Provavelmente
não existe dor maior para um pai ou uma mãe que perder um filho. Pior ainda
quando isso acontece de forma trágica e repentina, assim acarretando além da
tristeza também sentimentos de impotência e injustiça e as reações podem ser as
mais diversas e extremas possíveis. Muitos filmes já abordaram a temática com
as câmeras testemunhando a tristeza, o ódio e o rancor de quem passa por essa
situação e levando o público às lágrimas ao acompanhar com nó na garganta tais
histórias. Entre Quatro Paredes é
um típico exemplar da seara com uma narrativa que não dá espaço para
pieguismos, deixando as emoções fluírem sem parecerem forçadas ou gratuitas,
trocando os momentos clichês de catarse por explosões controladas e reações
inesperadas. A trama nos apresenta ao casal Ruth (Sissy Spacek) e Matt Fowler
(Tom Wilkinson) que vivem com o filho adolescente Frank (Nick Stahl), um
talentoso aspirante a arquiteto que começa a se relacionar com Natalie (Marisa
Tomei), uma mulher mais velha e já mãe de duas crianças. Ela vive cerceada por
Richard (William Mapother), seu ex-marido que não se
conforma com a separação e fica ainda mais enciumado quando descobre o novo
caso dela. Os pais do rapaz encaram tal relação como um potencial fator de
risco para seu futuro acadêmico, embora também tenham consciência de que o
receio seja justificado pela sensação de impotência já que o filho agora é um
adulto e responsável por seus atos. Contudo, chega o momento que
tais preocupações ganham sentido diante de uma tragédia e o casal de meia idade
se vê em meio a maior crise de suas vidas que altera brutalmente suas rotinas.
O
argumento é dos mais batidos, mas trata-se de um filme no qual o elenco
engrandece a produção que sem dúvidas ficaria obscura para boa parte do público
caso não tivesse sido indicada a cinco Oscars, incluindo três nomeações ao
elenco. Spacek arrebatou praticamente todas as estatuetas, menos o Oscar e a do
Sindicato dos Atores, com um papel que não dá margem a estrionismos e talvez
por isso mesmo relevante. Ela vive uma mulher de classe média que leva uma vida
simples e tem uma maneira mais contida e peculiar de vivenciar sua dor. De
fato, houve uma supervalorização de sua personagem, justificando seus prêmios
muito mais à sua carreira e ao fato de há muito tempo não ter um desempenho de
destaque e em uma produção idem. A verdadeira estrela e alma do filme é o
britânico Wilkinson, na época relativamente pouco conhecido, o que pode
justificar o fato de não ter conseguido fazer a limpa nas premiações. Seu
personagem reage de uma forma um pouco mais explosiva à tragédia, mas ainda
assim guiado pelos esforços da racionalidade. Com a lentidão da justiça para
resolver o caso, Matt decide fazer o que julga certo com as próprias mãos. Não
convém revelar qual é o infortúnio pelo qual os Fowler passam, mas não é
difícil adivinhar já exposta a situação-problema que envolve o filho do casal
cujos intérpretes, com muita sensibilidade, conseguem deixar transparecer
apenas o modo como, dia após dia, seus personagens vão sendo corroídos por
sentimentos e desejos arbitrários. A condução do roteiro faz com que julguemos
as ações do casal de formas distintas, sendo certas ou erradas de acordo com a
personalidade e ideais de cada um que assiste, o longa não manipula a favor ou
contra.
Fechando a trinca de atores indicados a prêmios, temos a surpresa do nome de Tomei que, uma década após ganhar o questionável Oscar como coadjuvante por Meu Primo Vinny, então deixava de ser uma piada em Hollywood. Sua personagem, assim como a de Spacek, não agrega nada de extraordinário, mas é uma atuação correta e de apelo emocional cuja lembrança em premiações serviu para limpar a imagem da atriz e afastar fantasmas quanto a proteção ou equívoccos do passado. Até o jovem Stahl, então um promissor talento que não vingou, se destaca com uma crível mistura de sedução e inocência, mas que não foi lembrado nos prêmios. É de seu Frank que surge a explicação para o título original, "In The Bedroom", uma refrência as armadilhas que o rapaz usava para pescar lagostas, um artefato no qual os animais capturados ficam aglomerados e machucando uns aos outros. No contexto da história, o casal Fowler não conseguiria mais viver na cidade que, mesmo pacata, os abalou profundamente, salvo se conseguissem fazer algo para ao menos aplacar um pouco a dor que sentiam. A trama é uma adaptação de um conto de Andre Dubus, falecido dois anos antes do lançamento e a quem a obra é dedicada. A escrita ficou a cargo de Robert Festinger e Todd Field, este que também se encarregou da direção.
Ator com crédito em diveros filmes, porém, mais lembrado pela interpretação de um pianista em De Olhos Bem Fechados que leva o protagonista a uma excêntrica orgia, Field fez sua estreia atrás das câmeras em grande estilo mostrando que entende como poucos sobre como conduzir e trabalhar a dinâmica dos atores a ponto de fazer um enredo pouco original funcionar como algo novo. Ciente dos talentos que tinha em mãos, o diretor utilizou diversos recursos para ressaltar ainda mais as interpretações, assim não hesitou em estender um pouco mais o tempo comumente usado para determinados tipos de cenas e de incluir vários trechos totalmente desprovidos de qualquer tipo de som, tudo para ajudar e dar o tempo necessário para o espectador digerir o que está vendo. E olha que os temas são pesados. Violência doméstica, vingança pessoal, desestruturação familiar e morte, tudo acompanhado de um clima soturno e introspectivo destacado ainda por uma paleta de cores pálidas que acentua o ritmo contemplativo de uma narrativa bastante crua e realista. O tempo todo a câmera fica suspensa e de forma quase trêmula acompanhando as ações cotidianas dos personagens dando ares rudimentares às cenas, o que potencializa a dramaticidade das situações.
Entre Quatro Paredes não tem medo de incomodar oferecendo uma imersão total aos sentimentos dos personagens expondo o lado sombrio da alma humana, as inquietudes nas relações matrimoniais aparentemente perfeitas, os segredos por trás das belas fachadas de casas adornadas por gramados, enfim, a tal beleza americana em ruínas. Nessa revelação do autêntico espírito da sociedade norte-americana, defende-se que atos extremos às vezes são necessários para as pessoas darem novos rumos às suas vidas, mas não são capazes de curar feridas totalmente. O tempo ainda é o melhor remédio para tudo. Contudo, ao final, mesmo com pouco mais de duas horas de duração, fica a amarga sensação de que o filme tinha muito pouco a dizer e sua mensagem seria mais eficaz num curta ou média-metragem ou até mesmo num telefilme. Field propôs um tortuoso e longo caminho para dizer que aconteça o que acontecer a vida continua seu trajeto normal você querendo ou não, cada um tem o poder da escolha em acompanhar o seu ritmo ou ficar parado em um determinado momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário