segunda-feira, 9 de novembro de 2015

RANGO

NOTA 8,0

Animação conquista com seu
visual surreal e personagens
originais, mas enredo pode
não agradar totalmente
O nome de um dos atores mais excêntricos de Hollywood em destaque no material publicitário e a estampa de uma criatura que aparentemente tem olhos esbugalhados segurando um peixe nas mãos só podem indicar uma coisa: mais um pareceria entre Johnny Depp e o diretor Tim Burton. Errado! O astro empresta sua voz desta vez para uma animação de Gore Verbinski, o mesmo que o presenteou com o papel principal da série Piratas do Caribe. Se o ator é famoso por sua capacidade de mudar completamente seu visual de um trabalho para outro, nada melhor do que ele mesmo para dublar justamente um camaleão, réptil conhecido por sua constante mudança de cores dependendo do local ou circunstâncias em que se encontra. Todavia, o astro fez muito mais pelo protagonista. Simplesmente ele conseguiu dar profundidade dramática a um personagem animado, sem que ele precisasse estar presente em cena em carne e osso. Rango é o primeiro longa-metragem animado da Industrial Light & Magic, empresa que já conquistou diversos prêmios graças aos efeitos especiais que criaram para diversos produtos de sucesso como Parque dos Dinossauros.  Com argumento do próprio diretor em parceria com James Ward Byrkit e roteiro de John Logan, a história gira em torno do personagem-título, um camaleão sem identidade e com intenções artísticas que passou boa parte de sua vida dentro de um aquário até que acidentalmente foi parar em uma estrada no meio do deserto. Caminhando em meio a cactos, sob sol escaldante e passando por alguns contratempos, Rango conhece Feijão, uma lagarta cheia de personalidade que passa a acompanhá-lo em sua jornada sem destino. Após um bom tempo eles finalmente chegam a uma cidade chamada Poeira, local onde os habitantes sofrem com a falta de água. Muito convencido, o réptil começa a contar um monte de histórias fantásticas e de bravura como se fosse um herói de filme de faroeste e logo ele é eleito o xerife do vilarejo, assim, finalmente ele passa a ser reconhecido e se sente realmente importante. Algumas de suas primeiras obrigações no cargo são resolver o problema da escassez de água e enfrentar a ira de Bandido Bill e seu bando de malcheirosos do oeste, mas seu principal desafio na realidade é conhecer a si mesmo e tentar despertar o herói que existe dentro dele. Ou tal figura corajosa não passa mesmo de uma criação de sua mente fértil?

Verbinski optou por uma narrativa que concentra nos personagens os atrativos para a criançada, por exemplo, o camaleão é uma figura medonha e ao mesmo tempo adorável. Para aqueles que só assistem animações dubladas em idioma original, neste caso, para variar, não faltam nomes talentosos emprestando suas vozes aos bizarros personagens, mas neste caso vale a pena tentar também ver a versão em português disponível em DVD. Atores profissionais do ramo foram chamados afastando assim a estranheza de ouvir vozes conhecidas da TV deslocadas (por mais talentosos e esforçados que sejam é impossível não ouvir e lembrar-se do personagem de uma novela ou da voz de algum apresentador). Todavia, a história em si e sua ambientação são pratos cheios para os adultos, principalmente aos amantes do gênero western e para aqueles que adoram encontrar referências a outros títulos de sucesso em produções com tom satírico. Da abertura que remete ao clássico antigo Django até lembranças do clássico moderno Pulp Fiction, passando por diversas citações a outros filmes de estilo bang-bang, as gags visuais, narrativas e até sonoras são muito bem-vindas. Apesar de apostar até mesmo no tom solene tão característico das produções de faroeste, incluindo sua trilha musical tradicional, é preciso ressaltar que a animação consegue manter um ritmo ágil principalmente até a metade quando somos brindados com sequências memoráveis como a cena em que Rango foge das garras de uma ave tendo como proteção uma garrafa de vidro que não tarda a se quebrar. Só vendo para crer no apuro técnico. Por outro lado, é certo que o longa pode perder muito de sua graça quando o espectador não tem uma ampla bagagem cinematográfica para identificar os focos de sátira. Talvez justamente por isso o longa não tenha caído nas graças do público infantil. O que era ferramenta para causar risos acabou levando ao tédio. Os diálogos divertidos e inteligentes casam muito bem com personagens que carregam conflitos e que fisicamente não se pode dizer que sejam o sonho de consumo de uma criança. Curiosamente, o longa é produzido pelo canal infantil por assinatura Nickelodeon, mas está longe de ser um produto que visa lucrar muito além das bilheterias de cinema ou com vendas de DVD, ou seja, alimentos, materiais de escola e bonequinhos não fazem parte da previsão de lucro nem a longo prazo.  Por outro lado, também não é um filme que vai diretamente ao encontro das expectativas do público adulto. O roteiro impregnado de metáforas e citações pode funcionar inicialmente, mas conforme o tempo passa começa a ficar cansativo. Existe tanta preocupação em construir uma história esperta e que alie humor com pequenas doses de drama que no conjunto, ironicamente, tudo parece um pouco desconjuntado. Até mesmo o clímax do enredo quando Rango tenta desvendar o mistério da falta d'água deixa a desejar em emoção e explicações.

Ainda sobre o enredo, vale ressaltar a inserção de importantes questões sociais e políticas. A cidade de Poeira é um tanto antiquada e seus habitantes em geral muito suscetíveis a manipulação daqueles que exercem poder, seja por valentia ou por um cargo público superior. Além disso, é abordada a importância da água na manutenção do ciclo da vida e as consequências do progresso exagerado, mas tais mensagens podem simplesmente passar despercebidas aos olhares mais desatentos ou ainda repudiadas por aqueles que não concordam que temas “típicos” do universo dos adultos intervenham em produções que visam o público infantil. Se o roteiro é um tanto confuso para crianças e se atrapalha com os próprios recursos escolhidos para causar impacto no espectador adulto, por que então este desenho recebeu vários elogios e figurou nas listas de muitas premiações como melhor animação do ano de 2011? A resposta se encontra em uma palavra: diferente. Na parte técnica e no visual, como já esperado, Rango é de tirar o chapéu e não deixa nada a dever às produções da cultuada Pixar, ainda que os personagens coadjuvantes possam causar certa confusão ao espectador devido aos seus aspectos físicos semelhantes, um problema que se agrava nas sequências em que há aglomerações. Fora isso, os cenários são excepcionais e consegue transmitir profundidade as cenas, um feito que poucas animações alcançam. As ações acontecem em uma região árida que consegue transmitir perfeitamente a sensação de calor exagerado e do ambiente insólito do deserto e une elementos que fazem o espectador se sentir dentro de um delírio, de um sonho. Uma gigantesca torneira ou um peixe de tamanho propositalmente exagerado em meio a uma paisagem seca são tão surreais que até parecem inspirados em obras de pintores como Salvador Dalí. O longa prova que para introduzir o espectador em um universo onírico basta ter criatividade e nem mesmo os famigerados efeitos 3D se fazem necessários. É uma pena que a ousadia, inventividade e ordenação das imagens não se reflitam no texto. No final das contas, este desenho é um bom exemplar de um subgênero, digamos assim. “Filme diferente” deveria ser aceito para fins de rotulagem, pois este não é o primeiro e nem o último produto do estilo que não é 100% perfeito (aliás, é bem menos que isso), mas não se pode deixar que sua criatividade passe em brancas nuvens. Assista e tire suas próprias conclusões.

Vencedor do Oscar de filme de animação

Animação - 107 min - 2011 

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