NOTA 9,0 Jim Carrey mais uma vez prova que tem talento para o drama em história que mescla realidade e sonhos |
Muita gente tem implicância com determinados artistas e por
nada desse mundo dão o braço a torcer e assistem alguns filmes de seus
desafetos, mesmo que eles sejam premiados e elogiados. Jim Carrey é um ator que
sofre com isso até hoje. Sinônimo de comédia besteirol, ele surgiu para o
grande público atingindo sucesso imediato em O Máskara, mas se suas caras e
bocas funcionaram perfeitamente nesse trabalho o mesmo não se pode dizer em
tantos outros. Querendo se livrar do estigma do homem de um papel só, no final da
década de 1990 ele passou a explorar o gênero dramático com êxito, mas ainda
assim muitos duvidam até hoje de sua capacidade e talento. Uma pena. Unindo
drama com pitadas de humor, ele encontrou um personagem perfeito para expor
toda sua capacidade de interpretação em Brilho Eterno de Uma Mente Sem
Lembranças, uma ótima opção para aqueles que ao menos querem tentar mudar sua
visão sobre o astro. Se um filme tem o poder de fazer uma pessoa rever seus
conceitos tamanho seu impacto, aqui temos esta sensação em dose dupla. Além de
enxergar um intérprete de primeira em Carrey, o próprio enredo pode transformar
a vida de quem o assiste. A história começa nos apresentando o casal formado
por Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), dois indivíduos que tentaram
de tudo para fazer a relação dar certo até que a moça se desiludiu de vez e
resolveu se submeter a um tratamento experimental que retira da memória os
momentos indesejáveis. Assim ela tomou a decisão de esquecer tudo que viveu com
seu parceiro e sequer saber que um dia o conheceu. Desesperado com o desprezo
da mulher que ama, Joel resolve procurar o Dr. Howard Mierzwaik (Tom Wilkinson)
e se submeter ao mesmo tratamento de memória seletiva, porém, não tem coragem e
durante a operação recorda os motivos que o levaram a se apaixonar por
Clementine. Graças as confusões que ocorrem devido a interrupção repentina do
tratamento as imagens desta mulher acabam sendo realocadas em lembranças do
rapaz nas quais ela não estava presente originalmente.
O roteiro maluquinho é da mente criativa do cultuado
roteirista Charlie Kaufman, o mesmo que escreveu os elogiados Quero Ser John
Malkovich, Adaptação e Confissões de Uma Mente Perigosa. Geralmente a
responsabilidade de um filme é creditada a seu diretor, mas este é um dos raros
casos em que o escritor se sobressai, embora ele nem se arrisque a manejar a
câmera. O reconhecimento é merecido, afinal até um filme mudo depende de uma
história para existir. A popularidade de Kaufman, praticamente uma grife sinônimo
de boas produções, não parece ter ofendido o cineasta francês Michel Gondry que
viu seu longa frequentar as principais lista de melhores filmes e premiações da
temporada de 2005 e até hoje é um título muito cultuado e que desperta
curiosidades. O entrosamento entre os dois se deve ao fato deles já terem
trabalhados juntos no pouco visto A Natureza Quase Humana. Ainda bem que eles
não desistiram e seguiram suas carreiras. Pela sinopse, muitos devem achar que
o roteiro deve ser mais uma daquelas intricadas histórias feitas para agradar
intelectuais, mas deve se surpreender positivamente quem se der ao direito de
acompanhar essa viagem pela mente de um homem apaixonado. A grande dica para
acompanhar esta obra é prestar atenção, requisito que deveria ser básico para
qualquer filme. As idas e vindas de tempo, ora exibindo situações do passado e
ora do presente, podem confundir os mais desatentos, mas é justamente fazer os
espectadores pensarem o objetivo de tal narrativa não linear de forma que cada
um possa compreender a trama de uma maneira particular. Na realidade isso não é
nenhuma maluquice. Qualquer filme, do mais convencional até o mais inovador,
será compreendido de um jeito diferente por cada indivíduo. Isso varia de
acordo com a bagagem cultural e sentimental que carregamos, mas é certo que
algumas produções nos instigam a procurar dentro de nós mesmo elementos de
identificação e compreensão, o que deixa a experiência cinematográfica muito
mais gratificante e marcante.
Existem filmes que são difíceis de catalogar em um gênero
específico e este é um deles. O material de divulgação o vende como um drama.
Outros acham muito mais puxado para a comédia enquanto alguns defendem como uma
ficção científica. O correto seria enquadrá-lo na categoria inovador ou de
vanguarda, o que não é convencional infelizmente. Só assim para definir um
enredo que emociona, diverte e, principalmente, nos faz pensar, ainda mais
quando uma reviravolta transforma literalmente o longa, forçando o espectador a
ficar ligado em todos os detalhes. Colabora para facilitar a compreensão a
integração de todos os personagens com a situação dos protagonistas, assim evitando
subtramas desnecessárias e coadjuvantes sem funções. Aliás, com um elenco
estrelado em mãos seria até um pecado desperdiçá-lo. Mark Ruffalo, Kirsten
Dunst e Elijah Wood aceitaram atuar por salários inferiores aos que estão
acostumados não por amor a arte ou ao menos não só por isso. Trabalhar em
projetos de diretores e roteiristas consagrados e aceitar papéis e enredos aos
quais não estão acostumados dão certo status ao currículo dos intérpretes. Vale
ressaltar também o apuro técnico da produção, principalmente a fotografia e a
curiosa utilização de efeitos especiais perfeitamente encaixados na narrativa
que ainda é valorizada pela trilha sonora e montagem, embora algumas cenas mais
longas e a repetição de certas ideias sejam desnecessárias, mas nada que estrague
o brilho de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (desculpe a redundância),
um sopro de esperança para o apático cenário que encontramos no campo do
romantismo no cinema. Obviamente, este filme não é destinado àqueles que
somente gostam de produções que sem mesmo ver uma única cena já matamos o final
e muito menos para quem não gosta de pensar. O próprio título instigante da
obra já dá o recado e as vezes é até melhor curti-lo sozinho do que acompanhado
de pessoas que possivelmente farão cara de paisagem da primeira a última cena.
Aliás, dá até para fazer um trocadilho entre o enredo com o popular ditado
antes só do que mal acompanhado. Se o importante é aproveitar os bons momentos
próximos da pessoa amada e esquecer a obsessão pelo felizes para sempre aí vai
uma frase a ser seguida: antes só com suas boas lembranças do que mal
acompanhado na realidade.
Vencedor do Oscar de roteiro original
Drama - 108 min - 2004
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