segunda-feira, 28 de setembro de 2020

JESSABELLE - O PASSADO NUNCA MORRE


Nota 3,0 Longa peca pelo excesso de clichês e pelos personagens e situações desinteressantes


Não é novidade alguma que o gênero terror há anos sofre de uma terrível crise de criatividade, quiçá também de identidade, mas algumas produções abusam além do tolerável quanto a repetição de ideias. Todavia, isso não quer dizer que sejam um lixo total. Jessabelle – O Passado Nunca Morre (descaradamente tentando chamar a atenção de desprevenidos aludindo ao marqueteiro Annabelle) é um bom exemplo resumindo-se a uma colagem de situações já vistas em outros filmes, tão óbvias que é possível até mesmo apontar quais as produções que inspiraram cada uma delas, mas ainda assim prende a atenção durante sua exibição. As sensações despertas após o término já são outros quinhentos. A personagem-título, vivida pela insossa Sarah Snooke, está vivendo um período complicado, aqueles em que parece que o que já está ruim pode ficar ainda pior e os problemas só se multiplicam. A série de coincidências que preenchem seu cotidiano denotam o esquematismo do roteiro e chegam a irritar, mas se não fosse assim talvez o filme não seria viável. Após sofrer um grave acidente de carro no qual seu namorado faleceu e ela perdeu temporariamente a mobilidade das pernas, agora a jovem tem que se adequar a uma nova realidade, mas ao mesmo tempo enfrentar fantasmas do passado. Literalmente! 

Criada por uma tia já falecida, Jessie, como gosta de ser chamada, agora sozinha e dependente de uma cadeira de rodas é obrigada a voltar a morar com Leon (David Andrews), seu pai alcóolatra com quem não tem contato há anos. A mudança forçada e o abalo do acidente fazem com que a moça passe noites em claro e tenha estranhas visões, mas tudo piora quando encontra uma caixa com fitas de vídeo gravadas no final da década de 1980 por sua mãe durante a gravidez. Kate (Joelle Carter) na época havia descoberto tumores cerebrais e fez as gravações para deixar como lembranças para a filha que temia não vir a conhecer. De fato, a convivência entre elas durou pouquíssimo tempo, mas como mãe é mãe Jessie se emociona e é instigada a ver gravação por gravação, porém, com um objetivo a mais. Apreciadora do tarô e adepta de uma religião ligada ao vodu, sabe-se lá o porquê, mas Kate teve a infeliz ideia de ler a sorte da garota que ainda estava em seu ventre e como quem procura acha viu um futuro horrível para Jessabelle que se espanta com as reações descontroladas do pai ao flagrá-la assistindo aos vídeos. A moça então entra numa paranoia de que está sendo assombrada por um espírito, alguém que sua mãe previu nas cartas e que afirma que quer a garota fora da casa da família. Fica na sua cabeça a premonição de que uma morte bastante trágica aconteceria no local e para ajudá-la a segurar a barra ressurge em bom momento Preston (Mark Webber), um amigo de infância e óbvio interesse amoroso da jovem que também acabará de certa forma envolvido na trama sobrenatural. Por esse breve resumo já dá para ver que o roteirista Robert Ben Garant provavelmente é um grande apreciador de horror e suspense e quis unir em uma mesma trama o máximo possível de referências. 


À primeira vista tudo parece no lugar, mas quando paramos para refletir fica latente a sensação de que as situações foram meio que cuspidas na tela sem preocupação com o desenvolvimento do texto, embora os primeiros minutos prometiam algo diferenciado. O acidente de carro é apresentado de forma relâmpago e sem rodeios o roteiro vai direto ao ponto. O tal espírito já dá sinais rapidamente e a revelação de seu nome, o mesmo da protagonista, deixa claro que a volta da garota para a casa onde nasceu não é mero acaso. O problema é que depois começam uma sucessão de clichês e erros, a começar pela falta de aprofundamento dos personagens e situações. Jessabelle vivencia uma mescla de drama e pesadelo com as sucessões de infortúnios que lhe acometem, porém, a personagem perde força com a fraca interpretação de Snook que não consegue expressar emoções e tampouco despertar simpatia. Aconteça o que acontecer suas reações são apáticas, está sempre se colocando em situações inerentes de risco, além do fato de que para alguém com problemas de locomoção até que a moça tem bastante desenvoltura. Como é o centro das atenções, o longa como um todo é prejudicado. Os demais personagens também ganham um tratamento tão raso quanto um pires. O perturbado perfil de Leon é desperdiçado, Preston é quase como um capacho de seu amor do passado e tem uma cuidadora da protagonista que em nada acrescenta à trama. Cortar suas cenas na sala de edição teria sido uma boa.

A falta de traquejo para alinhavar as situações não se restringe apenas ao roteiro, mas também a direção de Kevin Greutert, responsável pelos capítulos 6 e 7 da franquia Jogos Mortais. A julgar por estes filmes, dá para sacar que o cineasta sabe bolar situações, mas simplesmente as joga na tela minimamente interligadas, porém, lidava com produções cujo público-alvo teoricamente tem interesse por violência gráfica. Seu trabalho seguinte já seria dependente de uma história mais consistente. Nesta sua inclusão pelo mundo sobrenatural é perceptível um apuro técnico e artístico superiores, mas nada que classifique seus esforços como algo a mais que mediano. Como já dito, Jessabele – O Passado Nunca Morre é um caldeirão de referências a outros títulos e, desculpe o trocadilho, só faltou mesmo um caldeirão de feitiçaria adicionado à trama. A magia é inserida através da citação do vodu, rituais já bastante estigmatizados de forma negativa e que aqui só encontram reforços para tal imagem. Os adeptos parecem possuídos por forças demoníacas e as oferendas e sinais da cruz com sal e sangue enfatizam a maledicência do culto. Pela temática e o cenário principal ser um casarão isolado e mal iluminado numa região pantanosa da Louisiana é fácil se lembrar do suspense A Chave Mestra, assim como o gancho envolvendo a alma penada parece uma compilação dos remakes de fitas de terror orientais como O Chamado e O Grito, como é perceptível em uma cena em que a protagonista está tomando banho e quando a entidade deixa explícito seu interesse por Preston. 


Como de praxe, a justiça além do túmulo se faz presente e a mocinha em perigo passa a bancar a detetive pondo em risco também a vida de outros com quem convive. O longa também pega carona na moda do "found footage", o uso de imagens de vídeos caseiros supostamente reais. Não por acaso os produtores são os mesmos da franquia Atividade Paranormal que se sustenta em cima desta balela. Buscar inspiração em outros filmes não é exatamente o problema. A questão é que o roteiro não consegue conectar tantas referências de modo satisfatório e vai ficando desinteressante à medida que tenta explicar os pormenores quase de forma didática deixando de lado a construção do clima de suspense. Ao final fica aquela sensação estranha do comeu e não gostou, ou melhor, neste caso troca-se o verbo pelo assistiu. Você se entretém durante a exibição, mas depois fica o gosto amargo da decepção afinal o argumento poderia render muito mais. O que você faria se assombrasse a si mesmo? A pergunta é complexa, mas o filme a reduz a pó.

Terror - 90 min - 2014

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