Nota 7 Obra traz um farto cardápio de tramas românticas, mas peca ao abordá-las superficialmente
Há títulos que podem jogar por água abaixo as chances de um bom filme encontrar seu público. Banquete do Amor vende aquela ideia básica de histórias românticas que nasceram envoltas ao mundo gastronômico, mas esta não é das opções mais adocicadas, preferindo salientar o paladar agridoce das relações amorosas. Todavia, a tradução literal do título original não deixa de ser correta. Aqui temos uma cafeteria onde boa parte dos personagens transita e as várias tramas paralelas desenvolvidas lembram a um farto cardápio. Temos o amor não correspondido, uma relação homossexual, a famosa paixão a primeira vista, os encontros extraconjugais, o casamento relâmpago e a transformação do sentimento perante uma tragédia. Baseado no romance homônimo de Charles Baxter, a trama escrita por Allison Burnett serve um prato farto em clichês, mas acompanhado de um molho que dá um toque especial ao conjunto. A leveza e naturalidade do texto e das interpretações fazem toda a diferença. As várias histórias vão se ligando por conta do próprio destino, mas Harry Stevenson (Morgan Freeman) está sempre a postos para dar aquela mãozinha como uma espécie de conselheiro ou anjo da guarda. Professor de filosofia, há meses ele está afastado do trabalho por conta da dor que ainda tenta digerir da morte precoce do seu filho vítima de overdose e sente-se culpado por não ter o conhecido a fundo a ponto de evitar tal tragédia.
O episódio fatídico acabou modificando a relação de Harry com Esther (Jane Alexander), sua esposa, que passaram a viver uma união melancólica. Toda a sabedoria deste homem não o ajuda com seus próprios problemas, no entanto, ele sempre tem uma palavra amiga para outras pessoas e compreende os dilemas delas como ninguém. Diariamente ele não dispensa uma passada na cafeteria de Bradley (Greg Kinnear), um ex-aluno que se tornou um grande amigo, mas muito distraído ele não percebia o que estava acontecendo com seu casamento. Junto há seis anos de Kathryn (Selma Blair), alguns bons anos mais jovem que ele, o quarentão do tipo gente fina não se dava conta que mal conhecia sua esposa e que ela estava infeliz. Um fato inesperado, pelo menos para o marido, colocará um ponto final neste casamento. Bradley está sempre buscando a felicidade e quando vê a mínima chance disso acontecer fecha seus olhos e mergulha de cabeça na situação e é dessa forma incauta que ele acaba se envolvendo com Diana (Radha Mitchell), uma corretora de imóveis com quem passa a manter contato por causa do interesse em alugar uma casa, mas a moça acaba entrando literalmente nessa negociação. Mesmo namorando o cara do cafezinho, ela não deixa de se encontrar com David (Billy Burke), seu amante com quem o interesse é puramente sexual. O rapaz é casado, mas quando Diana aceita subir ao altar com Bradley ele reage estranhamente com revolta, ainda que existisse a promessa que os encontros casuais não iriam cessar.
David justifica a raiva dizendo que ao menos tentou ser fiel ao máximo à esposa Karem (Julie Whay), mas a amante nem ao menos quer tentar ser plenamente feliz no casamento e já faz planos de traição. O amante ou o marido, qual será a escolha de Diana? Por fim, ainda temos o jovem casal formado por Oscar (Toby Hemingway) e Chloe (Alexa Davalos). Ele poderia ter seguido carreira esportiva, mas acabou sendo derrotado pelas drogas, todavia, foi salvo por Bradley que lhe deu a chance de ser atendente em sua cafeteria e assim conhecer o grande amor de sua vida. A garota certo dia chegou pedindo emprego no estabelecimento e imediatamente se simpatizou pelo rapaz que correspondeu. No mesmo dia já estavam dividindo a mesma cama, o problema é que Bat (Fred Ward), o pai do jovem, é um alcoólatra que se já não se dava bem com o filho passa a ter uma convivência ainda mais difícil agora que culpa a nova namorada do garoto por levá-lo novamente para o mau caminho. Todas essas histórias são desenvolvidas de forma previsível, mas tentando fugir do piegas o longa fica devendo emoções em alguns momentos. Ainda assim, consegue envolver o espectador que passa a torcer pela felicidade de todos, principalmente por Bradley, a síntese do ser humano livre de pecados ou quase isso. Sua forma honesta de ver as coisas, em especial o amor, o torna um tanto ingênuo, porém, cativante, uma deliciosa mescla de melancolia e simpatia.
Os diálogos travados entre Bradley e Harry são cheios de mensagens para serem absorvidas e lembradas. Se muitos podem se enxergar representados na figura do azarado comerciante, nada melhor que um personagem altruísta para dizer aquelas palavras que as vezes tanto precisamos e dificilmente encontramos quem as pronuncie. Praticamente onipresente durante todo o filme, Harry funciona como uma espécie de consciência dos demais. Tem um poder extraordinário de prever as reações humanas, fruto de anos de observação de comportamentos, assim tem base sólidas para aconselhar, mas em alguns momentos simplesmente omite suas reais opiniões para deixar seus amigos fazerem suas escolhas. Caso errem, a situação servirá como lição. Mesmo sem momentos histriônicos, Freeman consegue chamar a atenção para si desde a sequência de abertura quando filosofa sobre a relação do amor e os deuses gregos. Tal sentimento é composto por alegrias, mas também dores e é preciso estar preparado para lidar com os pontos negativos e é trilhando esse caminho ligeiramente diferente que Banquete do Amor se destaca em seu gênero. Faltando poucos minutos para terminar até temos a sensação de frustração ao ver que um trabalho tão realista seria finalizado de forma tão adocicada, mas é apenas uma pegadinha. Um fato novo nos surpreende e muda completamente a conclusão.
Com tantos personagens em busca da felicidade e ainda com um título tão sugestivo, era de se esperar que o longa fosse finalizado com uma grande festa ao som de alguma canção da moda ou hit clássico romântico, mas simplesmente ela é concluída exaltando o amor em sua forma mais básica: a consideração aos semelhantes. O diretor Robert Benton, vencedor do Oscar por Kramer vs. Kramer, há tempos não assumia um bom trabalho, mas o cenário dos anos 2000 é bem diferente da década de 1970. Se na obra citada era um trunfo polêmico falar sobre divórcio e abandono de lar, seu trabalho tardio prova que os tempos mudaram completamente, basta perceber a rapidez com que os relacionamentos de Bradley são desfeitos. Para se comunicar com as plateias atuais, o cineasta então recorre a famosa estrutura da narrativa-mosaico, fala de drogas abertamente, exibe alguns elegantes takes de nudez e até mostra em close mulheres se beijando, mas infelizmente o longa não teve a repercussão que merecia. Sensível e com pinta de filme alternativo, um produto que merece ser descoberto com um olhar mais atento.
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