sábado, 12 de fevereiro de 2022

SCOOBY-DOO


Nota 4 Versão com atores reais de clássica animação frustra ao se distanciar de suas origens


A expectativa da transposição para celuloide de um dos desenhos mais amados de todos os tempos era grande, mas a decepção foi ainda maior. Scooby-Doo demorou muitos anos para se tornar realidade, mas precisaria de muito mais tempo para ser lapidado. Apesar das boas intenções do diretor Raja Gosnell o resultado foi um filme bobo e que destoa completamente do clima da animação original capitaneada pelo famoso estúdio Hanna-Barbera. Além de uma ameaça verdadeiramente sobrenatural, possivelmente para chamar a atenção com efeitos especiais, ao contrário dos vilões fajutos desmascarados ao fim de casa episódio, aparentemente a ideia do roteirista James Gunn era criar um perfil mais consistente para cada personagem e não ficar apenas nas características estereotipadas já conhecidas deles. Fred (Freddie Prinze Jr.) é o líder galã; Daphne (Sarah Michelle Gellar) a patricinha charmosa; Velma (Linda Cardellini) a sabichona; Salsicha (Matthew Lillard) o avoado e bobalhão; e, por fim, Scooby-Doo, em animação digital esmerada para tentar se chegar o mais próximo possível do cão do desenho, é o responsável pelas piadas que entremeiam a trama e tentar manter unida a turma da Mistério S/A que neste filme vive uma guerra de egos. 

A sintonia do grupo é abalada quando os casos que solucionam passam a virar manchete na televisão e jornais despertando a vaidade de cada integrante. Um acha que merece mais atenção que o outro e se esquecem que são uma equipe, que o sucesso das investigações depende dos esforços e habilidades de cada um deles. Tal enfoque não existia no seriado. Eram apenas jovens focados nos trabalhos de investigações, mas tinham uma postura madura em cena mesmo tendo que dar alguns tropeços e fazer certas bobagens para inserir humor nos episódios. O rompimento do grupo é inevitável, porém, dois anos após a separação, um inesperado convite acaba por aproximá-los novamente. Emile Mondavarious (Rowan Atkinson), o excêntrico dono de um parque de diversões chamado Ilha do Terror, anda preocupado com misteriosos acontecimentos no local que fazem com que os visitantes voltem para casa traumatizados, assim convoca os ex-integrantes da Mistério S/A para lhe ajudarem. O problema é que agora cada um quer investigar individualmente para não ter que dividir o crédito quando o caso for solucionado. 


Os personagens estão fisicamente bem caracterizados, parece até que os seus intérpretes nasceram para viver tais figuras, contudo, suas essências estão bem distorcidas das que foram mantidas por dezenas de episódios da animação. Daphne ficou sensual um pouco além da conta, Velma está mais fechada e com certo ar de revolta e Fred exagera no narcisismo caindo no ridículo. Salsicha, assim como nos desenhos, rouba a cena com sua infantilidade e estaria perfeito se uma desnecessária cena não sugestionasse seu envolvimento com maconha, o que explicaria seu jeito aéreo de ser. Já o personagem-título, um dos impasses para que a produção saísse do papel, surge pleno em cena graças a tecnologia. Sua reconstituição é perfeita e obriga o público brasileiro a dar preferência em assistir dublado para ter o prazer de ouvir a voz do saudoso ator Orlando Drummond, o mesmo que dublou o cãozinho por décadas e ajudou a eternizá-lo na memória coletiva do público. Também em formato digital, a certa altura da trama surge o pequeno Scooby-Loo, personagem dos menos carismáticos do seriado. Sua pequena participação só tem efeito para esticar o filme que desde o início parece perdido e sem propósito. 

O grande problema foi idiotizar o grupo de detetives. No filme eles são alçados (ou seria rebaixados?) a ídolos adolescentes que encaram cada mistério a ser solucionado como um show de exibicionismo do qual devem sair triunfantes para depois darem autógrafos e tirarem fotos com seus fãs. Tal mudança de rumo seria justificada pela vontade de trazer conflitos existênciais aos personagens. Para o seriado bastava que cada episódio tivesse um intrigante caso a ser resolvido, sem necessidade de trabalhar os perfis dos detetives. Os mais fanáticos e com tempo disponível até podiam imaginar o que poderia existir além do exibido e provavelmente Gosnell e Gunn eram algumas dessas pessoas. Assim eles transformam em realidade, por exemplo, um romance entre Fred e Daphne, esta relegada a uma mocinha sempre em perigo, e revelam uma faceta mais durona de Velma que agora quer ser reconhecida como a cabeça pensante da turma e até revelar certo lado masculinizado. Salsicha e Scooby, mais fiéis aos perfis originais, então ficam com a difícil missão de segurar o filme sozinhos, injetando humor e tentando reunir novamente seus amigos, estes a quem geralmente eram dadas as honras de soluções dos mistérios. 


Scooby-Doo existe apoiando-se no apelo do nome do protagonista e de seus amigos, além dos efeitos especiais e das piadas que asseguram o interesse de crianças pequenas . É pouco para um produto que deveria atender muito mais ao público adulto, aquele que cresceu grudado em frente a TV tentando resolver os mistérios narrados em clima soturno. Gosnell nem de longe atinge o clima do desenho. Os ambientes escuros e ações geralmente na calada da noite a base de pouca luz são substituídos por cenários multicoloridos e de iluminação esfuziante. A sensação é de estar em um circo, infelizmente não de horrores, e a sensação de incômodo é ainda maior tendo Atkinson na pele de um personagem de caráter dúbio. A sensação de estar vendo o Mr. Bean em cena é inevitável e enfraquece as chances de duvidarmos sobre as intenções do dono do parque.

Aventura - 86 min - 2002

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3 comentários:

renatocinema disse...

Faço das suas as minhas palavras. Decepção para quem era fã do desenho animado.

marcosp disse...

não é facil transpor um desenho animado para "personagens" de pessoas reais, o que mais me encantou nesse filme foi o scooby computadorizado, o roteiro em si é bem fraquinho, serve apenas para final de tarde, quando se quer apenas ver um filme leve...

GustavoPeres99 disse...

Adoro esse filme do Scooby Doo e o motivo é que ele foi o primeiro filme de DVD que assisti na vida 🥰