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NOTA 7,0 Resgatando o espírito dos filmes B, longa tem raízes no terror, a fobia por animais repugnantes, mas encontra o tom no humor despojado e proposital |
Sucessos no passado e com público
cativo, produções protagonizadas por animais modificados geneticamente e com
instinto assassino aflorado nunca deixaram de ser feitas, simplesmente foram
acolhidas pelas videolocadoras e canais de TV. Salas de cinema dificilmente
abrem espaços para fitas do tipo, mas Malditas Aranhas!,
do então estreante diretor neozelandês Ellory Elkayem, conseguiu quebrar essa
barreira, ainda que timidamente. Não importa, o pouco espaço que conquistou foi
o bastante para ganhar publicidade com matérias em jornais, revistas e sites
destacando a importância do resgate dos filmes trash, aquelas produções
assumidamente toscas e geralmente ligadas aos gêneros de terror e ficção
científica que marcaram a década de 1950. Alguns anos mais tarde, com o
surgimento dos videoclubes, o subgênero foi resgatado lançando novas pérolas
cujo baixo orçamento não é problema, pelo contrário, geralmente é um fator
essencial para tirar uma ideia do papel. O pontapé para esta produção que leva
a assinatura da dupla Dean Devlin Roland Emmerich, respectivamente produtor e
diretor de filmes como Independence Day e
o Godzilla de 1998, que apesar da
avalanche de efeitos especiais tem a essência dos filmes B em seus DNA, surgiu
quando eles assistiram ao primeiro curta de Elkayem sobre uma aranha que cresce
desenfreadamente quando exposta a substâncias tóxicas e aterroriza uma dona de
casa. Filmado em preto e branco, sua homenagem ao estilo foi seu cartão de
visitas para assumir o comando de uma superprodução em Hollywood. Bem, quase
isso. É certo que tinha em mãos uma grana razoável, mas o lance era
propositalmente atingir resultados imperfeitos, principalmente quanto ao uso da
computação gráfica. Também não havia preocupação em apresentar um roteiro
redondinho, tampouco personagens com profundidade. No clima de paródia, a
grande questão era recriar a ambientação e as situações tragicômicas que
agitavam as antigas matinês. Ponto para Elkayem que divide os créditos do texto
com Randy Kornfield e Jesse Alexander.
A pequena e pacata cidade de
Prosperity (Prosperidade? Olha o sarcasmo), no interior do Arizona, tem suas
águas contaminadas quando um tonel contendo lixo tóxico e radioativo cai
acidentalmente de um caminhão. A poucos metros do lago, o aloprado cientista
Joshua Taft (Tom Noonan) mantém em cativeiro uma coleção de aranhas das mais
variadas espécies e as alimenta com insetos que caça justamente na região
contaminada. De uma hora para a outra seus aracnídeos parecem ganhar certo grau
de inteligência e conseguem escapar dos expositores e, pior ainda, começam a
aumentar de tamanho e desenvolver um instinto assassino incomum. Em seus
ataques, elas aprisionam as vítimas em uma espécie de casulo que tecem com suas
teias. Detalhe, só os machos fazem isso na tentativa de conquistar as fêmeas
oferecendo alimento vivo. Quando os habitantes percebem a infestação das
aranhas, uma força-tarefa comandada por Chris McCormack (David Arquette), o
herdeiro de uma mina abandonada, e pela xerife Sam Parker (Kari Wuhrer) se mobiliza
para que a população não seja dizimada. Retornando após dez anos, salvar a
cidade para o rapaz é muito mais que um exercício de cidadania, mas uma maneira
de fazer com sua parceira nessa batalha, seu grande amor desde a juventude,
passe a enxergá-lo como um homem de coragem e de valor. Todavia, são
personagens estereotipadas. O cara é um canastrão, um franzino metido a herói
que faz caras e bocas e fica devendo em ação, enquanto a xerife tem fama de
durona, criou os filhos sozinha, mas no fundo sente falta de um companheiro. O
perfil mais inteligente fica por conta do filho caçula dela, o garoto Mike
(Scorr Terra), um nerdizinho que manja tudo sobre aracnídeos e faz contraponto
a idiotice da irmã mais velha, Ashley (Scarlett Johansson), que tudo o que sabe
fazer é dar berros de desespero. A cena em que uma gigantesca tarântula tenta
atacá-la em seu quarto é de chorar de rir. Simplesmente a garota fica imóvel,
não esboça reação alguma, só fica gritando sem parar. A dúvida é a seguinte: a atriz
é que era crua demais e não soube se virar ou faltou um diretor para
orientá-la? Na pior das hipóteses o melhor é acreditar que a regra era quanto
pior as coisas saírem melhor será para o filme.
A aparente semelhança com Aracnofobia na realidade é enganosa. A
fita tem mais a ver com o espírito embutido em O Ataque dos Vermes Malditos, mas apesar dos esforços da equipe de
produção em fazer algo bacana de tão ruim, no conjunto o longa ainda fica a
dever para chegar a ser um trash movie legítimo. Estão lá as interpretações
caricaturais, os erros de continuidade, as cenas nojentas, os diálogos
risíveis, a burrice dos humanos contra a esperteza dos mutantes, mas ainda
assim a fita é bem editada, sonorizada e fotografada, qualidades que cortam o
barato da sessão-lixo. Até os efeitos digitais, se não são lá grande coisa,
também não comprometem. Perceptível o trabalho da equipe em fazer algo ruim com
perfeição, uma contradição justificável em tempos de tecnologia de ponta para
ajudar no pós-produção. Entretanto, o grande charme dos filmes B era justamente
usar a criatividade para realizar trucagens caseiras para driblar os problemas
financeiros. Elkayem também abre espaço para críticas, ainda que leves, a
respeito dos maus tratos ao ecossistema e desvalorização da vida humana. O personagem Harlan (Doug E. Doug), um
paranóico locutor de rádio pirata, há tempos alertava a população sobre os
riscos de experiências químicas e genéticas realizadas pelo governo americano
em regiões mais isoladas, sem preocupação alguma com os efeitos nocivos que
poderiam acometer a flora e fauna local e até mesmo os poucos habitantes.
Contudo, são lampejos de inteligência em meio a toda algazarra que força os
sobreviventes a se refugiarem dentro de um shopping center, ecos de O Dia dos Mortos, outro grande exemplar
da linha trash, mas com zumbis. Malditas Aranhas! não
se leva a sério e a busca pela incoerência é seu maior triunfo aliado ao
exagero. Melhor assim. Poderia ser uma tragédia se fosse levado a sério por
seus realizadores. O importante é o espectador entrar no clima da brincadeira. Sobra
obviamente até uma piadinha para o Homem-Aranha. Massacrados por seus citados
filmes arrasa-quarteirões, que embora tenham rendido muito dinheiro até hoje
geram comentários infames, Devlin e Emmerich realizaram o filme dos seus
sonhos: podreira, divertido e visivelmente sem o peso da incumbência de faturar
alto.
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