NOTA 10,0 Clássico da literatura americana reúne elementos perfeitos para o estilo Tim Burton de fazer cinema |
Quando pensamos em filmes de terror
é quase impossível não se lembrar dos sanguinários assassinos mascarados que
caçam adolescentes ou qualquer um que esteja de bobeira na rua em horários
inoportunos, das figuras assustadoras que incorporam espíritos malignos ou
ainda recordarmos dos monstros clássicos do cinema, como vampiros e lobisomens,
que até hoje rendem histórias. Longe do estilo trash ou do lema sangue é a alma
do negócio, Tim Burton construiu sua carreira basicamente pautado pelo gênero
de horror e suspense, mas conseguiu imprimir um estilo único de assustar. Quer
dizer único não é mais, pois já existem diversos cineastas copiando seu estilo
gótico ou surreal de contar histórias que flertam com o medo, o humor e o
drama. Todavia, ainda falta para muitos a criatividade e a sutileza de Burton
para tocar projetos semelhantes aos seus. Talvez sejam as suas particularidades
que nos encantem, por exemplo, em A Lenda
do Cavaleiro sem Cabeça, longa rotulado como terror, mas que na comparação
com muita coisa que é lançada atualmente mais parece um conto de fadas. Todos
os elementos que fizeram e ainda fazem a fama do diretor estão presentes nesta
produção que pode ser considerada uma obra-prima do gênero. Personagens bem
trabalhados, ambientação minuciosamente escolhida, humor negro, bizarrices e o
tom gótico já são marcas registradas do diretor e aqui todas elas são
imprescindíveis para a condução da narrativa que faz com que por alguns
momentos o espectador esqueça que é um filme de terror que está vendo tamanho o
lirismo e o aspecto onírico de algumas cenas. Mas claro que também há sangue
para agradar aos fãs do gênero. A história é baseada em um popular conto de
horror do americano Washington Irving, que por sua vez baseou-se possivelmente
em uma lenda germânica. Na virada do século 18, o pequeno vilarejo rural de
Sleepy Hollow está sofrendo com o pânico gerado pelos boatos de que todas as
noites o fantasma de um homem sem cabeça vaga pelas ruas a procura de seu
crânio. O estranho é que parece que ele surge predestinado a decepar corpos
escolhidos previamente, e nem as mulheres ou crianças são poupadas. O
excêntrico detetive nova-iorquino Ichabod Crane (Johnny Depp), famoso por
solucionar casos baseando-se em conceitos racionais e científicos, é chamado
com urgência para dar seu parecer da situação e acalmar os ânimos.
Inicialmente, ele tenta apresentar soluções lógicas para o problema
investigando as possíveis ligações entre as vítimas para assim chegar a um
assassino de carne e osso, mas não demora muito para seu ceticismo ir por água
abaixo.
Todos em Sleepy Hollow têm alguma
história amedrontadora sobre o tal Cavaleiro sem Cabeça e o próprio Crane se
depara com ele em uma noite sombria. A partir desse momento sua mente se
divide. Ele passa a acreditar em partes no folclore local, mas ainda assim
acredita que existe uma resposta lógica, porém, quanto mais se afunda nas
investigações, mais sobrenatural o caso se torna. Para enfrentar o
desconhecido, o detetive contará com o apoio de Katrina Van Tassel (Christina
Ricci), uma misteriosa jovem que pode ser a chave do mistério, mas ao mesmo
tempo corre o risco de ser a próxima vítima. O elenco conta com verdadeiros
talentos, alguns pouco reconhecíveis devido a maquiagem e figurinos, mas alguns
merecem ser destacados, como Miranda Richardson interpretando Lady Van Tassel,
a madrasta de Katrina, uma mulher maquiavélica e cheia de segredos, e
Christopher Walken, especialista em interpretar tipos estranhos, assumindo aqui
o papel do Cavaleiro. Embora aparecendo em poucas cenas e sem falas, apenas
grunhindo, sua aparição obviamente é de fundamental importância, ainda mais
contando com seu visual naturalmente exótico. O ator Casper Van Dien interpreta
Brom Van Brunt, um valentão que cobiça o amor de Katrina e enxerga em Crane um
rival. Curiosamente, esse triângulo amoroso não é bem trabalhado no longa,
deixando apenas no ar os indícios desta relação, ao contrário do livro
original. Na obra de Irving, Crane e Brunt competem pelo amor de Katrina e
durante uma noite de festa o valentão conta a lenda do Cavaleiro sem Cabeça no
intuito de assustar o rival. Ao voltar para casa, o detetive é surpreendido
pelo fantasma de um homem que perdeu a cabeça durante um conflito na época da
Revolução Americana e depois dessa noite ninguém jamais voltou a vê-lo. A
história não é conclusiva, apenas se sabe que provavelmente o franzino
investigador faleceu, e deixa para o leitor refletir se a lenda é uma realidade
ou se o próprio Brunt é quem se disfarçou e deu cabo do inimigo. Tal enredo a
Disney utilizou em um curta-metragem que hoje pode ser encontrado em coletâneas
especiais ou reunido com outro conto em As
Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo, mas certamente o roteirista Andrew Kevin
Walker fez um excepcional trabalho de adaptação que só cresceu nas mãos de
Burton, ainda que o script já estivesse escrito anos antes do projeto entrar em
pré-produção e nem havia o nome do gótico diretor atrelado. Logo nos primeiros
minutos temos a certeza de que estamos diante de um produto tipicamente
“burtiniano” que faz uma homenagem às antigas produções de horror. Já nos
créditos iniciais somos convidados a participar de um universo fantástico e ao
mesmo tempo aterrorizante. Neblina, árvores gigantescas e secas com galhos
retorcidos e até uivo de lobos ajudam a compor uma ambientação perfeita de uma
cidade isolada, triste e misteriosa. Isso sem falar na sequência que antecede
tal abertura, uma introdução espetacular que é na verdade o real convite ao
espectador, pois reúne todos os elementos que compõem o restante do filme.
Venha participar deste mistério ou desista imediatamente é a mensagem que deixa
a imagem do primeiro decapitado nos primeiros minutos.
Sem precisar extirpar corpos a olhos nus, o cineasta conseguiu
fazer um trabalho amedrontador e com classe que pode não agradar aos adeptos de
Jogos Mortais e produções
semelhantes, mas conta com recursos para ultrapassar barreiras e agradar até
mesmo quem repudia filmes de terror justamente pelo excesso de sangue e
violência explícitos geralmente empregados. Neste caso o impacto com cenas do
tipo é quase nulo e o que nos impressiona mesmo é o requinte e o capricho da
produção. Desde
o uso da neblina proposital, passando pelos figurinos de época, a predileção
por cores frias, a iluminação primorosa, a trilha sonora sombria de Danny
Elfman, antigo colaborador do diretor, e até as trucagens usadas para as
aparições do Cavaleiro, tudo aqui nos faz lembrar filmes clássicos de terror,
aqueles dos tempos dos castelos, carruagens e conflitos entre nobres e plebeus.
Estilo parecido foi usado em O Lobisomem,
com Benicio Del Toro no papel principal, mas a criatura digital usada quebra um
pouco o clima gótico e realista da produção. Felizmente, Burton foi fiel ao seu
estilo e se mostrou muito a vontade para fantasiar neste mundo sinistro, palco
para Depp mais uma vez desenvolver um personagem marcante e repleto de
particularidades. Alternando momentos de humor involuntário, outros de
seriedade e mais um punhado de sequências em que explora seu lado heroico, o
ator firmava aqui sua terceira parceria com Burton até então. Acostumado a
atuar quase sempre adornado por recursos de maquiagem e figurinos pesados, em
sua visão Crane teria um visual bem exótico, tal qual a Disney descreve em sua
animação, mas a opção de aparecer de cara limpa é totalmente válida e colabora
ainda mais para tornar a figura do medroso investigador em algo crível. Vale
lembrar que, conforme seu costume, o cineasta acaba encontrando uma maneira de
jogar um olhar contemplativo sobre a figura representante do mal, reforçando a
idéia de que o vilão seria um ser marginalizado ou uma vítima da sociedade. É
curioso que na época de seu lançamento nos cinemas brasileiros, a obra recebeu classificação
indicativa para maiores de 18 anos, mas não apresenta nada demais perto de
outros títulos do gênero lançados nas duas últimas décadas. Talvez a cena mais
chocante seja a do Cavaleiro indo em busca de sua cabeça e exterminando toda
uma família, inclusive uma criança, mas tudo filmado de forma velada e com
citações para o entendimento de quem assiste sem precisar mostrar os fatos na
íntegra. No conjunto, A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça é
uma deliciosa mistura de gêneros que resgata o que há de melhor no cinema, a
criatividade, algo que Burton sempre manteve em primeiro lugar em sua
filmografia, ainda que precise atender as expectativas do mercado. Tomara que
ninguém em Hollywood tenha a ideia de relançar ou até mesmo refilmar esta
maravilhosa produção em 3D, afinal é em seu caráter nostálgico e artesanal que
se escondem os seus poderes de persuasão e sedução.
Vencedor do Oscar de direção de arte
Terror - 105 min - 1999
Terror - 105 min - 1999
2 comentários:
uiiii, quer diretor mais maluco que Tim Burton, kkkk, existem... e esse é genial em tudo o que faz, tem Tim, pode assistir e se divertir e prepare-se para levar sustos e dar boas risadas ao msm tempo, ele é craque nisso!!!!!
Sem sombra de dúvidas, que a genialidade e vivacidade de Depp para este papel é de suma importância. Com certeza é um dos melhores filmes do século. A fotografia é perfeita, bem como o enredo bem engendrado e executado. Excelente
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