sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA

NOTA 10,0

Clássico da literatura
americana reúne elementos
perfeitos para o estilo Tim
Burton de fazer cinema
Quando pensamos em filmes de terror é quase impossível não se lembrar dos sanguinários assassinos mascarados que caçam adolescentes ou qualquer um que esteja de bobeira na rua em horários inoportunos, das figuras assustadoras que incorporam espíritos malignos ou ainda recordarmos dos monstros clássicos do cinema, como vampiros e lobisomens, que até hoje rendem histórias. Longe do estilo trash ou do lema sangue é a alma do negócio, Tim Burton construiu sua carreira basicamente pautado pelo gênero de horror e suspense, mas conseguiu imprimir um estilo único de assustar. Quer dizer único não é mais, pois já existem diversos cineastas copiando seu estilo gótico ou surreal de contar histórias que flertam com o medo, o humor e o drama. Todavia, ainda falta para muitos a criatividade e a sutileza de Burton para tocar projetos semelhantes aos seus. Talvez sejam as suas particularidades que nos encantem, por exemplo, em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, longa rotulado como terror, mas que na comparação com muita coisa que é lançada atualmente mais parece um conto de fadas. Todos os elementos que fizeram e ainda fazem a fama do diretor estão presentes nesta produção que pode ser considerada uma obra-prima do gênero. Personagens bem trabalhados, ambientação minuciosamente escolhida, humor negro, bizarrices e o tom gótico já são marcas registradas do diretor e aqui todas elas são imprescindíveis para a condução da narrativa que faz com que por alguns momentos o espectador esqueça que é um filme de terror que está vendo tamanho o lirismo e o aspecto onírico de algumas cenas. Mas claro que também há sangue para agradar aos fãs do gênero. A história é baseada em um popular conto de horror do americano Washington Irving, que por sua vez baseou-se possivelmente em uma lenda germânica. Na virada do século 18, o pequeno vilarejo rural de Sleepy Hollow está sofrendo com o pânico gerado pelos boatos de que todas as noites o fantasma de um homem sem cabeça vaga pelas ruas a procura de seu crânio. O estranho é que parece que ele surge predestinado a decepar corpos escolhidos previamente, e nem as mulheres ou crianças são poupadas. O excêntrico detetive nova-iorquino Ichabod Crane (Johnny Depp), famoso por solucionar casos baseando-se em conceitos racionais e científicos, é chamado com urgência para dar seu parecer da situação e acalmar os ânimos. Inicialmente, ele tenta apresentar soluções lógicas para o problema investigando as possíveis ligações entre as vítimas para assim chegar a um assassino de carne e osso, mas não demora muito para seu ceticismo ir por água abaixo.

Todos em Sleepy Hollow têm alguma história amedrontadora sobre o tal Cavaleiro sem Cabeça e o próprio Crane se depara com ele em uma noite sombria. A partir desse momento sua mente se divide. Ele passa a acreditar em partes no folclore local, mas ainda assim acredita que existe uma resposta lógica, porém, quanto mais se afunda nas investigações, mais sobrenatural o caso se torna. Para enfrentar o desconhecido, o detetive contará com o apoio de Katrina Van Tassel (Christina Ricci), uma misteriosa jovem que pode ser a chave do mistério, mas ao mesmo tempo corre o risco de ser a próxima vítima. O elenco conta com verdadeiros talentos, alguns pouco reconhecíveis devido a maquiagem e figurinos, mas alguns merecem ser destacados, como Miranda Richardson interpretando Lady Van Tassel, a madrasta de Katrina, uma mulher maquiavélica e cheia de segredos, e Christopher Walken, especialista em interpretar tipos estranhos, assumindo aqui o papel do Cavaleiro. Embora aparecendo em poucas cenas e sem falas, apenas grunhindo, sua aparição obviamente é de fundamental importância, ainda mais contando com seu visual naturalmente exótico. O ator Casper Van Dien interpreta Brom Van Brunt, um valentão que cobiça o amor de Katrina e enxerga em Crane um rival. Curiosamente, esse triângulo amoroso não é bem trabalhado no longa, deixando apenas no ar os indícios desta relação, ao contrário do livro original. Na obra de Irving, Crane e Brunt competem pelo amor de Katrina e durante uma noite de festa o valentão conta a lenda do Cavaleiro sem Cabeça no intuito de assustar o rival. Ao voltar para casa, o detetive é surpreendido pelo fantasma de um homem que perdeu a cabeça durante um conflito na época da Revolução Americana e depois dessa noite ninguém jamais voltou a vê-lo. A história não é conclusiva, apenas se sabe que provavelmente o franzino investigador faleceu, e deixa para o leitor refletir se a lenda é uma realidade ou se o próprio Brunt é quem se disfarçou e deu cabo do inimigo. Tal enredo a Disney utilizou em um curta-metragem que hoje pode ser encontrado em coletâneas especiais ou reunido com outro conto em As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo, mas certamente o roteirista Andrew Kevin Walker fez um excepcional trabalho de adaptação que só cresceu nas mãos de Burton, ainda que o script já estivesse escrito anos antes do projeto entrar em pré-produção e nem havia o nome do gótico diretor atrelado. Logo nos primeiros minutos temos a certeza de que estamos diante de um produto tipicamente “burtiniano” que faz uma homenagem às antigas produções de horror. Já nos créditos iniciais somos convidados a participar de um universo fantástico e ao mesmo tempo aterrorizante. Neblina, árvores gigantescas e secas com galhos retorcidos e até uivo de lobos ajudam a compor uma ambientação perfeita de uma cidade isolada, triste e misteriosa. Isso sem falar na sequência que antecede tal abertura, uma introdução espetacular que é na verdade o real convite ao espectador, pois reúne todos os elementos que compõem o restante do filme. Venha participar deste mistério ou desista imediatamente é a mensagem que deixa a imagem do primeiro decapitado nos primeiros minutos.
Sem precisar extirpar corpos a olhos nus, o cineasta conseguiu fazer um trabalho amedrontador e com classe que pode não agradar aos adeptos de Jogos Mortais e produções semelhantes, mas conta com recursos para ultrapassar barreiras e agradar até mesmo quem repudia filmes de terror justamente pelo excesso de sangue e violência explícitos geralmente empregados. Neste caso o impacto com cenas do tipo é quase nulo e o que nos impressiona mesmo é o requinte e o capricho da produção. Desde o uso da neblina proposital, passando pelos figurinos de época, a predileção por cores frias, a iluminação primorosa, a trilha sonora sombria de Danny Elfman, antigo colaborador do diretor, e até as trucagens usadas para as aparições do Cavaleiro, tudo aqui nos faz lembrar filmes clássicos de terror, aqueles dos tempos dos castelos, carruagens e conflitos entre nobres e plebeus. Estilo parecido foi usado em O Lobisomem, com Benicio Del Toro no papel principal, mas a criatura digital usada quebra um pouco o clima gótico e realista da produção. Felizmente, Burton foi fiel ao seu estilo e se mostrou muito a vontade para fantasiar neste mundo sinistro, palco para Depp mais uma vez desenvolver um personagem marcante e repleto de particularidades. Alternando momentos de humor involuntário, outros de seriedade e mais um punhado de sequências em que explora seu lado heroico, o ator firmava aqui sua terceira parceria com Burton até então. Acostumado a atuar quase sempre adornado por recursos de maquiagem e figurinos pesados, em sua visão Crane teria um visual bem exótico, tal qual a Disney descreve em sua animação, mas a opção de aparecer de cara limpa é totalmente válida e colabora ainda mais para tornar a figura do medroso investigador em algo crível. Vale lembrar que, conforme seu costume, o cineasta acaba encontrando uma maneira de jogar um olhar contemplativo sobre a figura representante do mal, reforçando a idéia de que o vilão seria um ser marginalizado ou uma vítima da sociedade. É curioso que na época de seu lançamento nos cinemas brasileiros, a obra recebeu classificação indicativa para maiores de 18 anos, mas não apresenta nada demais perto de outros títulos do gênero lançados nas duas últimas décadas. Talvez a cena mais chocante seja a do Cavaleiro indo em busca de sua cabeça e exterminando toda uma família, inclusive uma criança, mas tudo filmado de forma velada e com citações para o entendimento de quem assiste sem precisar mostrar os fatos na íntegra. No conjunto, A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça é uma deliciosa mistura de gêneros que resgata o que há de melhor no cinema, a criatividade, algo que Burton sempre manteve em primeiro lugar em sua filmografia, ainda que precise atender as expectativas do mercado. Tomara que ninguém em Hollywood tenha a ideia de relançar ou até mesmo refilmar esta maravilhosa produção em 3D, afinal é em seu caráter nostálgico e artesanal que se escondem os seus poderes de persuasão e sedução.

Vencedor do Oscar de direção de arte

Terror - 105 min - 1999 

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2 comentários:

marcosp disse...

uiiii, quer diretor mais maluco que Tim Burton, kkkk, existem... e esse é genial em tudo o que faz, tem Tim, pode assistir e se divertir e prepare-se para levar sustos e dar boas risadas ao msm tempo, ele é craque nisso!!!!!

Unknown disse...

Sem sombra de dúvidas, que a genialidade e vivacidade de Depp para este papel é de suma importância. Com certeza é um dos melhores filmes do século. A fotografia é perfeita, bem como o enredo bem engendrado e executado. Excelente