sexta-feira, 25 de março de 2016

BELEZA AMERICANA

NOTA 9,0

Drama explora a intimidade
de típica família americana
feliz e seus vizinhos, mas nem
tudo é tão belo quanto parece
Muitas vezes ficamos encantados quando vemos em filmes americanos aquelas casas bonitas, com jardins vistosos e localizadas em ruas tranquilas longe dos caóticos centros das metrópoles e sonhamos em levar uma vida igual a das personagens que ali vivem. Porém, o que parece tão perfeito da porta de casa para dentro pode ser bem diferente. Tais moradores parecem ricos, ter sucesso e qualidade de vida em todos os sentidos, mas seriam plenamente satisfeitos? Arruinar ou revelar a real imagem da família modelo americana tornou-se um tema comum no cinema nos últimos anos, de forma branda ou agressiva, muito por conta do sucesso que os longas independentes têm obtido. Embora tal temática já fosse explorada por vários filmes premiados em festivais menores ou alternativos, talvez o precursor dessa fase em termos de sucesso comercial tenha sido Beleza Americana, o trabalho de estreia do cineasta Sam Mendes que logo de cara abocanhou a tão sonhada estatueta do Oscar que muitos diretores veteranos faleceram desejando. Para tanto, ele não teve medo e optou por um roteiro forte e polêmico que destrói a imagem da família feliz ianque. Na época de seu lançamento parecia que o modismo da vez em Hollywood era retratar a realidade de forma nua e crua e sem direito a verniz. Temas espinhosos foram levados as telas pelos principais concorrentes a prêmios da temporada 1999/2000. Mendes teve a sorte de estar trabalhando sob a batuta da empresa de Steven Spileberg, a Dreamworks, e conseguiu uma campanha publicitária pesada para que seu longa figurasse nas principias listas dos melhores do ano. E não foram só os especialistas em cinema que aprovaram a crítica ácida feita ao povo norte-americano. Os próprios espectadores deram seu aval para esta produção que mostra de forma metafórica como a sociedade se torna frágil e sem objetivos conforme o tempo passa e o progresso chega. Ou seria o retrocesso? Bem, a segunda opção se adéqua melhor. Mesmo em tempos em que tudo parece permitido e existe movimentação para que o excêntrico e as vontades individuais sejam aceitas, a tradição e os costumes ainda falam mais altos e manter uma imagem perfeita e intacta ainda é necessário, mesmo quando na realidade se está infeliz. Para quem nunca assistiu ou leu algo a respeito deste filme, pode até parecer que a obra seja do início ao fim um achincalhe aos americanos, curiosamente bancada e festejada por pessoas do próprio país, mas certamente o conteúdo da obra reflete situações existentes em outras partes do mundo, inclusive o Brasil. Quantas famílias não existem atualmente em ruínas, mas ainda unidas em nome de interesses financeiros ou puro orgulho?

Traição, crise de meia-idade, repressão, homossexualismo, drogas, um clima melancólico e reflexivo nos minutos finais e até uma sugestão de pedofilia real entre dois atores, eis a mistura bombástica do premiadíssimo roteiro de Alan Ball. O foco da narrativa é o cotidiano de um clã que vive em uma casa bonita, confortável e com direito a cercas brancas arrematando o jardim. Seus vizinhos são tão sorridentes quanto eles próprios. Tudo parece perfeito, porém, dentro da residência o clima é outro. Insatisfação, brigas, desejos reprimidos e mágoas se misturam e habitam o aparente lar modelo de felicidade. A introdução mostra de forma sarcástica esta vizinhança perfeita, mas aos poucos os podres vão surgindo. Lester Burnham (Kevin Sapcey) é um escritor de revistas que odeia seu trabalho e sua vida rotineira e Carolyn (Annette Bening), sua esposa, é uma corretora imobiliária ambiciosa e neurótica. Eles vivem brigando dentro de casa, mas fora dela formam um par harmonioso. A filha do casal, Jane (Thora Birch), é uma adolescente que abomina seus pais e tem baixa auto-estima. Os novos vizinhos são o aposentado Coronel do Corpo de Fuzileiros Navais Frank Fitts (Chris Cooper), junto com a esposa, a introvertida Barbara (Alisson Janney), e o filho adolescente Ricky (Wes Bentley), um usuário de maconha e traficante de drogas que sofre com o estilo de vida disciplinador imposto por seu pai. Um de seus poucos prazeres na vida é gravar tudo que quer com sua câmera e é dessa forma que ele se aproxima de Jane, a princípio de forma voyeurista. Lester tem seus próprios meios de atingir prazer sem se relacionar com a mulher, esta que o trai com Buddy Kane (Peter Gallagher) seu rival nos negócios, mas amante na cama. Mesmo após a descoberta da traição, por vontade própria ou pura maldade, o fato é que o cinquentão não se abala, pois está encantado pela melhor amiga da filha, Angela (Mena Suvari), depois de vê-la dançar em um intervalo de um jogo de basquete. Ele então passa a ter fantasias sexuais com a insinuante jovem nas quais as pétalas de rosas vermelhas estão sempre presentes, uma alusão a paixão reforçada pela exuberante coloração, e seus momentos prazerosos aumentam quando ele é demitido do trabalho conseguindo uma boa grana por meio de chantagem. Ele vai trabalhar em uma lanchonete, compra o carro dos sonhos e passa a se exercitar a fim de se tornar mais atraente, o que chama a atenção não só de Angela, mas também de Frank, que julga que seu filho está tendo um caso com o vizinho maduro após encontrar um vídeo comprometedor.

Pessoas comuns vivendo situações relativamente corriqueiras e chegando a conclusão de que todo mundo vive de forma omissa e escondendo seus instintos e vontades. Essa é a conclusão que chegamos ao final desta obra cujo título se refere a um tipo de rosa muito cultivada nos EUA e que tem a peculiaridade de não possuir espinhos e odor, uma metáfora que resume o intuito da história: mostrar o vazio do americano comum, mas que chega a ser uma mensagem universal. Com personagens estereotipados, como o cinquentão que quer se passar por jovem, a gostosa que só sabe atiçar, mas continua pura, a adolescente rebelde que adora se vestir com cores escuras e se trancar em um mundinho particular ou o coronel linha dura e preconceituoso talvez para esconder sua própria repressão, Beleza Americana parece querer dar um passo a frente na discussão de temas fortes e contundentes, mas não consegue ultrapassar barreiras completamente. Isso fica explícito quando finalmente o protagonista cinquentão tem a chance de consumar seu desejo pela amiga da filha, mas recua ao ouvir uma revelação dela. Os demais personagens também cairão em si em determinado momento vão deixar suas vidas dos sonhos de lado e encarar suas cinzentas realidades. As falas de Spacey em off nos minutos finais revelam até o caráter redentor da obra, palavras de sabedoria que têm o poder de colocar os panos quentes em qualquer má impressão que o restante do filme possa ter deixado aos mais puritanos. Todavia, até ser totalmente filmada a obra sofreu várias modificações para ter seu teor abrandado, sendo que o produto final saiu bem diferente dos planos iniciais. Por outro lado, as cenas de nudez de Thora Birch e Mena Suvari não chegaram a causar grandes burburinhos, embora digam que ambas eram menores de idade durante as filmagens e nem o relacionamento, mesmo fictício, de um homem mais velho com uma adolescente deu sinal vermelho à produção nos órgãos de censura. Com a pretensão de mostrar o que há debaixo dos panos, Mendes acabou entregando um filme ainda em certos aspectos preso as amarras de Hollywood, afinal de contas a indústria não pode chocar o público totalmente e tampouco zombar da imagem de seus próprios executivos e investidores. Mesmo assim, um trabalho extremamente interessante, bem feito e atemporal.

Vencedor dos Oscar de filme, direção (Sam Mendes), ator (Kevin Spacey), roteiro original e fotografia

Drama - 122 min - 1999
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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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Um comentário:

renatocinema disse...

Gosto do filme e concordo com seu texto.

Assisti no cinema.


Pena que o diretor, a meu ver, não manteve o mesmo ritmo e energia.

abs