segunda-feira, 14 de março de 2016

APRENDENDO A MENTIR

NOTA 7,0

Comédia romântica alemã visa
fisgar público jovem, mas não
abandona a tradição de inserir
a trama em contexto histórico
Quando pensamos nos primórdios da História do cinema é comum nos lembrarmos da ingenuidade e da genialidade dos filmes mudos o que nos remete imediatamente ao cinema americano, mas muitos outros países tiveram contribuições significativas na evolução cinematográfica compreendida entre o final do século 19 até meados da década de 1930, quando com o advento do som e das cores aconteceu uma seleção natural de quem seguiria em frente e quem infelizmente acabaria suplantado pelas novas tecnologias. O tão comentado expressionismo alemão é uma das correntes mais fortes deste período inicial da sétima arte e até hoje faz escola inspirando cineastas contemporâneos, todavia, o cinema alemão durante muitos anos viveu no ostracismo, com raros lampejos de obras relevantes, mas a partir de meados de 1998 demonstrou intenções de querer voltar a disputar mercado, ainda que de forma tímida. Esqueça aquela visão quadrada de que cinema europeu necessariamente tem que ser representado por longas épicos, com figurinos e cenários luxuosos, intérpretes com rostos perfeitos e paisagens de encher os olhos. A nova (bem nem tão recente assim) safra de filmes oriundos da Alemanha tem o objetivo de cativar plateias mais jovens, busca aliar entretenimento, cultura e algum retorno comercial, coloca em cena pessoas com feições mais populares e tenta dialogar com o cotidiano e a contemporaneidade. Timidamente Corra, Lola, Corra deu o pontapé inicial nessa estratégia e talvez seu ápice tenha sido atingido com a boa repercussão de Adeus, Lênin!, mas em geral a filmografia recente alemã ainda fica restrita a mostras e festivais o que torna um achado e tanto quando nos deparamos com uma obra do tipo sendo exibida nos cinemas ou sendo lançada em DVD. Pena que piscou perdeu. Aprendendo a Mentir está longe de ser um grande filme germânico, mas é um produto que mostra que fora do circuito Hollywood pode sim existir cinema comercial, contudo, é quase uma raridade encontrá-lo hoje após anos de um lançamento praticamente invisível e tardio. Adaptado do romance “Liegen Lernen”, de Frank Goosen, a trama gira em torno de um rapaz que vê sua vida amorosa se tornar um caos graças as lembranças mal resolvidas de sua primeira paixão. Helmut (Fabian Busch) é um jovem tímido e não muito descolado, mas mesmo assim ele consegue chamar a atenção de Britta (Susanne Bormann), a garota mais popular de seu colégio. Eles começam a ficar cada vez mais próximos até que começam a namorar escondido, uma exigência dela, porém, a felicidade do casal é interrompida justamente na noite de Natal após a primeira relação deles quando a moça o avisa que decidiu deixar Berlim para ir aos EUA estudar e morar com o pai por um ano.

Muito apaixonado, Helmut escreve muitas cartas descrevendo seus sentimentos, mas elas jamais são respondidas até que quatro anos mais tarde ele tem notícias de que Britta não quer mais voltar à Alemanha e já tem um novo namorado. Desiludido, o jeito era tocar a bola para frente e assim ele ingressa na universidade. É lá que ele reencontra por acaso Gisela (Fritzi Haberlandt), uma antiga colega dos tempos de colégio que confessa ter guardado em segredo sua paixão pelo rapaz. Eles saem, conversam, ela o chama para ir ao seu apartamento e numa trucagem da edição compreendemos uma passagem de tempo e o casal já está dividindo a mesma cama a um bom tempo. Porém, o apartamento é compartilhado com uma terceira pessoa. Barbara (Sophie Rois) já estava lá desde o primeira dia em que Helmut foi a casa da namorada, mas só após uma discussão com ela é que o rapaz passou a notar sua amiga. Os pombinhos continuavam se dando bem de qualquer forma, mas ele queria prazer na cama e ela negava. Seguindo uma linha clichê, é óbvio que Barbara e Helmut vão ser flagrados por Gisela em um momento constrangedor mais cedo ou mais tarde, mas por incrível que pareça é justamente essa a vontade do alemão. O fantasma de Britta não o abandona, o que ele viveu com ela foi tão intenso que o impede de levar adiante outros relacionamentos íntimos, restando a Helmut somente a vontade de saciar seu apetite sexual. Entre as tantas transas que teve que ficamos sabendo apenas pela narração do protagonista, acompanhamos seu relacionamento com uma mulher mais velha, Gloria (Anka Lea Sarstedt), que conquistou no truque do “fique com o troco” que aprendeu durante o tempo que trabalhou como manobrista em um estacionamento, até que ele conhece Tina (Birgit Minichmayr), mulher por quem ele realmente se apaixonou, mas após dois anos juntos a relação emperra porque ela exige ter um filho e é justamente compromisso sério o que ele não quer. Aos trinta e tantos anos de idade ele estava habituado a levar a vida como um eterno adolescente irresponsável e aprendeu a mentir para enrolar as garotas com que se envolveu, mas com Tina a banda toca de outra forma. As cenas inicias do longa que indicavam um filme sem pé nem cabeça finalmente fazem sentido. Nessa altura Helmut fica sabendo que a reputação de Britta desde os tempos do colégio não é das melhores, que só ele conseguia enxergar nela um anjo de candura, mas ele encasqueta que só com um último encontro com a moça é que ele conseguirá exorcizar os fantasmas de seu passado e seguir sua vida adiante como um cara normal.

Roteirizado e dirigido por Hendrik Handloegten, em sua segunda experiência cinematográfica após seu elogiado Paul Está Morto ter sido visto por alguns poucos sortudos em festivais antes do longa ser proibido de exibição pública devido a questões judiciais envolvendo a trilha sonora, não sabemos bem qual a linha de trabalho deste profissional. Aparentemente ele tenta levar o cinema de seu país a trilhar novos horizontes, algo bem mais próximo do estilo comercial hollywoodiano como fica claro na receita do produto em questão. Apesar de em suma seguir a linha do primeiro amor é inesquecível, com direito a viradas previsíveis e pequenos problemas como personagens secundários mal explorados, só o fato de não trazer nomes conhecidos, estampar o material publicitário com rostos de pessoas “comuns” e ainda trazer a reboque a nacionalidade de pouca tradição no gênero comédia romântica, estes já seriam motivos suficientes para espantar o público, mesmo os adeptos de produções estrangeiras. Porém, o adendo “dos realizadores de Adeus, Lênin!” (Handloegten colaborou com o roteiro e a mesma empresa bancou os dois filmes) sem dúvidas traz um gás ao projeto, ainda que muitos por esta observação possam se decepcionar com o resultado final, realmente um tanto simplório. Aprendendo a Mentir requenta os clichês das histórias protagonizadas por homens com medo do amadurecimento, temática um tanto comum, mas apropriada já que a intenção era dialogar com um público mais jovial, todavia, o diretor não quis fazer deste trabalho algo qualquer por isso injetou no roteiro como reforço um fundo político e histórico. A trama começa a se desenvolver em 1982 e acompanha ao mesmo tempo a trajetória do protagonista e o desenvolvimento da Alemanha Ocidental até sua unificação com a parte oriental após a queda do Muro de Berlim sete anos mais tarde. Ao longo da narrativa que segue até meados dos anos 90, existem várias metáforas inseridas como a eleição como chanceler de Helmut Kohl. Além da coincidência de nomes, tal período político calha com a aproximação do alienado mocinho e de sua engajada futura enamorada metida a porta voz dos jovens. O passar dos anos é percebido através do estilo de roupas e cortes de cabelos dos personagens, além das canções escolhidas para a trilha sonora, mas é curioso que mesmo com essa estrutura extremamente funcional de acompanhar o desenvolvimento do protagonista aliado a um gancho histórico de um período ainda muito vivo na memória de boa parte das pessoas, até mesmo das que ainda não eram nascidas na época graças as aulas de História nas escolas, é frustrante chegarmos ao final e dizer que não estamos plenamente satisfeitos, principalmente porque dificilmente nos simpatizamos com Helmut, já que sua forma de encarar a vida é um tanto displicente. De qualquer forma, mesmo superficial, esta produção garante um tempinho de lazer e ainda serve como um incentivo para que outras nacionalidades passem a investir mais em produtos diferenciados para tornar seu cinema cada vez mais competitivo e apreciado.

Comédia romântica - 87 min - 2003

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Um comentário:

renatocinema disse...

Gostei de sua introdução histórica.

Curto o cinema alemão, se bem que não sou profundo conhecedor.

O Amadurecimento é sempre complicado.......seja no cinema, seja na vida real.

abs