quinta-feira, 4 de março de 2021

PEQUENO DEMÔNIO


Nota 7 Parodiando clássico de terror, longa faz humor com maturidade e sem escrachos

A Netflix não quer ser apenas a maior exibidora de filmes via streaming. Também quer ser reconhecida como uma grande produtora de conteúdo audiovisual e desde que causou frisson com Beasts of no Nation, que curiosamente não teve seu título traduzido para o português, a empresa entrou de cabeça na indústria cinematográfica e já conta com um respeitável catálogo. Bem, pelo menos em termos de quantidade. Há quem diga que a produtora investe em roteiros que parecem ter sido rejeitados para cinema e até mesmo como telefilmes. Como em qualquer outra companhia do ramo, existem bastante títulos esquecíveis, mas garimpando podem ser achadas boas surpresas como a comédia Pequeno Demônio que bebe diretamente na fonte do clássico A Profecia (o original da década de 1970 já que o remake é uma piada pronta). O boa-praça corretor de imóveis Gary (Adam Scott) casou-se recentemente com Samantha (Evangeline Lilly) e na bagagem da esposa veio a tira-colo o filho dela, o pequeno Lucas (Owen Douglas). Por mais que se esforce o padrasto não consegue se aproximar do enteado que vive imerso na solidão. Contudo, não demora muito para o rapaz perceber que o melhor a fazer é manter distância do menino.

Coisas estranhas começam a acontecer, se já não fosse bastante suspeito o  fato de o moleque ter como brinquedo preferido um fantoche na forma de um bode chifrudo. Gary então passa a suspeitar que o garoto está envolto a algum segredo sombrio e há quem o queira convencer que o guri é a própria encarnação do anticristo em carne e osso. Com a ajuda da masculinizada colega de trabalho Al (Bridget Everett), o padrasto começa a investigar mais a fundo a história de Lucas desde o seu nascimento. É aí que as peças se encaixam e o corretor descobre o porquê de nos tempos do namoro a companheira ter evitado ao máximo o contato entre os dois homens de sua vida. Ajudando a amarrar a trama, várias referências a outros títulos de horror podem aguçar a curiosidade dos espectadores e deixar o programa mais divertido, como a aparição de sinistras gêmeas evocando O Iluminado e a televisão fora do ar que ecoa vozes em lembrança à Poltergeist. Em homenagem menos explícita, até It - A Coisa é citado em uma hilária sequência durante uma festa de aniversário.

Dirigido e roteirizado por Eli Craig, fica clara sua admiração pelo trabalho de Edgar Wright ao tentar, além de evocar cenas icônicas do clássico A Profecia, reproduzir detalhes técnicos de sua obra como zooms lentos de câmera e iluminação baixa, principalmente ao focalizar o ator-mirim, e cortes abruptos em momentos importantes ou inesperados para realizar transições de cenas, tudo a favor da narrativa. Se apropriar de um estilo alheio poderia resultar em algo forçado ou sem personalidade, mas o cineasta faz uso de tais referências com inteligência somente quando julga apropriadas. Assim, o interesse da obra vai além de suas homenagens ao gênero e felizmente segue um caminho completamente diferente do escracho oferecido por Todo Mundo em Pânico que, embora tenha uma espinha dorsal que une os roteiros de dois longas de terror famosíssimos, atira para tudo quanto é lado em busca de riso fácil.

Apesar de parecer juvenil e genérico, uma das maiores qualidades de Pequeno Demônio é sua maturidade apostando em um humor não tão óbvio e cheio de perversidade. Muitas das piadas são visuais, mas sem apelações, apostando em simbologias ou acontecimentos que evidenciam a má índole de Lucas, como quando Gary assiste embasbacado o vídeo do aniversário do enteado com o moleque com o cabelo intacto sendo que um verdadeiro vendaval detona a festa por detrás dele. Contudo, a obra peca ao não escolher se deseja mostrar o menino como um demônio real ou se tudo o que vemos de sobrenatural o envolvendo não passam de ilusões do ponto de vista do padrasto influenciado por fofocas ou uma espécie de reação involuntária a rejeição que sofre por conta do enteado, afinal ele veio para ocupar o lugar do pai de Lucas e dividir o amor de Samantha.

Conflitos entre padrastos e enteados são comuns, mas obviamente dissertar sobre o tema não é o plano de uma comédia do tipo. Contudo, em seu ato final, ao optar em reforçar o empenho de Lucas em se entender com o garoto a ponto de arriscar sua própria vida para salvá-lo, o humor negro abre espaço para o sentimentalismo, mas nada que desabone o filme que cumpre seu papel de diversão escapista e sem maiores pretensões. Apesar de tantas situações conflituosas, o longa consegue criar um interessante clima entre pai e filho graças as boas atuações do pequeno Douglas, soturno como o papel exige, e a de Scott, muito carismático e desde a cena inicial nos colocando a torcer a seu favor. Ah, e não se pode deixar de elogiar o trabalho de Everett cujo personagem tinha tudo para cair no caricato, mas a atriz o defende com seriedade e o público o encara com total naturalidade.


Comédia - 95 min - 2017

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