segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

CORAÇÃO DE TINTA - O LIVRO MÁGICO


Nota 5 Tentativa de manter aceso o interesse pelo universo literário fantástico, aventura fracassou


Explorar os limites da fantasia e da imaginação é um dos principais objetivos do cinema e Hollywood sempre apostou na mistura de aventura e magia para lucrar alto. Os primeiros anos do século 21 foram marcados pela febre dessa vertente com o sucesso de franquias como As Crônicas de Nárnia. Pequenas produtoras e até outros países também embarcaram na onda de histórias sobre bruxos, fadas, duendes e companhia bela, geralmente adaptações de livros infanto-juvenis de sucesso. Todos os produtores gostariam de ter ao menos um material do tipo em mãos a fim de deter os direitos de uma série com público cativo, o que justifica os lançamentos de várias pequenas produções, contudo, nem sempre a fórmula mágica funciona como prova Coração de Tinta - O Livro Mágico. Baseado na obra homônima da romancista alemã Cornelia Funke, o longa conta com um elenco invejável, efeitos especiais de primeira e direção de arte de encher os olhos. A trama também deve ser boa. Isso mesmo. Deve ser, pois no livro o enredo pode funcionar as mil maravilhas, mas a versão cinematográfica deixa muito a desejar graças a fraca direção de Iain Softley que parece disparar para todos os lados tentando acertar em um alvo que ele próprio desconhece. Acostumado a experimentar gêneros variados, no campo da fantasia ele não teve muita sorte. 

Projetado para ser uma trilogia, o que acabou não acontecendo devido a baixa arrecadação nas bilheterias, o filme conta a história do restaurador de livros Mo Folchart (Brendan Fraser), um pai solteiro que viaja com a filha Meggie (Eliza Bennett) para visitar diversas livrarias obscuras procurando algo em especial. A mãe da garota sumiu misteriosamente e desde então a pequena sonha com a vida de aventuras e descobertas que encontra em suas leituras e seu desejo de fato será realizado. A menina não sabe que seu pai esconde um grande segredo: ele tem o dom de trazer os personagens ou qualquer outro elemento presente nos livros diretamente para a vida real simplesmente lendo alguns trechos em voz alta. Contudo, para cada item que salta das páginas um outro da realidade deve substituí-lo, o que justifica o sumiço da esposa do restaurador. É justamente uma nova edição do livro homônimo ao filme que Folchart busca de livraria em livraria a fim de resgatar sua mulher, mas antes que Maggie descubra mais detalhes sobre essa história as coisas se complicam com a aparição do vilão Capricórnio (Andy Serkis) que surge diretamente da tal sumida publicação para raptar a garota e forçar o restaurador a fazer uso de seu dom mágico para colocar em prática planos maléficos. 


Essa premissa bem interessante acaba sendo distorcida devido ao excesso de coadjuvantes que mais servem para confundir ou encher linguiça. Entre eles está o próprio autor do tal livro mágico, o excêntrico Fenoglio (Jim Broadbent), que parece um lunático deslumbrado com suas criações, e Dedo Empoeirado (Paul Bettany), um homem com habilidades para manusear o fogo e que está tentando voltar para seu mundo paralelo. O Sombra, outro personagem que pouco ou nada acrescenta à trama, é uma criatura totalmente digital que deve impressionar pelo seu visual. Por fim, ainda temos Elinor Loredan (Helen Mirren), uma senhora colecionadora e apaixonada por livros raros. Pelo visto elenco de peso não é o problema da obra, embora o protagonismo de Fraser não inspire boas referências. Já bastante íntimo do público infanto-juvenil por trabalhos como A Múmia e suas continuações, o ator não raramente mostra-se limitado e suas interpretações são marcadas por expressões de cinismo e autoconfiança exagerada, afinal ele sempre é alçado ao posto de herói. Aqui não é diferente, até porque a própria autora do livro confessou ter se inspirado no ator para criar o perfil de Folchart. O personagem, portanto, não poderia cair nas mãos de outro e Fraser mostra-se à vontade e se divertindo mais uma vez na pele de um pobre coitado metido com situações que vão além da imaginação, ainda que a direção de Softley não proporcione toda a magia e encanto prometidos. Ainda bem que o cineasta não caiu na armadilha de transformar o longa em uma comédia tola acerca da adaptação de personagens pertencentes a outros universos e tempos à novas realidades e espaços, um viés constantemente abordado em filmes para toda a família e não raramente com resultados constrangedores.

É difícil tentar encontrar por onde elogiar uma obra que claramente foi produzida com esmero, capricho e grandes pretensões, mas que apesar de todos os esforços deu com os burros n’água. Um visual arrebatador, colorido, criativo e repleto de efeitos especiais não segura as pontas. É preciso ter uma boa história a ser contada, contudo o roteirista David Lindsay-Abaire desperdiçou um bom argumento criando uma narrativa que dispersa facilmente a atenção. Depois de uma introdução interessante explorando o campo do suspense, nos deparamos com uma trama apressada e repleta de incoerências que só deve agradar a crianças bem pequenas que se encantarão pela profusão de belas imagens e estão pouco se lixando para os rumos do roteiro, embora algumas cenas sejam um tanto sombrias e possam assustá-las. Tedioso e superficial, Coração de Tinta - O Livro Mágico, tem como único mérito relevante o fato de ser adaptado de uma obra literária, o que pode incentivar a prática da leitura, por menor que seja o número de interessados. Se ler é uma maneira de levar as pessoas aos mais variados e fantásticos destinos, além de proporcionar descobertas inimagináveis, aqui temos a materialização destas ideias literalmente. 


Na época deste lançamento a relação do cinema com o universo literário fantástico já demonstrava claros sinais de saturação, algo já perceptível pela fria recepção de filmes como A Bússola de Ouro e Eragon, produções também idealizadas para serem franquias de sucesso, mas que sucumbiram já no primeiro lançamento. Nem mesmo o livro de Funke conseguiu se beneficiar com o filme. O que se vê na tela não justifica o porquê de a obra ter sido traduzida para quase quarenta idiomas. Seja pela direção perdida, ou megalomaníaca em alguns momentos, ou ainda a edição que imprimiu um ritmo lento ao que deveria ser uma aventura, o fato é que a decepção é inevitável e o espectador desde o início cria certo distanciamento do universo mágico proposto. O potencial do argumento era imenso e com várias possibilidades de dar asas à imaginação, mas faltou emoção e razões genuínas para moverem o filme que parece ter sido realizado apenas com o propósito de preencher a lacuna na época deixada pelo fim das franquias de Harry Potter e O Senhor dos Anéis. Nem de longe conseguiu tal feito.

Aventura - 106 min - 2008 

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Um comentário:

Luís disse...

Eu conferi esse filme no cinema e devo dizer que eu não tenho uma boa memória dele, apesar de, à época, ter me agrado. Revi algum tempo depois e concluí que ele é mesmo meio exagerado, por muitos motivos do quais você falou: excesso de personagens coadjuvantes além de um tom estranho, ora beirando a fantasia, ora a comédia, não sei bem dizer. E o final é bastante histriônico também, mas é de um exagero que saiu às avessas e mais incomoda do que entretém.

Bom texto.
;)