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NOTA 7,5
Longa disseca a intimidade de família problemática abordando temas cotidianos, mas encontra dificuldades de atingir o público |
Nomes famosos em uma produção adornada por um semblante de obra
alternativa ou com ares de filme para intelectuais não ajudam nas bilheterias,
isso é fato, e em sua maioria ainda precisam lidar com as críticas implacáveis
e negativas daquelas pessoas “fora do meio”, ou seja, o público que se sente
atraído pelos atores e não pelas histórias em si. Geralmente quem acaba pagando
o pato são os próprios atores que se tornam vítimas de achincalhes e repulsas,
afinal para todos os efeitos são eles que colocam literalmente a cara para
bater na publicidade destes trabalhos. Talvez justamente para não impactar de
forma negativa os fãs de Nicole Kidman e Jack Black é que o drama
Margot
e o Casamento foi lançado discreta e diretamente em DVD no Brasil,
ainda mais levando em consideração a ínfima bilheteria arrecadada nos EUA. Bem,
podemos considerar tal atitude por parte da distribuidora responsável como um
ato de respeito ao público em geral para não fazê-lo comprar gato por lebre. Os
artistas mencionados somados ao romântico título podem vender erroneamente a
ideia que este projeto é uma comédia açucarada, mas basta dizer que este é um
drama familiar escrito e dirigido por Noah Baumbach, nome que ficou famoso no
circuito alternativo com o elogiado
A
Lula e a Baleia, para percebermos que de comercial a obra não tem nada,
pelo contrário. Parece que produções do tipo acabam por se beneficiar de
ostentar um pequeno público, o que inerentemente lhe confere o status de
filme-cabeça algo que, curiosamente, pode tanto afastar quanto atrair a atenção
de populares. No caso do título em questão, que preserva certas semelhanças ao
citado trabalho de estreia do conceituado roteirista atrás das câmeras, a
rotulagem, ao que tudo indica, trouxe a indiferença, embora existam na internet
comentários relativamente positivos à obra que realmente não é ruim, mas peca
ao não dar brecha para que o espectador se sinta fazendo parte da trama, ou
melhor, tem uma trama aparentemente sem atrativos para grande parte do público
que, infelizmente, está acostumado a assistir filmes de modo passivo, as imagens
devem falar por si só, assim o excesso de diálogos acaba dispersando atenção
facilmente. Logo nas primeiras cenas temos a escritora Margot (Kidman) viajando
de trem com o filho, o pré-adolescente Claude (Zane Pais). Eles estão a caminho
do encontro com o passado desta mulher, hoje uma pessoa que demonstra ter
opiniões firmes, um padrão de vida confortável e dedicada ao filho, este que no
fundo sente a falta de uma figura paterna. De volta a cidade onde foi criada,
ela reencontrará sua irmã Pauline (Jennifer Jason Leigh) após muitos anos
devido a desavenças e diferenças de temperamentos e personalidades, embora
quando jovens o relacionamento entre elas tenha sido de cumplicidade. Mesmo com
o ruído estabelecido e persistente na comunicação das irmãs, Pauline convida
Margot para seu casamento, talvez embriagada pelo espírito familiar inerente à
ocasião. A outra, por sua vez, aceita o convite provavelmente por esconder que
sente falta de laços afetivos concretos em sua vida, mas sua língua afiada pode
piorar o que já estava ruim. O casamento é o motivo de um reencontro, mas de
certa forma também a razão para novas desavenças entre as irmãs que hoje não
são mais as mesmas de outrora, mas ainda carregam problemas que precisam ser
superados.

Um dos novos motivos de discórdia é o próprio noivo, Malcolm (Black), um
rapaz que leva a vida de forma descontraída, mas não faz planos para seu futuro
dividindo sua vida profissional em vários bicos e nenhuma carreira concreta, o
que aos olhos de Margot significa que ele não está preparado para assumir uma
família, visto que além da esposa ele também terá que cuidar e sustentar da
filha dela, Ingrid (Flora Cross), mais uma pré-adolescente do clã. Podem dizer
que o filme é parado, com muitos diálogos e situações descartáveis, mas o fato
é que não se pode negar o talento e espontaneidade do trio principal. Eles
chegaram a morar juntos durante as filmagens para ficarem mais íntimos e
encontrarem mais facilmente o tom disfuncional que deveriam transmitir à
família do longa, uma prática comum em projetos alternativos e cujo enfoque
sejam o emocional e o psicológico dos personagens. E assim, mais uma vez
Baumbach aborda uma temática que parece conhecer bem. A família imperfeita é
revelada pouco a pouco e com um mínimo de boa vontade por parte do espectador
pode se tornar perfeitamente identificáveis problemas rotineiros em todos os
lares. Ninguém é bonzinho ou malvado o tempo todo. O ser humano é feito de
nuances emocionais e é isso que vemos em cena. Margot e Pauline podem estar em
um momento agradável de descontração, mas uma pequena frase mal inserida em
seus diálogos pode ser o estopim para uma briga. Com palavras e atitudes contraditórias, a
escritora não é tola e sabe que os seus feitos trarão consequências negativas a
qualquer momento, mas parece que usa sua sinceridade exagerada como uma
ferramenta de defesa para si mesma. Enquanto está ocupada criticando os outros
ela não tem tempo para pensar em sua própria vida, assim não percebe que seu
comportamento bipolar, ora amorosa, ora repugnante, atrapalha sua relação com o
filho, com o marido Jim (John Torturro) e com o também escritor Dick (Ciarán
Hinds), com quem mantém uma relação que parece ultrapassar os limites de uma
amizade convencional. Kidman, embora adepta dos blockbusters, é mais uma das
estrelas que buscam elevar o nível de seus currículos arriscando-se com
personagens que fogem do que estão acostumados, portanto, quanto mais
desafiador o papel melhor e nada mais apropriado para se despir de estrelismos
que interpretar um tipo antipático. Quem disse a ela que se irritou com a
petulância de sua Margot certamente deve ter lhe feito um elogio. Sua
personagem tem um comportamento infantilizado, fala o que pensa, poucos
comentários construtivos, mas muitos com intuito de denegrir ou machucar
alguém, mas para quem consegue captar sua personalidade suas atitudes são
compreensíveis o que não deve ser confundido com tolerável. A atriz com rosto
angelical, que aqui aparece com os cabelos escuros e com maquiagem quase nula,
está longe de visualmente exibir seu costumeiro glamour, mas seu talento está
em cena vivo nos fazendo crer inclusive na relação doentia que mantém com
Claude. A educação rígida pode ser interpretada como uma forma de mantê-lo
sempre ao seu lado, mas também pode ser vista como uma forma de ela descarregar
seus males, afinal o amor incondicional de um filho pela mãe, teoricamente,
supera qualquer grosseria ou crueldade. Aliás, essa mesma teoria, a do amor intrínseco
entre familiares, provavelmente é que rege a relação de amor e ódio entre as
protagonistas cujos demais parentes (pai, mãe e uma outra irmã) são apenas
citados nos diálogos.

Se Margot tem força na trama para se manter em evidência até a última
cena é porque suas ações causam reações nos demais personagens, assim não se
pode esquecer de elogiar o trabalho de Leigh cuja personagem não deve ser
considerada a mocinha indefesa que é humilhada pela ovelha negra da família.
Pauline também tem um comportamento dúbio e assim as duas irmãs revezam-se na
representação do bem e do mal nesta relação explosiva de sentimentos que
ficaram latentes por anos, detalhe que permite que a narrativa não fique presa
a estereótipos, um ponto a favor da dramaticidade, porém, negativo perante a
boa parte dos populares que estão acostumados com a ideia de que uma história
precisa necessariamente de personagens em lados opostos do conflito para
funcionar, além é claro de que tudo tem que ser bem mastigadinho pelo roteiro.
No caso, pode ser frustrante para muitos chegar ao final e não descobrir os
motivos que levaram estas mulheres a se separarem e ainda manterem um
relacionamento superficial de cordialidade com rompantes de fúria, mas não
deixa de ser interessante também o espectador ter a possibilidade de imaginar o
passado delas. O fato é que o clima de mal-estar é generalizado na residência
onde praticamente toda a narrativa é desenvolvida, ironicamente localizada em
meio a uma região bucólica e que deveria transmitir paz e tranqüilidade aos
seus habitantes. No entanto, até Malcolm é contagiado pelo clima deprê e chega
a um ponto limite em que precisa extravasar seus sentimentos, momento em que
passa a se questionar sobre a decisão de se casar tal qual sua noiva que também
já tem lá suas dúvidas. Black surpreende fazendo um “loser” (o popular zero a
esquerda), papel corriqueiro em sua filmografia, mas com uma boa direção ele
compõe tal tipo de maneira diferenciada, bem mais comedido e realista, o que
certamente é uma grande decepção para os fãs de seu jeito careteiro e expansivo
de atuar. Por fim, não se pode deixar de lado o elenco pré-adolescente. O
estreante Pais e a jovem Flora têm importância na história por mostrarem um
outro lado da moeda. Os dois estão em uma fase crucial de suas vidas, estão
aprendendo conceitos sobre relacionamentos e tudo os instiga a querer saber
mais, porém, os exemplos adultos que tem não são dos melhores obviamente.
Margot
e o Casamento, apesar de toda a sua embalagem de filme-cabeça, é uma
obra que merecia uma visibilidade bem maior, afinal aborda assuntos que fazem
parte do cotidiano de qualquer um, em menor ou maior grau. Desde pequenos nos
ensinam a ter bons modos para conseguirmos viver em harmonia, principalmente em
círculos mais íntimos de convivência, mas ainda assim existem diversas Margots
espalhadas pelo mundo, em versão masculina inclusive, e é difícil manter o
equilíbrio quando nos deparamos com uma pessoa do tipo, afinal o próprio
indivíduo que fala o que quer não goste de ouvir o que não quer. É preciso
buscar nas relações sempre o equilíbrio entre as virtudes e os defeitos, afinal
cada pessoa é única e é fruto do meio em que vive ou viveu. Margot e Pauline
dividiram a infância e a adolescência, mas o início de suas vidas adultas não
foi compartilhado, assim elas não sabem o que cada uma passou durante os anos
que a separaram, episódios que certamente influenciaram para elas se tornarem
as pessoas que são no presente. Da mesma forma, a escritora não conhece o
passado de seu futuro cunhado, portanto, não tem subsídios suficientes para
julgá-lo até porque seu telhado também é de vidro e pode ser estilhaçado quando
os ânimos de suas “vítimas” alcançarem o grau máximo de tolerância. Baumbach,
usando movimentos de câmera instáveis e sem apelar para trilha sonora
estratégica para reforçar emoções, mais uma vez consegue dissecar a intimidade
de um clã com certo nível cultural e financeiro que pouca beleza reserva, um
retrato que certamente atinge milhares de famílias em diversas partes do mundo,
inclusive no Brasil. É uma pena que um trabalho tão rico de conteúdo
psicológico e emocional seja palatável a um pequeno nicho de público. Embora as
produções alternativas tenham uma melhor aceitação hoje em dia, é fato que
ainda é gigantesco o abismo existente entre os populares e os produtos mais
culturais. De qualquer forma vale um esforço para acompanhar tal filme, mas
esqueça a pipoca, o telefone e demais distrações. Concentração é fundamental
para imergir nesse mundo melancólico proposto, porém, uma realidade mais comum
do que pensamos.
Drama - 92 min - 2007
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