domingo, 2 de maio de 2021

UM MOMENTO PODE MUDAR TUDO


Nota 6 Uma amizade improvável é usada como fio condutor de drama sobre doença degenerativa


A discussão sobre a esclerose lateral amiotrófica (ELA), problema que faz com que o portador perca o controle sobre seus músculos, é o tema do drama Um Momento Pode Mudar Tudo, que traz como protagonista a oscarizada Hilary Swank em um papel difícil. Após várias tentativas frustradas de emplacar em blockbusters e comédias românticas, a atriz aqui volta ao cinema mais introspectivo e reflexivo na pele de Kate, uma designer e pianista clássica que foi surpreendida com o diagnóstico da doença degenerativa que a faz perder os movimentos das mãos e das pernas. Logo que os primeiros sintomas se manifestam ela já percebe que sua relação com o marido Evan (Josh Duhamel) nunca mais seria a mesma coisa. Acostumados a frequentar festas e reuniões na casa de badalados amigos, pouco a pouco os convites cessam por conta das dificuldades para a moça se locomover e, obviamente, também por preconceito. Ao mesmo tempo, a intimidade do casal também vai minando já que um simples toque pode machucá-la. Necessitando de cuidados especiais diários, Kate decide contratar uma cuidadora, mesmo com o marido sendo contra a ideia.

Bec (Emmy Rossum) não tem talento para exercer tal função. Sua experiência se resume a um trabalho voluntário em um asilo e tampouco possui equilíbrio para controlar sua própria vida cheia de excessos. Todavia, uma amizade inusitada surge entre elas, o que ajuda a enferma não só a superar os obstáculos impostos por sua condição, mas também a enfrentar a crise em seu casamento. Tudo que Kate precisava era de alguém que a ouvisse, compreendesse e não a tratasse como um estorvo com prazo de validade a vencer.  O roteiro dedica-se a construção da amizade entre essas duas mulheres tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão necessárias uma a outra. Enquanto uma é retraída, introvertida e organizada, a outra é bagunceira, desbocada e liberal. O convívio e a troca de experiências diárias trará o equilíbrio para ambas. Vendo Swank em uma condição tão delicada, mas ao mesmo tempo lutando para sobreviver com dignidade, é praticamente impossível não lembrar de sua atuação em Menina de Ouro, drama que lhe rendeu seu segundo Oscar dando vida a uma boxeadora que durante uma luta acaba sofrendo uma lesão que a deixa tetraplégica, gancho necessário para o longa abordar a eutanásia. 


Ao assumir a personalidade de Kate, a atriz não apenas retrata com perfeição os efeitos da progressão da doença, indo da restrição dos movimentos até as alterações recorrentes na respiração e na fala, mas também dedica especial atenção aos pequenos detalhes da luta da personagem entre a resignação e o inconformismo da situação. Ajuda a cativar a atenção neste doloroso processo a amizade que ela constrói com sua cuidadora. Sua insegurança, provada pelas dificuldades em se relacionar afetivamente e a falta de coragem para seguir seus sonhos, mescla-se com eficiência à personalidade forte de Bec. Rossum destaca-se criando uma personagem divertida, doidivanas, mas de certa forma também dependente de algum tipo de cuidado. A jovem se torna mais interessante quando deixa de ser apenas um estereótipo de uma garota desajustada, se acalma e mostra o porquê de seu comportamento tresloucado, mas que pode ser alguém muito melhor e solidária. Guardadas as devidas proporções, a premissa lembra o caminho trilhado pelo longa Intocáveis no qual um homem maduro e amargurado por sua condição imóvel acaba por redescobrir o prazer de viver graças aos incentivos e bom astral de seu cuidador. A leveza da trama é o grande chamariz.

Já o roteiro de Shana Feste e Jordan Roberts, adaptado do livro de Michelle Wildgeb, prefere investir no melodrama e opta por caminhos mais seguros tanto no desenvolvimento da trama quanto dos personagens. O problema é que estamos diante de um drama repleto de clichês de superação e de cenas previsíveis e forçadas. O tema por si só é bastante emotivo, mas tudo é muito bem estruturado para fazer o espectador ir às lágrimas a qualquer custo, mas o efeito acaba saindo às avessas. A impressão que dá é que a trama poderia ser beneficiada com cortes de cenas, assim poupando o tédio que paira em diversos momentos. A discussão sobre a ELA ganhou projeção com o longa A Teoria de Tudo, cinebiografia sobre o físico Stephen Hawkings que conviveu com a doença por mais de cinco décadas contrariando a baixa expectativa de vida dada pelos médicos. Contudo, Um Momento Pode Mudar Tudo não explora a fundo a temática e oferece apenas o básico para agradar aos mais sensíveis. O roteiro é tão previsível que ainda durante as apresentações dos personagens já é possível identificar os rumos da trama. Abordar a rápida decadência do corpo provocada por doenças degenerativas é um tema delicado e resvalar no piegas é muito fácil. 


O diretor George C. Wolfe toma a enfermidade de Kate como desculpa para refletir sobre a natureza dessa mulher que se vê de uma hora para a outra em uma condição frágil e irreversível, bem como a da menina que levava a vida sem rumo e que precisa amadurecer rapidamente para finalmente encontrar algum sentido em sua existência. Sobram ainda clichês como o marido que se comporta como um cafajeste, representando o lado frágil do relacionamento. Duhamel atua mecanicamente, até porque o roteiro não lhe oferece boas oportunidades. Descontente com seu casamento, mas ao mesmo tempo reticente em colocar um ponto final na relação e deixar a esposa ainda mais vulnerável, tal perfil tinha potencial para ser melhor explorado. Marcia Gay Harden como Elizabeth, a mãe da protagonista, também não é muito exigida pela trama, uma pena visto que suas ações muitas vezes colaboram para desencorajar a filha na batalha contra a doença. De qualquer forma, mesmo simplificando tudo, injetando lições de moral e traçando caminhos específicos para seus personagens, o longa consegue atingir seu objetivo de emocionar e suscitar discussões e reflexões a respeito da enfermidade que coloca em evidência. Contudo, fica a sensação de que poderia ir mais a fundo na temática. A realidade de quem convive com ELA é bem mais dramática e merece um retrato mais fiel e contundente.

Drama - 102 min - 2014

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