quinta-feira, 8 de setembro de 2016

GAROTA DA VITRINE

NOTA 7,0

De forma muito delicada, longa
aborda a busca pelo amor apostando
em triângulo amoroso diferenciado e
Steve Martin com interpretação contida
Steve Martin é um nome que irremediavelmente está sacramentado como sinônimo de comédia rasgada. Desde o início de sua carreira ele se dedica ao gênero alternando ótimos momentos com outros vergonhosos, mas o fato é que é difícil imaginá-lo em outro tipo de filme, mas quem sabe em um romance com pitadas sutis de humor? Pois é, em Garota da Vitrine ele surpreende como um homem de meia-idade sedutor e livre de expressões faciais e corporais talhadas minuciosamente para causar risos. Tal papel poderia cair como uma luva à Richard Gere ou Dustin Hoffman, por exemplo, mas o longa é inspirado no livro “Shopgirl”, de autoria do próprio Martin. Seria muita sacanagem colocar outro ator para viver um papel que certamente foi escrito já pensando em uma possível adaptação cinematográfica. Este trabalho era a chance do comediante provar que pode diversificar seus trabalhos, apresentando talento para a escrita e dar vida a personagens mais sérios. Realmente, ele convence em cena e seu texto flui suavemente, mas é uma pena que o longa tenha tido pouca projeção. Em meio a tantos romances tolos, esta obra é como um sopro de frescor, ainda que não seja inovador, pelo contrário, é até bem previsível, mas a forma como o diretor Anand Tucker, de Hilary e Jackie, conduz a narrativa faz toda a diferença, a começar pelo visual clean e realista adotado para o visual, o que traz certo charme de produção independente à obra.  A protagonista é vivida por Claire Danes, cerca de trinta anos mais jovem que Martin, e a diferença de idade poderia indicar que o filme seguiria o caminho do escracho investindo pesado no conflito entre a liberdade da juventude e a rotina metódica inerente a uma pessoa mais velha, ainda mais a um homem. Vendo por essa ótica, temos aqui uma inversão de papéis e, felizmente, o cineasta optou por fazer um retrato mais realista desta relação amorosa, não deixando de lado uma opção de amor mais jovem para a moça se ver em um dilema. Apesar de bem trabalho, o conceito do triângulo amoroso neste caso não difere muito de tantos outros que o cinema já apresentou, somente há um refinamento maior no tratamento, uma variação do perfil do cara perdedor e do vencedor que exala confiança. No fundo, mais uma vez temos uma mocinha romântica sendo obrigada a decidir por uma dessas opções completamente opostas, ambas com seus benefícios e pontos negativos. Um pode oferecer amor incondicional e um padrão de vida razoável. O outro está acostumado a “comprar” o amor, mas não garante planos para o futuro. Contudo, não há vilão ou mocinho aqui, apenas pessoas normais com qualidades e defeitos em busca da felicidade.

Produzido e roteirizado pelo próprio Martin, o enredo gira em torno de Mirabelle (Danes), uma jovem que está tentando ganhar a vida em Los Angeles, mas as oportunidades de trabalho são escassas. Enquanto não surge um emprego melhor, ela se dedica a atender clientes em um balcão de vendas de luvas em uma loja de departamentos, sonhando que até o homem dos seus sonhos pode um dia surgir por conta de uma venda. Quem está interessado em luvas em pleno século 21? Pois é, o trabalho monótono acompanha o ritmo da vida particular da moça, mas as coisas estão prestes a mudar, pelo menos no campo afetivo. Certo dia ele conhece em uma lavanderia Jeremy (Jason Schwartzman), um rapaz desajeitado e aparentemente tímido. O interesse por arte dos dois faz com que eles rapidamente façam amizade, mas ele não é nada cavalheiro e revela-se um pobretão, pedindo logo no primeiro encontro que rachassem a conta do restaurante, precisando ainda de alguns trocados emprestados para pagar sua parte da refeição. Muito carente, Mirabelle não liga para estes detalhes, o importante é que o rapaz parece amá-la e logo eles estão envolvidos amorosamente. Também fã de música, o desenhista tem a oportunidade de fazer uma turnê com uma banda de rock, mas a namorada não pode acompanhá-lo devido ao seu trabalho na loja. Neste período em que está sozinha, ela conhece o milionário e maduro Ray (Martin), justamente da forma como ela imaginava: comprando um par de luvas. Experiente na conquista das mulheres, o presente que ele comprou era destinado para a própria vendedora, que recebeu o mimo acompanhado de um convite para um jantar. Apesar da diferença de idade e até mesmo de classe social, eles se entendem muito bem, voltam a se ver outras vezes, mas chega um momento que Mirabelle o avisa sobre seu envolvimento com outro e para sua surpresa o sessentão a compreende, pois assume que sua vida profissional lhe exige demais e que não teria como se dedicar a um relacionamento sério, apenas a encontros esporádicos. Mesmo assim eles continuam a se encontrar e a honestidade chega a tal ponto do empresário assumir que em uma de suas várias viagens de trabalho acabou dormindo com outra mulher. A carência da moça fala mais alto e ela o perdoa, contudo, depois de algum tempo ela reencontra Jeremy, agora muito mais descolado e bem de vida em termos financeiros. A mudança do rapaz é graças a uma despercebida frase de incentivo da namorada em um de seus primeiros encontros. E agora? É melhor viver recebendo presentes e atenção esporádica ou optar por um cotidiano mais modesto, mas repleto de amor sincero e exclusivo? Esqueça os abusos e escatologias das comédias românticas hollywoodianas que forçam a barra para apontarmos os prós e os contras de cada candidato. Tudo aqui é desenvolvido de forma muito agradável e sem atropelos, respeitando as emoções da personagem central que talvez pela primeira vez na vida tem a opção de escolher o que deseja fazer.

Falar de amor é o grande objetivo desta obra. Talvez. O que fica mais latente é o assunto solidão e a necessidade de ter algum laço sólido com outra pessoa em busca de apoio. A trama é desenvolvida na agitada Los Angeles, mas que aparenta ser no fundo uma cidade fria e onde o individualismo é privilegiado. Os personagens destacados buscam justamente o contrário, o companheirismo, cada qual a sua maneira visando o que podem preservar de suas vidas particulares e somar ao assumir um relacionamento amoroso. Tucker evidencia a solidão com tomadas que buscam a amplitude dos cenários, como na primeira cena em que vemos Mirabelle. A câmera passeia pela loja na qual ela trabalha reforçando a solidão da moça. A clientela parece distante de seu balcão e ela tão obsoleta quanto os produtos que tenta vender. Em meio ao luxo e a grandiosidade do estabelecimento ela é insignificante, o perfil perfeito para ceder aos encantos do primeiro que lhe oferecesse atenção. Para acentuar seu conformismo, os primeiros minutos de projeção são dedicados a esmiuçar sua metódica rotina de forma muito delicada e que facilmente capta a atenção de espectadores que podem se identificar de imediato com a personagem. Quando surge o amor para ela, o roteiro busca alguma inovação ao não colocar os seus dois pretendentes disputando seu coração diretamente. Ray surge quando seu concorrente já está fora do páreo praticamente. É uma pena que a aposta seja entre dois homens tão diferentes, o que deixa óbvio como será o final, ainda mais quando o maduro afirma não querer um namoro sério. Ainda assim é possível se envolver com o romance dele com a garota, apesar de sabermos que pesa para ela o fato dele ter dinheiro. Parece que ela acredita que com o tempo conseguirá mudar a opinião dele quanto a um compromisso sério, mas chega um momento em que presentinhos já não servem mais como desculpa para a ausência. Enquanto isso, Jeremy está amadurecendo e aprendendo a aproveitar a vida como nunca, não é a toa que as cenas mais divertidas são suas como a primeira vez em que ele vai para a cama com Mirabelle ou quando ele é confundido com Ray por uma garota com quem o sessentão flertava à distância. É bom ficar claro que Mirabelle não é uma interesseira de forma questionável, uma golpista. Ao conhecermos rapidamente sua família também descobrimos os motivos que a levaram a um cotidiano tão monótono e condicionado, além do desespero por uma companhia afetiva. Se o namorado pode ser bonito, carinhoso, gentil e rico melhor ainda, não é? Garota da Vitrine tem o mérito de justamente colocar o espectador a pensar nessa necessidade do par perfeito. Crescemos idealizando o perfil da pessoa com quem gostaríamos de nos unir e aceitar que a realidade pode não ser tão boa quanto um sonho é difícil. Este é uma opção simples e agradável que merece ser vista e refletida.

Romance - 106 min - 2005

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