NOTA 7,0 De forma muito delicada, longa aborda a busca pelo amor apostando em triângulo amoroso diferenciado e Steve Martin com interpretação contida |
Steve Martin é um nome que
irremediavelmente está sacramentado como sinônimo de comédia rasgada. Desde o
início de sua carreira ele se dedica ao gênero alternando ótimos momentos com
outros vergonhosos, mas o fato é que é difícil imaginá-lo em outro tipo de
filme, mas quem sabe em um romance com pitadas sutis de humor? Pois é, em Garota
da Vitrine ele surpreende como um homem de meia-idade sedutor e livre
de expressões faciais e corporais talhadas minuciosamente para causar risos.
Tal papel poderia cair como uma luva à Richard Gere ou Dustin Hoffman, por
exemplo, mas o longa é inspirado no livro “Shopgirl”, de autoria do próprio
Martin. Seria muita sacanagem colocar outro ator para viver um papel que
certamente foi escrito já pensando em uma possível adaptação cinematográfica.
Este trabalho era a chance do comediante provar que pode diversificar seus
trabalhos, apresentando talento para a escrita e dar vida a personagens mais
sérios. Realmente, ele convence em cena e seu texto flui suavemente, mas é uma
pena que o longa tenha tido pouca projeção. Em meio a tantos romances tolos,
esta obra é como um sopro de frescor, ainda que não seja inovador, pelo
contrário, é até bem previsível, mas a forma como o diretor Anand Tucker, de Hilary e Jackie, conduz a narrativa faz
toda a diferença, a começar pelo visual clean e realista adotado para o visual,
o que traz certo charme de produção independente à obra. A protagonista é vivida por Claire Danes,
cerca de trinta anos mais jovem que Martin, e a diferença de idade poderia
indicar que o filme seguiria o caminho do escracho investindo pesado no
conflito entre a liberdade da juventude e a rotina metódica inerente a uma
pessoa mais velha, ainda mais a um homem. Vendo por essa ótica, temos aqui uma
inversão de papéis e, felizmente, o cineasta optou por fazer um retrato mais
realista desta relação amorosa, não deixando de lado uma opção de amor mais
jovem para a moça se ver em um dilema. Apesar de bem trabalho, o conceito do
triângulo amoroso neste caso não difere muito de tantos outros que o cinema já apresentou,
somente há um refinamento maior no tratamento, uma variação do perfil do cara
perdedor e do vencedor que exala confiança. No fundo, mais uma vez temos uma
mocinha romântica sendo obrigada a decidir por uma dessas opções completamente
opostas, ambas com seus benefícios e pontos negativos. Um pode oferecer amor
incondicional e um padrão de vida razoável. O outro está acostumado a “comprar”
o amor, mas não garante planos para o futuro. Contudo, não há vilão ou mocinho
aqui, apenas pessoas normais com qualidades e defeitos em busca da felicidade.
Produzido e roteirizado pelo
próprio Martin, o enredo gira em torno de Mirabelle (Danes), uma jovem que está
tentando ganhar a vida em Los Angeles, mas as oportunidades de trabalho são
escassas. Enquanto não surge um emprego melhor, ela se dedica a atender
clientes em um balcão de vendas de luvas em uma loja de departamentos, sonhando
que até o homem dos seus sonhos pode um dia surgir por conta de uma venda. Quem
está interessado em luvas em pleno século 21? Pois é, o trabalho monótono
acompanha o ritmo da vida particular da moça, mas as coisas estão prestes a
mudar, pelo menos no campo afetivo. Certo dia ele conhece em uma lavanderia
Jeremy (Jason Schwartzman), um rapaz desajeitado e aparentemente tímido. O
interesse por arte dos dois faz com que eles rapidamente façam amizade, mas ele
não é nada cavalheiro e revela-se um pobretão, pedindo logo no primeiro
encontro que rachassem a conta do restaurante, precisando ainda de alguns
trocados emprestados para pagar sua parte da refeição. Muito carente, Mirabelle
não liga para estes detalhes, o importante é que o rapaz parece amá-la e logo eles
estão envolvidos amorosamente. Também fã de música, o desenhista tem a
oportunidade de fazer uma turnê com uma banda de rock, mas a namorada não pode
acompanhá-lo devido ao seu trabalho na loja. Neste período em que está sozinha,
ela conhece o milionário e maduro Ray (Martin), justamente da forma como ela
imaginava: comprando um par de luvas. Experiente na conquista das mulheres, o
presente que ele comprou era destinado para a própria vendedora, que recebeu o
mimo acompanhado de um convite para um jantar. Apesar da diferença de idade e
até mesmo de classe social, eles se entendem muito bem, voltam a se ver outras
vezes, mas chega um momento que Mirabelle o avisa sobre seu envolvimento com
outro e para sua surpresa o sessentão a compreende, pois assume que sua vida
profissional lhe exige demais e que não teria como se dedicar a um
relacionamento sério, apenas a encontros esporádicos. Mesmo assim eles
continuam a se encontrar e a honestidade chega a tal ponto do empresário
assumir que em uma de suas várias viagens de trabalho acabou dormindo com outra
mulher. A carência da moça fala mais alto e ela o perdoa, contudo, depois de
algum tempo ela reencontra Jeremy, agora muito mais descolado e bem de vida em
termos financeiros. A mudança do rapaz é graças a uma despercebida frase de
incentivo da namorada em um de seus primeiros encontros. E agora? É melhor
viver recebendo presentes e atenção esporádica ou optar por um cotidiano mais
modesto, mas repleto de amor sincero e exclusivo? Esqueça os abusos e
escatologias das comédias românticas hollywoodianas que forçam a barra para apontarmos
os prós e os contras de cada candidato. Tudo aqui é desenvolvido de forma muito
agradável e sem atropelos, respeitando as emoções da personagem central que
talvez pela primeira vez na vida tem a opção de escolher o que deseja fazer.
Falar de amor é o grande objetivo
desta obra. Talvez. O que fica mais latente é o assunto solidão e a necessidade
de ter algum laço sólido com outra pessoa em busca de apoio. A trama é
desenvolvida na agitada Los Angeles, mas que aparenta ser no fundo uma cidade
fria e onde o individualismo é privilegiado. Os personagens destacados buscam
justamente o contrário, o companheirismo, cada qual a sua maneira visando o que
podem preservar de suas vidas particulares e somar ao assumir um relacionamento
amoroso. Tucker evidencia a solidão com tomadas que buscam a amplitude dos
cenários, como na primeira cena em que vemos Mirabelle. A câmera passeia pela
loja na qual ela trabalha reforçando a solidão da moça. A clientela parece
distante de seu balcão e ela tão obsoleta quanto os produtos que tenta vender.
Em meio ao luxo e a grandiosidade do estabelecimento ela é insignificante, o
perfil perfeito para ceder aos encantos do primeiro que lhe oferecesse atenção.
Para acentuar seu conformismo, os primeiros minutos de projeção são dedicados a
esmiuçar sua metódica rotina de forma muito delicada e que facilmente capta a
atenção de espectadores que podem se identificar de imediato com a personagem.
Quando surge o amor para ela, o roteiro busca alguma inovação ao não colocar os
seus dois pretendentes disputando seu coração diretamente. Ray surge quando seu
concorrente já está fora do páreo praticamente. É uma pena que a aposta seja
entre dois homens tão diferentes, o que deixa óbvio como será o final, ainda
mais quando o maduro afirma não querer um namoro sério. Ainda assim é possível
se envolver com o romance dele com a garota, apesar de sabermos que pesa para
ela o fato dele ter dinheiro. Parece que ela acredita que com o tempo
conseguirá mudar a opinião dele quanto a um compromisso sério, mas chega um
momento em que presentinhos já não servem mais como desculpa para a ausência.
Enquanto isso, Jeremy está amadurecendo e aprendendo a aproveitar a vida como
nunca, não é a toa que as cenas mais divertidas são suas como a primeira vez em
que ele vai para a cama com Mirabelle ou quando ele é confundido com Ray por
uma garota com quem o sessentão flertava à distância. É bom ficar claro que
Mirabelle não é uma interesseira de forma questionável, uma golpista. Ao
conhecermos rapidamente sua família também descobrimos os motivos que a levaram
a um cotidiano tão monótono e condicionado, além do desespero por uma companhia
afetiva. Se o namorado pode ser bonito, carinhoso, gentil e rico melhor ainda,
não é? Garota da Vitrine tem o mérito de justamente colocar o
espectador a pensar nessa necessidade do par perfeito. Crescemos idealizando o
perfil da pessoa com quem gostaríamos de nos unir e aceitar que a realidade
pode não ser tão boa quanto um sonho é difícil. Este é uma opção simples e
agradável que merece ser vista e refletida.
Romance - 106 min - 2005
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