quinta-feira, 3 de março de 2016

NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO

NOTA 8,0

Duelo de grandes atrizes só
colabora para que trama
forte, envolvente e incômoda
ganhe ainda mais potencialidade
Obsessão, desilusão, curiosidade, perversidade, passividade, desejo, amor e ódio. Notas Sobre um Escândalo tem um amplo leque de opções a serem trabalhadas e o melhor é que o diretor Richard Eyre, da cinebiografia Íris e do drama de época A Bela do Palco, consegue em cerca de 90 minutos alinhavar uma história extremamente interessante e envolvente unindo todos os temas citados e sem precisar usar clichês hollywoodianos tampouco corre-corre ou barulheira para deixar o espectador vidrado no drama com toques de suspense psicológico protagonizado por Cate Blanchett e Judi Dench, ambas indicadas para o Oscar e tantos outros prêmios por suas atuações neste longa. Sempre quando surgem notícias de que uma ou outra está para lançar uma nova produção já começam as especulações sobre possíveis prêmios e neste caso não foi diferente, porém, quem disser que o filme se resume a curiosidade de acompanhar o embate de duas grandes intérpretes é porque é insensível ou em um primeiro momento não conseguiu embarcar nas emoções do roteiro de Patrick Marber, famoso pela autoria da peça que deu origem a Closer – Perto Demais, coincidentemente outro projeto que não conta com momentos arrebatadores em termos visuais, mas que também guarda em seus diálogos e narrativa todos os seus tesouros tal qual a obra assinada por Eyre. A adaptação do romance “What Was She Thinking: Notes on a Scandal”, de Zoë Heller, é uma obra que de certa forma é de difícil digestão e protagonizada por duas mulheres que cada uma a seu modo vivem mergulhadas na solidão e entre sentimentos reprimidos. O encontro delas poderia ser positivo para ambas, contudo, se transforma em um caso que envolve maldade, distúrbios psicológicos e sofrimento. A ação começa em um decadente colégio britânico onde a veterana professora de História Barbara Covett (Judi) procura controlar os alunos com pulso firme, deixando transparecer em seu semblante inerte poucas características de sua personalidade, mas seu jeito enérgico é interpretado como a postura de alguém de muito boa índole pela novata professora de artes Sheba Hart (Cate) que cheia de ideias e acreditando na evolução dos estudantes parece deslocada no grupo dos educadores do local um tanto desiludido e sem ambições. Rapidamente as duas tornam-se amigas, fazendo jus ao ditado que os opostos se atraem, mas por trás do aparente desinteresse de Barbara escondem-se desejos reprimidos que agora poderiam ter a chance de serem exteriorizados, mas a obsessão de uma acaba se tornando a desgraça das duas.

Sheba convida Barbara certo dia para um almoço e assim conhecer sua família. Casada com Richard (Bill Nighy), homem bem mais velho que a entusiasta professora, ela tem dois filhos, uma garota vivendo a fase da pré-adolescência e um menino portador da Síndrome de Down. A velha senhora acompanha esse dia da família Hart com estranhamento, afinal aparentemente ela nunca foi casada e não tem filhos, dividindo sua solidão apenas com sua gata de estimação. O ápice do incômodo acontece quando o casal começa a dançar com os filhos, uma cena irônica, mas que deixa latentes os diferentes universos em que essas duas professoras vivem. Será mesmo? Mesmo com o momento feliz que presencia, Barbara sente que existe algo errado na vida da nova amiga, mas sua ligação com ela não é por pura amizade, mas um sentimento maior, algo que poderia se tornar um escândalo se viesse à tona. Todavia, a verdadeira bomba que viria a estourar acaba se tornando o trunfo que a velha professora precisava para dar uma guinada na sua vida. Por um acaso ela flagra Sheba em uma situação comprometedora com Steven Connolly (Andrew Simpson), um estudante de apenas 15 anos. Barbara não esconde o que viu da amiga e esta então começa a despir-se da máscara de mulher realizada. Sheba afirma que não se sente feliz, que seu casamento sofre com o marasmo e que há anos dedica-se em tempo integral ao filho deficiente, assim ela abriu mão de sua própria vida, mas quando o jovem aluno começou assediá-la passou a ver uma esperança para voltar a ter o prazer de viver. Sem perceber, a professora acaba caindo nas mãos de Barbara que se alimentando dos detalhes picantes da relação proibida da amiga e dos seus anseios por uma vida diferente passa então a cercá-la de todas as formas e praticamente exigindo sua dedicação integral como se fosse uma companheira não só em termos afetivos, mas também sexual. Sim, possivelmente virgem e homossexual reprimida, a sisuda educadora começa a abusar emocionalmente da amiga, mas sua chantagem é velada, tanto que quando o caso com o estudante torna-se público Sheba acaba sendo acolhida na casa dela, assim Barbara, de forma patológica, sente finalmente estar vivendo uma relação amorosa. Embora estas duas personagens femininas sejam extremamente fortes e suas intérpretes as defendam com o mesmo nível de intensidade é Dench quem leva o crédito de protagonista. É sua personagem quem narra a historia, bem servida de momentos tensos e claustrofóbicos, como se fosse a locução dos escritos de seu diário no qual ela anota seus pensamentos, angústias, desejos e críticas ácidas às pessoas, não poupando nem mesmo sua “namorada” cujo deslize moral acaba sendo a ferramenta de manipulação da outra que se sente instigada a escrever seus devaneios a respeito de uma relação platônica com riqueza de detalhes e um realismo ímpar. Ironicamente, ela tem a infantilidade de classificar seus dias atribuindo a cada um deles estrelinhas douradas de acordo com a intensidade dos acontecimentos que podem variar de terríveis a sublimes.

É interessante observar que o longa procura concentrar suas atenções nesta relação homossexual fantasiosa e só mais na reta final se preocupa em traçar o drama de Sheba e sua instabilidade com a família após o escândalo, uma cadência de emoções irrepreensível e também uma esperta artimanha para que o espectador não tenha tempo de parar e pensar no conflito que deu origem a tudo isso. Duas mulheres mantendo um relacionamento, uma delas idosa e a outra com filhos, ambas que perante a sociedade deveriam ter cuidado redobrado com suas reputações visto que são responsáveis pela educação de adolescentes e teoricamente serviram de bons exemplos, esses já são conflitos suficientes para inflamar a tradicional sociedade britânica e porque não dizer impactar negativamente pessoas de qualquer parte do mundo, portanto, o acréscimo do tema abuso sexual a menores poderia trabalhar contra o longa, afinal esse já seria um crime realmente e abre frente para muitas discussões. Questões acerca da pedofilia acabam ficando em segundo plano, até porque Marber acha uma resolução plausível para afastar o jovem Steven da trama principal. Aliás, por uma das várias coincidências que ocorrem no mundo do cinema, este filme também poderia receber o nome de Pecados Íntimos, este que veio a batizar uma outra produção da safra de premiações de 2007 que também coloca em xeque os temas traição, infelicidade e pedofilia. A repetição de temáticas com enfoques diferentes, mas personagens profundos e realistas em proporções semelhantes, tem justificativa, pois são problemas muito presentes nas sociedades. Outrora varridos para debaixo de tapetes, no século 21 os conflitos do tipo somam números gigantescos de forma que escondê-los é quase impossível e o cinema está aproveitando bem a sacudida na poeira mexendo com a emoção e o psicológico dos espectadores, geralmente de forma leve, mas as obras que marcam são aquelas que não têm medo de ferir como é o caso de Notas Sobre um Escândalo. Com um ritmo rápido, mas coerente com as emoções que crescem gradativamente e se intensificam com uma trilha sonora caprichada, o espectador rapidamente se sente íntimo das personagens femininas e chega ao ponto de não conseguir julgá-las. Nenhuma delas é vilã, tampouco mulheres que merecem compaixão, simplesmente representam seres humanos comuns que em busca da felicidade erram sem pensar nas consequências. Depois, para se redimirem, fatalmente precisam abrir mão de algo, mas a vida continua como evidencia a última cena que infelizmente resgata um velho clichê hollywoodiano, mesmo sendo uma produção essencialmente britânica. Com referências que lembram longas consagrados como Beleza Americana e As Horas, por acaso dirigidos por contemporâneos e conterrâneos de Eyre, esta é uma pequena obra-prima sem dúvidas.

Drama - 92 min - 2006

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