 |
NOTA 8,0
Duelo de grandes atrizes só colabora para que trama forte, envolvente e incômoda ganhe ainda mais potencialidade |
Obsessão, desilusão, curiosidade,
perversidade, passividade, desejo, amor e ódio. Notas Sobre um Escândalo tem
um amplo leque de opções a serem trabalhadas e o melhor é que o diretor Richard
Eyre, da cinebiografia Íris e do
drama de época A Bela do Palco,
consegue em cerca de 90 minutos alinhavar uma história extremamente
interessante e envolvente unindo todos os temas citados e sem precisar usar
clichês hollywoodianos tampouco corre-corre ou barulheira para deixar o espectador
vidrado no drama com toques de suspense psicológico protagonizado por Cate
Blanchett e Judi Dench, ambas indicadas para o Oscar e tantos outros prêmios
por suas atuações neste longa. Sempre quando surgem notícias de que uma ou
outra está para lançar uma nova produção já começam as especulações sobre
possíveis prêmios e neste caso não foi diferente, porém, quem disser que o
filme se resume a curiosidade de acompanhar o embate de duas grandes
intérpretes é porque é insensível ou em um primeiro momento não conseguiu
embarcar nas emoções do roteiro de Patrick Marber, famoso pela autoria da peça
que deu origem a Closer – Perto Demais,
coincidentemente outro projeto que não conta com momentos arrebatadores em
termos visuais, mas que também guarda em seus diálogos e narrativa todos os
seus tesouros tal qual a obra assinada por Eyre. A adaptação do romance “What
Was She Thinking: Notes on a Scandal”, de Zoë Heller, é uma obra que de certa
forma é de difícil digestão e protagonizada por duas mulheres que cada uma a
seu modo vivem mergulhadas na solidão e entre sentimentos reprimidos. O
encontro delas poderia ser positivo para ambas, contudo, se transforma em um
caso que envolve maldade, distúrbios psicológicos e sofrimento. A ação começa
em um decadente colégio britânico onde a veterana professora de História
Barbara Covett (Judi) procura controlar os alunos com pulso firme, deixando
transparecer em seu semblante inerte poucas características de sua
personalidade, mas seu jeito enérgico é interpretado como a postura de alguém
de muito boa índole pela novata professora de artes Sheba Hart (Cate) que cheia
de ideias e acreditando na evolução dos estudantes parece deslocada no grupo
dos educadores do local um tanto desiludido e sem ambições. Rapidamente as duas
tornam-se amigas, fazendo jus ao ditado que os opostos se atraem, mas por trás
do aparente desinteresse de Barbara escondem-se desejos reprimidos que agora poderiam
ter a chance de serem exteriorizados, mas a obsessão de uma acaba se tornando a
desgraça das duas.

Sheba convida Barbara certo dia
para um almoço e assim conhecer sua família. Casada com Richard (Bill Nighy),
homem bem mais velho que a entusiasta professora, ela tem dois filhos, uma
garota vivendo a fase da pré-adolescência e um menino portador da Síndrome de
Down. A velha senhora acompanha esse dia da família Hart com estranhamento,
afinal aparentemente ela nunca foi casada e não tem filhos, dividindo sua
solidão apenas com sua gata de estimação. O ápice do incômodo acontece quando o
casal começa a dançar com os filhos, uma cena irônica, mas que deixa latentes
os diferentes universos em que essas duas professoras vivem. Será mesmo? Mesmo com o momento feliz que presencia,
Barbara sente que existe algo errado na vida da nova amiga, mas sua ligação com ela
não é por pura amizade, mas um sentimento maior, algo que poderia se tornar um
escândalo se viesse à tona. Todavia, a verdadeira bomba que viria a estourar
acaba se tornando o trunfo que a velha professora precisava para dar uma
guinada na sua vida. Por um acaso ela flagra Sheba em uma situação
comprometedora com Steven Connolly (Andrew Simpson), um estudante de apenas 15
anos. Barbara não esconde o que viu da amiga e esta então começa a despir-se da
máscara de mulher realizada. Sheba afirma que não se sente feliz, que seu
casamento sofre com o marasmo e que há anos dedica-se em tempo integral ao
filho deficiente, assim ela abriu mão de sua própria vida, mas quando o jovem
aluno começou assediá-la passou a ver uma esperança para voltar a ter o prazer
de viver. Sem perceber, a professora acaba caindo nas mãos de Barbara que se
alimentando dos detalhes picantes da relação proibida da amiga e dos seus
anseios por uma vida diferente passa então a cercá-la de todas as formas e
praticamente exigindo sua dedicação integral como se fosse uma companheira não
só em termos afetivos, mas também sexual. Sim, possivelmente virgem e
homossexual reprimida, a sisuda educadora começa a abusar emocionalmente da
amiga, mas sua chantagem é velada, tanto que quando o caso com o estudante
torna-se público Sheba acaba sendo acolhida na casa dela, assim Barbara, de
forma patológica, sente finalmente estar vivendo uma relação amorosa. Embora
estas duas personagens femininas sejam extremamente fortes e suas intérpretes
as defendam com o mesmo nível de intensidade é Dench quem leva o crédito de
protagonista. É sua personagem quem narra a historia, bem servida de momentos
tensos e claustrofóbicos, como se fosse a locução dos escritos de seu diário no
qual ela anota seus pensamentos, angústias, desejos e críticas ácidas às
pessoas, não poupando nem mesmo sua “namorada” cujo deslize moral acaba sendo a
ferramenta de manipulação da outra que se sente instigada a escrever seus
devaneios a respeito de uma relação platônica com riqueza de detalhes e um
realismo ímpar. Ironicamente, ela tem a infantilidade de classificar seus dias
atribuindo a cada um deles estrelinhas douradas de acordo com a intensidade dos
acontecimentos que podem variar de terríveis a sublimes.

É interessante observar que o
longa procura concentrar suas atenções nesta relação homossexual fantasiosa e
só mais na reta final se preocupa em traçar o drama de Sheba e sua
instabilidade com a família após o escândalo, uma cadência de emoções
irrepreensível e também uma esperta artimanha para que o espectador não tenha
tempo de parar e pensar no conflito que deu origem a tudo isso. Duas mulheres
mantendo um relacionamento, uma delas idosa e a outra com filhos, ambas que
perante a sociedade deveriam ter cuidado redobrado com suas reputações visto
que são responsáveis pela educação de adolescentes e teoricamente serviram de
bons exemplos, esses já são conflitos suficientes para inflamar a tradicional
sociedade britânica e porque não dizer impactar negativamente pessoas de
qualquer parte do mundo, portanto, o acréscimo do tema abuso sexual a menores
poderia trabalhar contra o longa, afinal esse já seria um crime realmente e
abre frente para muitas discussões. Questões acerca da pedofilia acabam ficando
em segundo plano, até porque Marber acha uma resolução plausível para afastar o
jovem Steven da trama principal. Aliás, por uma das várias coincidências que
ocorrem no mundo do cinema, este filme também poderia receber o nome de
Pecados Íntimos, este que veio a batizar
uma outra produção da safra de premiações de 2007 que também coloca em xeque os
temas traição, infelicidade e pedofilia. A repetição de temáticas com enfoques
diferentes, mas personagens profundos e realistas em proporções semelhantes,
tem justificativa, pois são problemas muito presentes nas sociedades. Outrora
varridos para debaixo de tapetes, no século 21 os conflitos do tipo somam
números gigantescos de forma que escondê-los é quase impossível e o cinema está
aproveitando bem a sacudida na poeira mexendo com a emoção e o psicológico dos
espectadores, geralmente de forma leve, mas as obras que marcam são aquelas que
não têm medo de ferir como é o caso de
Notas Sobre um Escândalo. Com um
ritmo rápido, mas coerente com as emoções que crescem gradativamente e se
intensificam com uma trilha sonora caprichada, o espectador rapidamente se
sente íntimo das personagens femininas e chega ao ponto de não conseguir
julgá-las. Nenhuma delas é vilã, tampouco mulheres que merecem compaixão,
simplesmente representam seres humanos comuns que em busca da felicidade erram
sem pensar nas consequências. Depois, para se redimirem, fatalmente precisam
abrir mão de algo, mas a vida continua como evidencia a última cena que
infelizmente resgata um velho clichê hollywoodiano, mesmo sendo uma produção essencialmente
britânica. Com referências que lembram longas consagrados como
Beleza Americana e
As Horas, por acaso dirigidos por contemporâneos e conterrâneos de
Eyre, esta é uma pequena obra-prima sem dúvidas.
Drama - 92 min - 2006
Nenhum comentário:
Postar um comentário