sexta-feira, 19 de junho de 2020

O PADRASTO (1987)


Nota 7 Embora previsível, suspense é acima da média por conta da intensa atuação do protagonista


Indevidamente tachado como um dos tantos filmes trash lançados na década de 1980, O Padrasto passa longe das bizarrices ou do humor involuntário que a maior parte dos trabalhos da seara costumam oferecer. Na verdade, trata-se de um envolvente thriller psicológico que, apesar de desde o início já anunciar como irá acabar, consegue prender a atenção até o ato final muito graças a excelente interpretação de Terry O'Quinn como o protagonista Jerry Blake. Nos primeiros minutos já conhecemos sua forma de agir e principais características. Do lado de fora de casa, para a vizinhança, ele é um exemplo de homem bem sucedido e pai de família, mas na intimidade é frio e calculista, alguém que com a desculpa de sonhar com uma família perfeita mostra-se intolerante a corriqueiros problemas do cotidiano até que chega ao limite de sua paciência. É hora de se livrar dos parentes que não corresponderam as suas expectativas e partir para outra e quando se dispõe a isso faz uso da violência extrema e deixa tudo para trás , assumindo uma nova identidade e endereço para não deixar rastros de seus crimes. 

Algum tempo após assassinar sua família, Blake já está entrando de vez para um novo clã. Susan (Shelley Hack), sua companheira, mostra-se entusiasmada para recomeçar sua vida após o falecimento do marido, mas encontra resistência por parte da filha adolescente Stephanie (Jill Schoelen). Desde o início do relacionamento a garota já desconfiava que o padrasto não era a pessoa ideal para sua mãe, mas quando ele se muda de vez para a casa delas as desconfianças aumentam e, agora com provas de que no mínimo ele tem certo grau de perturbação mental, ela decide investigá-lo e pouco a pouco vai chegando perto de desvendar o crime que abre o filme. Em paralelo, Jim Ogilvie (Stephen Shellen), o irmão da última esposa de Blake, também está fazendo sua investigação particular para descobrir o paradeiro do fugitivo, pois tem certeza de que ele é um assassino serial cujos alvos são mães solteiras. Com auxilio de perucas, bigodes, óculos ou lentes e de posse do dinheiro das mulheres, o criminoso consegue criar um novo personagem e facilmente fazer viagens para procurar novas vítimas e lugares para morar sem levantar suspeitas.


O roteiro é uma adaptação de Carolyn Lefcourt e Donald E. Westlake a obra homônima escrita por Brian Garfield que se inspirou em um caso real. John List assassinou toda sua família em meados dos anos 1970 e só foi capturado quase duas décadas mais tarde quando o caso ganhou notoriedade tardia ao ser pauta de um programa de TV. Por onde o criminoso esteve em todo este tempo? Tal qual na vida real, o protagonista tenta recomeçar sua vida após o massacre, mas a julgar por seu comportamento quando o cerco começa a se fechar fica subentendido que aplicou o golpe em outras mulheres viúvas ou separadas. Sempre em busca da família perfeita para ganhar status e respeito, quando se vê diante de problemas que não consegue controlar ou resolver dentro da grupo em que se inseriu Blake mata friamente quem está no seu caminho e parte sem deixar vestígios, mas o próprio tem certos lapsos de memória que entregam sua índole duvidosa, além de em alguns momentos parecer um tanto desequilibrado, como na cena em que extravasa sua raiva no porão e é flagrado por Stephanie.

Dirigido por Joseph Ruben, trata-se um suspense correto, com todos os elementos necessários do gênero. Ainda que a cena inicial do longa já revele o caráter doentio do protagonista, o cineasta consegue envolver o espectador numa trama com clima de tensão crescente e bem construído e sem a necessidade de chocar com violência explícita, sendo talvez a sequência mais impactante a que envolve o Dr. Bondurant (Charles Lanyer), o psicólogo de Stephanie que tenta se aproximar de Blake para ajudar a garota quanto as dúvidas sobre a índole do padrasto e obviamente se dá mal. O ato final, embora previsível, é bastante intenso  e claustrofóbico por conta da limitação de espaço para fuga das vítimas. O protagonista repentinamente tenta eliminar a esposa e a enteada, momento em que ele próprio se perde em seu alucinado estado de múltipla personalidade, uma vez que ele vem criando vários alter egos e em alguns momentos acaba sem perceber saindo do personagem que inventou e se entregando.


O Padrasto foi um fracasso em bilheterias, porém, bombou no mercado de vídeo em todo o mundo, assim viabilizando a produção de mais duas continuações, A Volta do Padrasto (ainda com O’Quinn encabeçando o elenco) e O Padrasto - Ele Voltou Para Ficar, ambas bem inferiores ao longa original. Com o passar dos anos a obra acabou ganhando certo status de cult, todavia, ainda que seja bem superior a outros suspense capengas que são reprisados a exaustão, infelizmente parece ser um título jogado no limbo até porque uma refilmagem foi realizada em 2009 e tornou-se uma escolha constante dos canais de televisão. Uma pena, pois tira o oportunidade do grande público apreciar um dos melhores trabalhos de O’Quinn. Completamente entregue ao papel, o ator apresenta uma atuação dúbia convencendo nos momentos em que se comporta como um exemplar pai de família, mas atingindo seu ápice quando seu lado psicopata aflora. Seu trabalho compensa o fraco desempenho do restante do elenco, principalmente de Shellen que por sua persistência poderia ser um herói, mas acaba sofrendo com um clímax reverso.

Suspense - 90 min - 1987

Leia também a crítica de:

Nenhum comentário: