segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A BATALHA DE SEATTLE

NOTA 7,0

Alinhavando histórias ficcionais,
drama tenta retratar toda a tensão que
tomou conta de uma cidade por causa de
manifestação contra abusos de poderosos
Costumamos (ou ao menos deveríamos) valorizar filmes que privilegiam fatos históricos, mesmo aqueles que nada mais são que um pequeno grão de areia em meio a um episódio grandioso. Isso explica a enorme quantidade de títulos que envolvem a Guerra Fria, por exemplo, mas é uma pena que fatos mais recentes da História sejam esquecidos rapidamente como é o caso da temática de A Batalha de Seattle. Episódio marcante de revolta popular contra os abusos dos governantes, tal conflito não inspirou diretores de cinema, tanto que apenas o ator Stuart Townsend teve coragem de relembrá-lo anos depois. Estreando como diretor e roteirista, logo no início ele deixa claro que seu longa é baseado em fatos reais, porém, seus personagens são fictícios, mas nada que atrapalhe a dramaticidade da produção, pelo contrário, as várias tramas paralelas soam perfeitamente críveis. O problema é que a inexperiência como redator impediu que o estreante se aprofundasse em cada uma delas, sendo que o projeto como um todo é bastante ambicioso, seguindo o estilo narrativo de títulos consagrados como Crash – No Limite que ao mesmo tempo em que pretende fazer uma crítica social também tem a preocupação de desenvolver histórias que façam o espectador se identificar e criar um vínculo com os personagens e consequentemente se sentir atraído pela temática principal. Para compreender melhor o enredo, é necessário explicar o que foi o conflito do título. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, mais especificamente em 1947, foi assinado um acordo entre 23 países a respeito de tarifas para importações e exportações com o propósito de legalizar e expandir o comércio mundial. Ao longo de mais de 50 anos, outras nações se uniram ao projeto e assim surgiu a Organização Mundial do Comércio (OMC), que pouco a pouco passou a impor suas vontades sobre os governos e aqueles que desrespeitassem as regras eram punidos, podendo ser expulsos do grupo. A ganância dos membros fez com que o respeito a situações envolvendo o meio ambiente ou os direitos humanos ficassem em segundo plano, sendo que os interesses econômicos estão sempre acima de tudo, assim o órgão é muito criticado e alvo comum de protestos populares. O ápice desses conflitos ocorreu no final de 1999. A partir de 30 de novembro, durante cinco dias, dezenas de milhares de manifestantes tomaram as ruas de Seattle, cidade que serviria naquele período para sediar a chamada “Rodada do Milênio”, reunião da OMC de grande importância que tinha o objetivo de avaliar os resultados dos últimos anos das suas ações e planejamento para os próximos meses, ou em outras palavras, realizar um balanço do quanto se perdeu (mortes, desmatamentos, extinção de animais entre outros fatores negativos) em favor dos lucros que chegaram às contas dos poderosos e o quanto eles ainda poderiam somar futuramente.

Desde meados dos anos 60 não eram registradas passeatas focando especificamente o poder capitalista americano, assim as autoridades políticas e policiais não estavam preparadas para essa surpresa e o resultado é que uma manifestação pacífica que pedia o fim das reuniões secretas da organização acabou se tornando uma guerra urbana como há muito tempo não se via. Policiais fortemente armados e abusando da violência contra pessoas comuns que tinham como única defesa a voz, uma disputa desigual, mas necessária para mudar as coisas ou ao menos demonstrar a insatisfação do povo e quem sabe assim chamar a atenção dos manda-chuvas. Pelo exposto a respeito da temática, está mais do que claro que Townsend não escolheu um tema prático para sua estreia atrás das câmeras, mas mesmo com todas as dificuldades inerentes a um marinheiro, ou melhor, cineasta de primeira viagem, até que ele se saiu bem coordenando um elenco talentoso que o ajudou a transformar algo que poderia ser maçante em um produto interessante para o espectador, mesmo hoje em dia, tantos anos após o episódio ocorrer e suas consequências serem ignoradas pela mídia. Para tanto, foi preciso abandonar o aspecto documental da introdução e apelar para a ficção aliando o pano de fundo histórico e político a dramas pessoais. As personagens podem ser acusadas de estereotipadas, mas isso já é esperado em filmes do tipo, embora a figura de um vilão em carne e osso seja descartada, sendo que o próprio sistema de dominação que nos acostumamos a respeitar é que é representado como o mal. Entre as pessoas que estão dispostas a se engajar às manifestações, algumas já estão no alvo da OMC. Jay (Martin Henderson) perdeu seu irmão em um conflito a favor da natureza no final dos anos 80 e desde então participa da praticamente todos os protestos, sendo visto como uma espécie de líder. Sam (Jennifer Carpenter) estudou direito, envolveu-se no mesmo protesto oitentista e agora atua como defensora dos protestantes, embora tenha dúvidas a respeito dos métodos e propósitos de um grupo formado por pessoas tão diferentes em diversos aspectos. Lou (Michelle Rodriguez) já se envolveu em diversos protestos contra o racismo e chegou a queimar o laboratório de pesquisas com animais do próprio pai.  Já Django (Andre Benjamin) foi preso em vários países por danos à propriedade envolvendo navios de caça baleias e pesqueiros de camarões. Contra eles temos o policial Dale (Woody Harrelson) que é obrigado a tentar barrar os avanços dos populares, mas na verdade ele não gostaria de estar no meio deste furdúncio, ainda mais pela preocupação em saber se Ella (Charlize Theron), sua esposa grávida, está a salvo. Diga-se de passagem, tal subtrama é a melhor de todas. Já o jovem Johnson (Channing Tatum), novato na corporação, está louco para sentir a adrenalina de sua profissão, porém, pouco a pouco ele vai percebendo que aqueles que são vistos como ameaças pelos seus superiores na realidade são do bem e possuem razões que justificam suas vontades de revolta.

Por fim, Jean (Connie Nielsen) é uma repórter que tenta fazer a melhor cobertura possível dos acontecimentos, mas sempre em busca de algum fator apelativo nas imagens ou entrevistas, e Jim Tobin (Ray Liotta), o prefeito, tenta conter os manifestantes sem recorrer a violência ao mesmo tempo em que é pressionado por outros líderes para declarar estado de sítio e assim dar total liberdade para os grupos policiais agirem sem piedade. Existem alguns outros personagens menores que surgem para ajudar a abordar o grande número de reivindicações dos manifestantes que vão desde a diminuição ou mesmo o aborto de ações da OMC envolvendo espécies em extinção até a diminuição dos preços de alguns remédios para doenças graves. A mídia também é criticada. Com os grandes veículos de comunicação subordinados a empresas que bancam suas produções, o manifesto atingia diretamente os interesses desses acordos, assim as informações sobre o piquete eram escondidas ou transmitidas de forma parcial. Bem, o final não é surpresa para ninguém antenado. A luta continua literalmente. Já que o ano estava acabando, foram colocados panos quentes sobre a situação liberando os manifestantes presos e a polícia deixando as ruas dando aquela falsa impressão de que a OMC mudaria sua conduta a partir de então. A Batalha de Seattle no final, recuperando o estilo documental, apresenta diversos exemplos que pouca coisa mudou (lembrando que o filme é de 2007), sendo a medida mais drástica tomada a decisão de que qualquer reunião da OMC ou similar deveria ser realizada em uma zona de exclusão, ou seja, em locais mais distantes de regiões centrais, assim restringindo o direito do povo discordar. Espertinhos não? Como em todas as manifestações, muita gente se envolveu apenas para aparecer ou fazer arruaça e infelizmente a visão de que o episódio não passou de baderna, resultando em prejuízos desnecessários ao patrimônio e cofre públicos, acabou contaminando a mídia que tratou de abafar o caso rapidamente. Sendo assim, tal fato só poderia mesmo ser desenterrado por uma produção independente, livre de amarras com patrocinadores ou grandes estúdios. Diante dessas condições, Townsend realizou um trabalho acima da média, corajoso e reflexivo, e que bom saber que muitas estrelas de Hollywood não são totalmente seduzidas pelas cifras de grandes cachês e aceitam gastar seu tempo ganhando menos, mas filmando produções com muito mais conteúdo que certas bobagens orçadas em milhões. Pena que o longa não tenha encontrado espaço nem mesmo em premiações e festivais alternativos, o que coloca em xeque a seriedade de tais eventos. 

Drama - 99 min - 2007 

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