![]() |
NOTA 6,0 Ícones das comédias no passado, protagonistas tentam achar espaço em meio ao mundo moderno na ficção e na realidade |
Conflitos entre gerações são boas
matérias-primas para filmes e quando usadas no campo de humor costumam gerar
ótimas produções familiares. Bem, a visão otimista fica por conta do
público-alvo que gosta justamente de rever piadas e situações, mas é sempre bom
lembrar que o que é previsível para os mais velhos pode ser uma grande novidade
para as crianças que ainda estão em contato com suas primeiras experiências
cinematográficas e se familiarizando com os clichês. Uns quatro ou cinco filmes
de temática semelhante e provavelmente eles já conseguirão narrar um longa
baseando-se em uma breve sinopse sem necessariamente precisar assistir.
Contudo, se produções do tipo ainda são realizadas é porque existe público e,
diga-se de passagem, um filme-pipoca bobinho e sem um pingo de apelação às
vezes faz uma falta danada. Para assistir com os pais ou os avós, e ninguém
chegar ao fim constrangido, uma boa opção é Uma Família em Apuros,
fortíssimo candidato a futuro clássico da “Sessão da Tarde”. A trama escrita
por Lisa Addario e Joe Syracuse reúne dois grandes astros do humor de um passado
não muito distante, mas parece que Billy Crystal e Bette Midler estão tendo
dificuldades para encontrar espaço no cinema contemporâneo e é justamente essa
adaptação à modernidade o ponto principal do enredo e que eleva esta comédia de
patamar. Os veteranos astros dão vida a Artie e Diane Decker, um casal
pré-terceira idade que apesar de muita disposição percebe na marra que estão
desatualizados, praticamente peças de museu para os tempos atuais. Ele dedicou
a sua vida a narrações esportivas, mas inesperadamente foi demitido com a
justificativa de que seu estilo de trabalho, piadas e linguajar não condizem
mais com a realidade, o que reflete diretamente em sua popularidade nas redes
sociais. Hoje o talento pouco importa, o que vale é a quantidade de curtidas no
Facebook. Sempre muito amável, sua
esposa tenta consolá-lo e uma proposta inesperada cai dos céus para animar os
dois: cuidar dos três netos por uma semana. Bem, na realidade a vovó se mostra
muito mais entusiasmada, ainda que saiba que eles foram a segunda opção após a
recusa dos avós paternos. Como ela mesma diz, a filha não mantém nem mesmo
fotos dos pais em cima da lareira, apenas dos sogros felizes com os
netinhos.
O casal tem uma única filha,
Alice (Marisa Tomei), que deseja acompanhar o marido Phil (Tom Everett Scott)
em uma viagem de trabalho. O problema é que a distância geográfica acabou
formando um abismo emocional e de convivência entre avós e netos, estes que
crescem superprotegidos pelos pais adeptos de tecnologia para segurança e conforto,
alimentação saudável e educação rigidamente moldada sob aspectos politicamente
corretos e de conceitos pedagógicos modernos. A palavra “não” é ao máximo
evitada, dando lugar a frase “vamos discutir suas opções”, uma forma de não
limitar ou traumatizar as crianças que já são bastante problemáticas. Harper
(Bailee Madison), a neta mais velha, está pressionada a se dedicar ao máximo
para passar em uma audição de violino. O do meio, Turner (Joshua Rush), é
frustrado na escola e com isso acabou desenvolvendo uma gagueira. Por fim,
Barker (Kyle Harrison Breitkopf), o caçula que apelidou o avô de “punzão”, é
hiperativo e interage com um amigo imaginário. Obviamente, os pais não enxergam
os problemas dos filhos e passam uma série de recomendações aos avós que até
tentam seguir a risca, mas as coisas desandam e logo a gurizada está trocando
iogurte natural pelo sorvete e na TV os filmes de terror passam a reinar. Na
realidade, é Artie quem perde a mão ao se distrair. Só depois de muitos anos
ele descobriu que Alice trabalha para um famoso canal esportivo e ao ter acesso
a emails sobre um concurso de locutores perde o foco nos netos e pensa em
tentar voltar ao trabalho. Pelo título nacional, o longa pode parecer puro
besteirol, mas para compensar o humor pouco criativo o diretor Andy Fickman,
dos divertidos Ela é o Cara e Você de Novo, adiciona uma crítica aos
tempos modernos, mais especificamente aos modismos que estão interferindo
diretamente na educação de crianças e adolescentes. Sem punições, mas também pouca
diversão significativa, os filhos estão sendo criados como robôs a serviço dos
pais, estes que precisando se dividir entre o trabalho e a casa acreditam que
ocupando os guris com atividades extracurriculares e presentes, que agreguem
algo as suas vidas evidentemente, estão suprindo suas ausências com qualidade,
as vezes até tentando realizar com os filhos os sonhos que não puderam. Os avós
então decidem ensiná-los o que é ser criança de verdade de forma um pouco
chocante... Para os pais!
É interessante notar que a
crítica às novas formas de educação, que acabam ajudando no amadurecimento
precoce das crianças e porque não a formar os adultos depressivos e neuróticos
do futuro, não ficam restritas ao ambiente familiar, mas se estendem à escola.
A professora de música de Harper é um tanto rígida e agressiva, cobrando demais
de seres humanos que ainda não compreendem totalmente o sentido da palavra
responsabilidade. A fonoaudióloga de Turner quer curar sua gagueira com um
método pouco convencional baseado em mímicas para não traumatizar. Já o pequeno
Barker joga em um time de beisebol infantil onde não há ganhadores ou
perdedores, apenas empates para não expor ninguém a decepção e tampouco
incentivar a superioridade. Que seres humanos serão esses mais adiante sem
vivenciar plenamente experiências de vitória e frustrações? Crystal, também
produtor da fita, é quem teve a ideia do argumento a partir de experiências
próprias. Ele também precisou cuidar das netas por uma semana e sua filha lhe
entregou um manual de instruções, um caderno com tudo que ele poderia fazer e
reprovar e até as respostas para serem dadas a determinados questionamentos e
situações. Com muita propriedade para lidar com o assunto, é natural que o ator
tenha maior participação no longa, até porque o personagem tem mais
dramaticidade por conta da aposentadoria forçada, mas ele, Midler e as crianças
tiveram liberdade total para improvisar, deixar o mais natural possível o
diálogo entre gerações tão distintas e que com o passar dos anos parece mais distante,
ainda que hoje em dia as pessoas de meia e terceira idade estejam correndo
atrás das atualizações e da manutenção da vitalidade, não por só por questão de
vaidade, mas principalmente por saúde física e mental. Além do texto em tom de
bate-papo informal, conversa caseira mesmo, teve até espaço para a vovó Diane
cantar, cena que não estava no script, mas adicionada para aproveitar os dotes
vocais de sua intérprete. Após muitas discussões, não é surpresa alguma que
todos irão perceber que as pessoas devem ser aceitas com suas qualidades e
defeitos ao término de Uma Família em Apuros. O equilíbrio
enfim chegará e os avós e os pais tirarão lições importantes deste convívio em
um mundo onde o excesso de possibilidades acaba suplantando os ingredientes essenciais
entre as relações humanas: amor e respeito. Mesmo com toda a previsibilidade e
repetição de piadas, o conjunto funciona principalmente se você pensar nesta
produção como uma justa homenagem aos protagonistas e ao próprio gênero no qual
eles colheram tantos frutos nos anos 80. Quem conseguir ainda refletir sobre os
prós e os contra da educação moderna, o excesso de tecnologia no cotidiano e a
consideração aos mais velhos e suas adequações aos novos tempos, certamente
este filme não se resumirá a um simples passatempo, podendo se tornar uma
ferramenta para pais e professores trabalharem tais questões com os mais novos.
Comédia - 104 min - 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário