportamento estranho demonstrado pelo companheiro que fica muito próximo a sedutora Marsha (Elisabeth Brooks), além da inquietação causada pelos barulhos arrepiantes de uivos de lobos nas madrugadas e as mortes misteriosas que passam a acontecer dentro da própria clínica e adjacências.


Perturbada com tantos acontecimentos inesperados, a jornalista é amparada por Terry (Belinda Balaski) e Chris (Dennis Dungan), casal que descobre que Eddie está vivo e rondando a  colônia. Dessa forma, Karen acaba se tornando a protagonista de uma história de arrepiar protagonizada por lobisomens e que poderia se tornar manchete em seu próprio noticiário da TV. O diretor Joe Dante, um pupilo de Steven Spielberg, hoje em dia é mais conhecido por projetos leves e voltados para toda a família, mas no passado deixou muita gente de cabelos em pé com suas fitas de baixo orçamento que mesclavam terror e humor em doses equilibradas. Depois do trash Piranha, o cineasta partiu para a reinvenção do mito do lobisomem, na época uma temática já bastante explorada, inclusive praticamente simultaneamente enfrentou a concorrência de Um Lobisomem Americano em Londres, outro clássico terror oitentista que dividiu opiniões favoráveis de crítica e público com o filme de Dante. Ambos reúnem diversas qualidades técnicas, narrativas e até interpretações acima da média, algo raro em produções do gênero. Contudo, o longa estrelado por Wallace, estrela de produções B na década de 1980, mais conhecida por interpretar  a mãe do garotinho de E.T. - O Extraterrestre, não fez sucesso de imediato, sendo bastante subestimado. 

O passar dos anos foi responsável por enaltecer seus méritos, todavia, a repercussão acabou gerando uma desnecessária franquia. Foram seis continuações e a cada novo lançamento distanciando-se mais do estilo do original. Até uma versão romantizada do mito dos lobisomens chegou a gerar. Dante se fixou na ideia de querer assustar pra valer o público e deixou os risos, intencionais ou não, em segundo plano. O roteiro acerta a mão ao não ficar tentando explicar as origens do mito da criatura, limitando-se a exposição de suas características e comportamentos já conhecidos. Foi bastante original, por exemplo, explorar pela primeira vez de forma explícita a analogia entre a figura da fera com a sexualidade e violência reprimidas dentro dos humanos. O excêntrico tratamento oferecido pelo médico da colônia é baseado justamente na ideia de liberar o lado bestial das pessoas literalmente. As cenas em que os atores se transformam em lobisomens merecem destaque e não deixam nada a dever aos modernos efeitos especiais, pelo contrário, soam até mais realistas mesmo lançando mão de trucagens artesanais. 


Tirando uma ou outra metamorfose que pode constranger pelo amadorismo, só a cena de transformação de Picardo, dono de um olhar naturalmente amedrontador, já compensa qualquer deslize. É uma sequência relativamente longa mostrando detalhadamente a transição da figura humana para a besta, com direito a verossímeis movimentos faciais e corporais, além de respiração ofegante e intensa. É possível sentir o desejo da fera em dilacerar suas vítimas e o clima de suspense é potencializado com bons truques de iluminação e de câmera que, além de arrepiarem, causam interessantes efeitos de claustrofobia ou a sensação de que as possíveis vítimas estão constantemente sendo observadas.  Isso sem contar a boa edição e sonorização que ajudam a manter a adrenalina alta em pontos chaves e a inserção de cenas com muito sangue, vísceras e tudo o mais que os amantes do gore veneram. Provando que baixo orçamento não é sinônimo de mediocridade, Grito de Horror permanece com sua aura assustadora e agora com o bônus  de um irresistível apelo nostálgico. Uma curiosidade é saber que se por um lado produções como essa atravessam gerações multiplicando sua fama, a mesma sorte não tem o elenco que geralmente é esquecido com o passar dos anos. Mexer com coisas maléficas realmente dá azar? Mistério...

Terror - 91 min - 1981

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Um comentário:

renatocinema disse...

Anos atrás, em minha visão, eramos mais felizes no cinema, no rock, na literatura......... nostalgia pura.