quarta-feira, 8 de novembro de 2023

CONFIAR


Nota 7 A pedofilia através da internet é tratada no filme com teor suficiente para suscitar debates

Com dois anos de idade já tem crianças atualmente brincando com a tecnologia. Os quebra-cabeças e os jogos de memórias materiais foram substituídos pelos virtuais. Escolas já ampliam o uso do computador nas mais diversas disciplinas e muitos alunos estudam e fazem trabalhos em grupo sem sair de casa, apenas trocando ideias através de chats na internet. Da dúvida sobre matemática para um bate-papo erótico bastam alguns poucos cliques. Qual pai realmente pode afirmar o que seu filho está fazendo nas horas que passa debruçado sobre o computador ou vidrado no celular? E não venha dizer que os programas que oferecem bloqueios funcionam as mil maravilhas. Com a sexualidade despertada cada vez mais cedo a molecada não mede esforços para fuçar no que for preciso e dar um jeito de encontrar o mundo proibido que a internet oferece. Uma rápida busca por alguma palavra-chave ligada ao sexo e você verá que a maioria dos frequentadores de bate-papo só pensa naquilo. Muitos utilizam a internet como uma forma de extravasar frustrações e atingir o prazer virtualmente, mas outros se utilizam desta ferramenta com reais e más intenções. Além dos roubos e sequestros, é preocupante o número de abusos sexuais que só aumentam em todo o mundo por conta de encontros marcados com desconhecidos.  É esse o ponto de partida de Confiar, drama com toques de suspense dirigido por David Schwimmer, ator famoso pelo seriado "Friends". 

O roteiro de Andy Bellin e de Robert Festinger, este muito premiado pelo drama Entre Quatro Paredes, começa previsível. A jovem Annie (Liana Liberato) está trocando mensagens através do celular e do computador com um jovem que se apresenta como um amante dos esportes, de bem com a vida e da mesma faixa etária, porém, morador de outra cidade. A garota é a filha do meio do casal Will (Clive Owen) e Lynn (Catherine Keener) e está apresentando problemas típicos da adolescência. Tem dificuldades de relacionamento com os pais que julga não entendê-la e quer fazer de tudo para parecer mais madura que sua idade na ânsia de ser aceita entre seus colegas. Seu amigo virtual é o que ela sempre desejou. Ele a compreende, lhe aconselha e não julga suas atitudes. A relação de amizade extrapola os limites virtuais quando as conversas começam a ganhar conotação sexual. Pouco a pouco ela se sente apaixonada por alguém que apenas idealiza, mas o fato de se sentir desejada por alguém faz toda diferença visto que ela não tinha o mesmo sucesso na escola, assim ela desconsidera as evidências de que está prestes a se meter em uma encrenca. O namorado desconhecido começa a revelar idades diferentes em meio as conversas justificando que tinha medo de ser rejeitado pela garota por ser mais velho, mas isso só faz aumentar a sua curiosidade em conhecê-lo. E eis que um dia ela marca um encontro com o rapaz sem avisar quem quer que seja e tem uma grande surpresa. Charlie (Chris Henry Coffey) na realidade é um homem de 35 anos, mas cheio de lábia ele consegue convencer a menina que está realmente apaixonado e no mesmo dia ele a leva para um quarto de hotel. 


Violentada e enganada, Annie decide imediatamente denunciar o abuso sexual. Errado! Logo após a transa, a cena seguinte mostra a garota desesperada no celular deixando um recado para Charlie pedindo explicações sobre seu repentino sumiço. Logo seu encontro secreto é descoberto, a polícia é envolvida no caso e seu deslize chega ao conhecimento de seus pais que felizmente procuram apoiá-la nesse momento doloroso e no qual a filha está muito confusa. Enquanto Will tenta colaborar ao máximo com os trabalhos do investigador Doug Tate (Jason Clarke), Annie ainda vive a ilusão de que sua primeira vez não foi um estupro e sim um ato de amor, conforme confidencia à psicóloga Gail Friedman (Viola Davis), que se limita a ouvir e a aconselhar sua paciente, nunca julgá-la. Seu papel é tentar abrir os olhos da garota para as consequências de seu ato através das confissões da própria vítima. Há quem implique com a inocência extrema de Annie, mas não duvide que tipos assim existem aos montes. Embora seja de uma família aparentemente com bom padrão financeiro, o que implica em pessoas mais bem esclarecidas por conta de uma educação de melhor nível, a candura da garota é justificada por sua busca pela autoestima que a cega, ainda que seu comportamento diante dos perigos que a tecnologia pode oferecer soe como algo ultrapassado.

O filme tinha potencial para ser um verdadeiro marco, no entanto vários fatores contribuíram para ele ser apenas um suspense ou drama acima da média. O tema é polêmico demais e automaticamente já se torna um fator que espanta público. Embora Schwimmer não extrapole visualmente, os diálogos e situações não são fáceis de engolir. Pais mais conservadores poderiam se sentir constrangidos e os filhos por sua vez também não se sentiriam a vontade, pois sabem que o filme seria como um alerta para a necessidade de um controle mais rígido quanto ao uso da internet. E quantos jovens também não teriam uma sensação desconfortável por justamente buscar no mundo virtual uma satisfação sexual semelhante a da protagonista enquanto não podem sair por aí aprontando ou para acalentarem sua autoestima? E a crítica não fica apenas no perigo dos bate-papos. Com tantas atividades agora sendo feitas diretamente no computador tornou-se fundamental uma vigilância maior em todos os tipos de sites (alerta aos pais que incentivam downloads ilegais de filmes: a maior parte das páginas desse tipo possui links diretos para conteúdos pornográficos). Aliás, Schwimmer faz o espectador se conscientizar da banalização da sexualidade em tudo. Will é publicitário e de certa forma também se sente responsável pelo que aconteceu com sua filha, não só pela má observação de seu comportamento, mas também porque ele próprio ajudou a despertar o desejo sexual da garota precocemente. 


Durante o lançamento de uma grife de roupa juvenil a qual presta serviços, Will revela a um amigo que sua filha foi abusada sexualmente por persuasão e se espanta ao ouvir como comentário que ainda bem que ela não foi estuprada (ignorância ou conivência?). Logo depois o publicitário começa a passar mal ao ver que as imagens da campanha que idealizou exploram os corpos belos e sarados de jovens, provavelmente o mesmo tipo de imagem que Annie teria enviado ao pedófilo e que provocou sua obsessão em levá-la para cama, assim como tantas outras que ele deve ter ludibriado. Por fim, Confiar perde pontos por não ousar tecnicamente, parecendo um telefilme. Direção e cortes de cenas convencionais, narrativa previsível e alguns momentos com uma injeção desnecessária de adrenalina acabam tirando um pouco o brilho da produção, mas ainda assim ela cumpre seu papel de trazer a tona uma temática pesada, porém, necessária para o debate entre jovens e adultos. São muitos pontos a serem trabalhados a respeito dessa mazela da modernidade em termos sociais, emocionais, morais e até mesmo envolvendo autoridades e a mídia, por isso não se pode culpar Schwimmer pelas limitações de seu filme. Seus objetivos certamente foram cumpridos, com cenas marcantes como no momento em que o pessoal do FBI revela algumas das armadilhas que os pedófilos virtuais costumam usar ou quando o telefone de Lynn toca enquanto Annie tenta fazer contato com Charlie, mostrando que os males desta relação em segredo não se atém apenas a vítima, mas podem virar um emaranhado de problemas envolvendo quem a cerca.

Drama - 106 min - 2010

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