quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A PIRÂMIDE


Nota 1 Apesar do tema rico em possibilidades, longa tem trama tediosa e efeitos especiais precários


A mitologia egípcia é uma riquíssima fonte de inspiração para o cinema desde que ele era em preto-e-branco e sem som. A Múmia com Boris Karloff é um clássico absoluto do gênero de terror enquanto a fita homônima estrelada por Brendan Fraser aos pés da virada do milênio procurou adaptar o universo fúnebre ao campo da aventura com bastante sucesso. Já a caça de Tom Cruise à criatura em 2017 revelou ser um projeto mal lapidado e com pressa de faturar. Outros símbolos da cultura do Egito também instigam a imaginação de cineastas, entre eles obviamente as pirâmides que até hoje intrigam como foram construídas em tempos tão remotos, mas mesmo assim com formas tão perfeitas e arrojadas. Se por fora impactam pelo design e tamanho, por dentro dão arrepios com sua atmosfera claustrofóbica e sensação de que em todos os cantos podem surgir surpresas, belas ou assustadoras. Os desenhos e inscrições nas paredes, além dos objetos e adornos das salas, colaboram para a mescla de fascínio e tensão. Pena que tal cenário é tão mal explorado pelo cinema, geralmente servindo de palco para histórias tolas em produções obscuras. A Pirâmide poderia fugir desse rótulo, mas infelizmente as escolhas do diretor francês Grégory Lavasseur não foram das melhores. 

Tendo em mãos o enredo feito pela dupla Daniel Meersand e Nick Simon, parece que Lavasseur não teve muita noção de onde estava colocando os pés, alternando a produção entre um mockumentary (falso documentário) e um found footage (compilação de cenas supostamente reais). O resultado é um trabalho tedioso e extremamente escuro que dispersa a atenção logo nos primeiros minutos desperdiçando o intrigante argumento (fictício, fique claro) da descoberta de uma pirâmide com base de três lados, quando tais monumentos são quadriláteros em seu alicerce. A construção foi encontrada no Cairo, capital do Egito, e sua descoberta colocaria em xeque praticamente tudo que a arqueologia sustentava como verdades até então. Uma equipe de pesquisadores liderados pelo Dr. Miles Holden (Denis O'Hare) e sua filha Nora (Ashley Hinshaw) visita o local para investigar o interior do monumento. O grupo inclui também a ambiciosa documentarista Sunni (Christa Nicola) e o cinegrafista Fitzie (James Buckley). Quando finalmente acham uma entrada para a construção o governo suspende a expedição por conta dos violentos manifestos populares locais, mas Nora insiste que uma descoberta como essas não pode ser simplesmente esquecida e solicita ajuda da NASA para que enviem uma sonda que possa rastrear o interior (que viagem!). 


Operado a distância pelo excêntrico Zahir (Amir K.), um especialista em cultura egípcia e fascinado por tecnologia, contudo, o equipamento (batizado de Shorty) mal é colocado em ação e a comunicação é suspensa sem mais nem menos. Por ser um aparato caríssimo, Nora e a equipe decidem entrar na pirâmide para recuperá-lo, mas encontram apenas destroços. A desculpa era o que queriam para bisbilhotar o interior do colosso, mas como manda a cartilha do estilo quando tentam sair se veem presos em um sufocante labirinto. Cada passo da tentativa de fuga é registrado em vídeo, não escapando as estranhas situações vivenciadas pela equipe que passa a cair em armadilhas e a ser atacada por alguma coisa que não conseguem identificar. Embora com muitas cenas com aspecto amador, apresentadas como se fossem uma compilação das próprias gravações da expedição, o filme não é um found footage legítimo. Há uma mescla de narrativa convencional com algumas cenas em primeira pessoa, filmagem noturna e Lavasseur também experimenta algumas poucas trucagens de câmera. A direção de arte é o que chama mais a atenção por conta das arapucas. Paredes que se movimentam e estreitam passagens, tetos e pisos que se desfazem em areia, objetos pontiagudos estrategicamente posicionados, tudo isso traz ao longa certo quê de aventuras do Indiana Jones, mas as semelhanças são restritas ao visual. 

Lavasseur é um experiente roteirista de horror, tendo escrito Viagem Maldita e Espelhos do Medo, ambos dirigidos por Alexandre Aja, seu amigo de longa data que aqui retribui a parceria assinando como produtor, contudo, os efeitos especiais não estão a altura de um filme de seu estilo. Especialista em trucagens mais caseiras, a atmosfera naturalmente intrigante e claustrofóbica do interior de uma pirâmide seria perfeita para usar e abusar de efeitos mecânicos, mas Aja deve ter orientado seu pupilo a ser comedido. O que temos na maioria das sequências é a câmera tremida e o áudio estridente e quando entra em cena a computação gráfica o nível de tensão que já estava um tanto negativo despenca totalmente abrindo espaço para risos involuntários. As criaturas digitais desenvolvidas destroçam a produção, entre elas a aparição do lendário deus Anúbis conhecido por conduzir os desencarnados pelo submundo. Ao invés de apresentá-lo por completo era melhor terem optado por mostrá-lo através de sombras, imagens de relance ou simplesmente sugestionar sua presença. Qualquer uma dessas hipóteses seria menos constrangedora. 


Lavasseur poderia seguir um estilo mais próximo de Abismo do Medo ou Santuário, que embora não sejam grandes coisas são bem superiores, mas o que foi entregue é uma produção que implora pelo rótulo de filme trash. O diretor não soube tirar proveito da atmosfera e tampouco da mitologia egípcia que é tão rica, além de ter se contentado com o amadorismo do elenco. Não há nenhum personagem interessante e que nos faça acompanhar a história com algum entusiasmo torcendo para que sobreviva. Todos, sem exceção, são superficiais e poderiam ser tragados pela areia. Falando nisso, e quanto as mortes? Quem busca um filme do tipo quer ver o pessoal empacotar com estilo, mas talvez por conta de um orçamento apertado as sequências são simplórias e economizam no sangue. Em suma, A Pirâmide deixa a desejar em todos os sentidos. E assim continuamos na expectativa de um filme que faça jus a todo mistério e fascínio que cerca o Egito. Mesmo criticado aos montes e com o excesso de fantasia, A Múmia de 1999 ainda é o título que melhor representa o país.

Suspense - 89 min - 2014

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