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NOTA 8,0 Voltando às origens, diretor Sam Raimi revisita o terror trash apostando em bizarrices, escatologia e delicioso humor negro aliada à tensão |
Se fosse guiada pela emoção a
garota certamente faria um acordo benéfico tanto para a empresa quanto para
cliente, mas movida pela ambição de se tornar assistente de gerência ela nega o
pedido de ajuda para se fazer de durona e profissional. Ao fazer tal escolha,
Christine traça para si mesma um destino cruel. A tal velha com cara de
coitadinha na verdade é uma poderosa e rancorosa cigana que usando um simples
botão de um casaco da moça a amaldiçoa, despertando uma entidade maligna que
passará a persegui-la e dentro de três dias a sugará para debaixo da terra para
ela viver junto do coisa ruim. A cena do ritual de feitiçaria é antológica. Um
embate cheio de tensão e bons sustos é travado entre as duas dentro de um estacionamento,
mas tudo temperado com senso de humor e loucuras ímpares. Só um cineasta muito
confiante em seu taco para interromper um ataque a base de vorazes mordidas por
conta de uma dentadura frouxa que escapa de uma boca literalmente imunda. E a
sequência do embate no carro é só um aperitivo do que está por vir.
Intencionalmente ou não, Raimi busca inspiração em seu citado filme de estreia
e mais uma vez explora a luta de uma pessoa comum contra um demônio insaciável,
no caso um chamado Lâmia, criatura que literalmente arrasta suas vítimas ainda
com vida para as profundezas do inferno. Fazendo de certa forma uma homenagem
para si mesmo e até para a estética gore tão em voga nas fitas do gênero oitentistas,
o diretor deita e rola com cenas bizarras, humor negro e escatologias diversas,
dentre elas vômitos, lama, insetos e lesmas. E o que dizer da cena em que
Christine leva guela abaixo o punho da feiticeira? Totalmente insano! Raimi
parece se divertir como nos tempos da juventude e manda às favas qualquer
compromisso com o realismo. Uma pena que seu amigo de longa data Bruce
Campbell, o protagonista dos três filmes que compõe a franquia The Evil Dead - A Morte do Demônio, por
problemas de agenda não pode participar, o que certamente daria um charme a
mais a produção que parece pinçada da década de 1980. O diretor inclui no
início até o logotipo da época utilizado pelo estúdio Universal (produtora do
longa) deixando claro sua busca pela nostalgia.
É uma pena que Raimi abra mão de
trucagens caseiras na maioria das cenas, como seu bom e velho mingau de aveia e
os litros de glicose tingida de vermelho que deram a tônica de sua primeira
experiência cinematográfica. Optando por efeitos digitais, o resultado de
várias sequências acaba prejudicado por conta do aspeto falso ressaltado. Ainda
assim é curioso que dois momentos tão distintos da carreira do diretor
compartilhem semelhanças, embora, seu retorno às origens tivesse obrigações com
censura e honrar um compromisso de render lucros aos produtores, algo bem distante
da liberdade criativa que experimentou em seu debute na sétima arte.
Entretanto, ciente do poder de seu nome
no cenário hollywoodiano, Raimi faz o que pode para imprimir à fita a falsa
impressão de um produção de baixo orçamento e feito a toque de caixa. O elenco
colabora com o tom nonsense da obra. Lohman, cujo rosto apático naturalmente
nos faz crer que está sempre assustada e pronta para chorar, se sai muito bem
carregando o fardo da maldição. Entre momentos de inexpressividade e outros de
puro histrionismo, a jovem faz caras e bocas divertidíssimas quando é atacada
ou sofre os efeitos de sua condição, como quando seu nariz simplesmente jorra
litros de sangue ao invés de sutilmente apenas pingar. Para ter com quem
dividir seu sádico sofrimento, ela tem um namorado, Clay Dalton, vivido no
piloto automático por Justin Long mais conhecido por comédias adolescentes, mas
cujo ponto alto de sua carreira é o terror Olhos
Famintos. Infelizmente o roteiro desperdiça o rapaz e o condiciona a apenas
servir como ouvinte das lamúrias da companheira e por vezes eles parecem mais
irmãos que apaixonados. O show fica mesmo por conta da veterana Raver que
arranca gargalhadas e ao mesmo tempo impacta com suas aparições. Cega de um
olho, com cabelos grisalhos e testa proeminente, unhas sujas e quebradas,
dentadura podre e com a pele extremamente enrugada, dá vontade de ver mais
filmes com a Sra. Ganush tocando o terror. Mesmo com uma trama bastante
genérica e previsível, e que ao invés de assustar alimenta um sorriso constante
no espectador, Arraste-me Para o Inferno consegue
ser divertido e deve ser encarado como um exercício de estilo, como se fosse
uma autoavaliação de Raimi quanto ao seu talento para ainda chocar e enojar o
espectador. Não perdeu a mão felizmente e de quebra faz uma necessária
homenagem ao cinema trash, além do diretor tirar um sarro de si mesmo repetindo
intencionalmente erros visuais, sonoros e de continuação que lhe abriram as
portas para a fama.
Terror - 99 min - 2009
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