NOTA 6,5 Texto clássico sobre aventura de piratas ganha repaginada e cenário futurista, mas falha com personagens que não cativam |
Quando a Fox
lançou Anastácia, a Disney não estava
preocupada com a concorrência e relançou nas férias de verão A Pequena Sereia. Um ano depois, a
Dreamworks trouxe O Príncipe do Egito e
houve a coincidência do lançamento de Formiguinhaz
quase que simultaneamente a Vida de
Inseto. Os estúdios Aardman, apadrinhado por Steven Spielberg, trouxe o
excelente A Fuga das Galinhas para
duelar com A Nova Onda do Imperador. Parecia
que a concorrência não assustava a casa do Mickey Mouse até que Atlantis – O Reino Perdido foi
massacrado por Shrek. O sinal de
alerta enfim foi aceso e chegou a hora dos chefões do tradicional estúdio de
animação tomarem providências. Planeta do Tesouro pode ser visto
como a primeira grande tentativa de recuperação da empresa já que moderniza
radicalmente um clássico texto literário, contudo, o projeto já era idealizado
desde 1985 pelos diretores Ron Clements e John Musker, mesma época em que
propuseram a realização de A Pequena
Sereia, longa que, curiosamente, marcou o renascimento da Disney após um
período de dificuldades internas e produções de menor porte e baixa
repercussão. Baseado no romance “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson
escrito em 1883, com certeza a antiga ideia deveria ser bem diferente do longa
que foi entregue em 2002. Adaptado em um inusitado formato de ficção científica
pelos próprios diretores em parceria com Rob Edwards, a obra literária já havia
rendido uma versão live-action clássica e inspirado uma aventura dos Muppets,
ambas produções assinadas pelo mesmo estúdio que neste caso trouxe para o campo
da animação a aventura de piratas com uma nova roupagem. A história gira em
torno do jovem Jim Hawkins, um adolescente rebelde que só traz problemas a sua
mãe, Sarah, a dona de uma pequena estalagem em algum canto do espaço sideral.
Sua grande diversão é fazer manobras radicais em sua prancha voadora por uma
área proibida, praticamente um skatista futurista, mas em um desses momentos ele
acaba sendo pego por policiais e é ameaçado de perder sua liberdade
condicional. Embora não seja especificado em que século a trama se passa, o
grande problema do rapaz e sua mãe não é estranho as pessoas do presente: falta
de dinheiro. Para piorar, certo dia um grupo de piratas ataca o comércio da
família e coloca fogo no local, mas depois disso Jim encontra o mapa de um
grande tesouro escondido há anos por um pirata espacial, confirmando o ditado
que diz que há males que vem para o bem.
Remetendo as
histórias de aventuras que tanto gostava de ouvir quando criança, o tal mapa
foi entregue por um alienígena e poderia levar Jim até o tesouro do Capitão
Flint, um temido pirata espacial cujas riquezas há tempos são alvos de
disputas. Para chegar ao chamado Planeta do Tesouro, o adolescente contará com
a ajuda do veterano professor Dr. Doppler, amigo de sua mãe, que interessado no
viés histórico da expedição decide financiá-la e contrata a embarcação da
destemida Capitã Amélia, uma grande nave espacial em forma de caravela. A
tripulação, no entanto, parece um tanto suspeita, como John Silver, um ciborgue
mal humorado que cuida da cozinha do navio, mas que aos poucos parece inclinado
a ajudar o protagonista a conquistar seu objetivo assumindo de certa forma o
papel de figura paterna que tanto lhe fazia falta. Aliás, ele é de longe o
personagem mais interessante visto que sua personalidade é dúbia. Ao mesmo
tempo em que parece realmente querer a amizade de Jim ele deixa no ar também as
suspeitas de que simplesmente quer se aproximar do jovem para chegar até o
tesouro, afinal ele é um velho marujo do espaço que ao que tudo indica nunca
teve seu valor reconhecido. Esteticamente, Silver chama a atenção por seu
visual original conquistado com a junção perfeita de técnicas antigas com
modernas. As partes humanas de seu corpo foram feitas com animação tradicional
enquanto as biônicas (que substituem as conhecidas perna de pau e mão de
gancho) foram realizadas com recursos digitais. Outros detalhes visuais também
receberam tratamento computadorizado aliados a imagens artesanais, criando um
conjunto harmonioso e servindo como uma metáfora ao próprio enredo que busca o
equilíbrio entre o espírito de aventura estilo capa e espada e a novidade
injetada pela ambientação espacial. O problema é que o impacto positivo inicial
do casamento de dois universos que pareciam impossíveis de se mesclarem logo
passa e a trama não ajuda a prender a atenção, tornando-se cansativa e até
mesmo complexa, não sendo uma opção recomendada as crianças pequenas que
provavelmente não vão se entreter e nem mesmo o perfil dos personagens pode
lhes interessar. A inserção de músicas que muitos abominam neste caso se resume
a uma única canção executada na íntegra e felizmente dublada dignamente em
português, mas a falta de trilha sonora (existe somente a instrumental um tanto
trivial) acaba se tornando um problema, pois deixou a produção muito maçante,
sem momentos de respiro ou descontração.
Outro problema
é que falta humor neste trabalho, embora a proposta permitisse uma ampla
exploração deste campo usando e abusando das liberdades artísticas, a começar
pela manutenção das características seculares da embarcação que serve como
principal cenário, porém, o timão e a vela tão comuns já não têm serventia,
foram substituídos por sistemas eletrônicos de última geração, mas o roteiro
não enfatiza essas diferenças, toda a modernidade é apresentada com
naturalidade. Dentro do contexto está certo, os habitantes do futuro estariam
acostumados, mas não surte efeito no espectador. Os alienígenas dos mais
diversos gêneros também não causam impacto ou humor, salvo a troca do sempre necessário
papagaio do pirata por Morph, uma simpática criaturinha fiel companheira de
Silver e que tem o poder de mutação, assim podendo ter a forma que quisesse e
trazendo alguma graça ao desenho. O robô B.E.N., que se autodenomina como Bio
Eletrônico Navegador, seja lá o que isso significa, cai de pára-quedas na
história já quase na reta final para tentar injetar algum humor, mas já é tarde
demais e sua inserção se mostra desnecessária. Doppler, embora chato, cumpre
sua missão de uma espécie de intelectual na aventura, ainda que deixe de lado
seu inicial jeitinho bobalhão, enquanto Amélia é totalmente desperdiçada mesmo
sendo uma personagem do sexo feminino ocupando um cargo historicamente destinado
a homens fortes e corajosos, um gancho que poderia render cenas interessantes.
A capitã nada mais faz que elevar sua voz nos momentos oportunos e ser
grosseira por vezes para impor sua superioridade, mas é óbvio que não demora
muito para uma reviravolta derrubá-la da posição de chefe. Por fim, o
protagonista que teoricamente deveria ser o herói que conquista a simpatia de
todos não consegue cativar o público. Inspirado no jeito rebelde de James Dean,
ídolo teen dos anos 50, o rapaz tem um comportamento anti-social, talvez uma
forma que os diretores encontraram para aproximar o personagem das plateias
adolescentes e ao mesmo tempo trabalhar o gancho da redenção, afinal, mesmo
sumida após a introdução, a mãe dele retorna na conclusão para o happy end.
Infelizmente Planeta do Tesouro realmente acabou se tornando um fracasso não
só por ter ficado anos-luz das cifras necessárias para recuperar seu orçamento,
mas também porque com o passar dos anos não conseguiu reverter o quadro
negativo de repercussão. Apesar do visual colorido e caprichado, vale lembrar
que não há filme que se sustente sem uma boa história e nesse quesito realmente
o desenho deixou muito a desejar. Em uma época em que ogros, bruxinhos, hobbits
e outras criaturas fantásticas estavam bombando, investir em personagens
espaciais em tempos em que a ficção científica estava em baixa era um risco e
tanto e a Disney pagou o preço por sua ousadia. Talvez se tivesse sido lançado
nos anos 80 como era a proposta inicial os resultados teriam sido bem
positivos, afinal sem concorrência...
Animação - 95 min - 2002
Nenhum comentário:
Postar um comentário