segunda-feira, 21 de março de 2016

O APANHADOR DE SONHOS

NOTA 2,0

Baseado em obra de Stephen King,
longa engana com seu título, é
confuso, uma mistura de gêneros
e abusa de violência e escatologia
Quem é realmente aficionado por cinema certamente já não cai mais na armadilha da frase “baseado na obra de Stephen King” ou algo do gênero. Agora quem não é muito aprofundado no assunto as chances de se arrepender ao acreditar em tal golpe de publicidade são bem grandes. O famoso autor de livros de suspense, horror e alguns poucos dramas já teve boa parte de suas publicações adaptadas para o cinema, mas nem sempre os resultados em película foram satisfatórios. O Apanhador de Sonhos é um exemplo que se encaixa na lista dos equívocos. A proposta inicial era realizar um suspense cujo estopim seria a presença de criaturas alienígenas entre os humanos, algo já bastante explorado pela sétima arte, mas o problema é que além de enfadonho este trabalho ainda conta com cenas grotescas, efeitos visuais duvidosos e na reta final aposta no que há de pior dos clichês dos filmes de terror. Se a obra literária é semelhante a sua versão cinematográfica certamente King não estava em seus melhores dias. Aliás, ele escreveu o livro em 1999 enquanto se recuperava de um atropelamento, não era um momento favorável. O roteirista William Goldman já havia explorado o universo do escritor um ano antes ao adaptar seu livro Lembranças de um Verão, mas nesta nova empreitada se deu mal. A introdução promete algo interessante. Jonesy (Damian Lewis), Henry (Thomas Jane), Beaver (Jason Lee) e Pete (Timothy Olyphant) são amigos há muitos anos e parecem ter uma espécie de ligação telepática. Em flashbacks os conhecemos na fase da pré-adolescência quando eles acabam realizando um ato heróico ao salvarem o deficiente mental Douglas (Donnie Wahlberg na fase adulta do personagem) de uma situação humilhante provocada por alguns adolescentes valentões. Duddits, como se autodenomina, acaba sendo acolhido pelo grupo e em troca oferta a cada garoto algum tipo de poder paranormal. Os minutos iniciais mostram como o quarteto já adulto lida com esses dons, o que poderia indicar que um bom suspense psicológico está começando a ser construído. Logo em seguida um atropelamento que não acrescenta nada à trama já nos faz repensar as expectativas, mas vamos em frente. O grupo de amigos, com exceção de Duddits que nunca mais foi visto, tem o costume de se reunir anualmente para caçar nas florestas geladas do Maine, nos EUA, mas desta vez a viagem será muito diferente. Uma enorme nevasca atinge a região e coincidentemente um estranho caçador aparece na cabana dos rapazes pedindo ajuda, mas sem desconfiar da doença que carrega consigo, algo literalmente de outro mundo.

Ao que tudo indica o garoto deficiente que o quarteto ajudou no passado é a peça fundamental para salvar o mundo de uma invasão alienígena. Agora os rapazes precisam impedir que pessoas inocentes morram, inclusive eles próprios, já que estão presos justamente em uma área de isolamento militar defendida pelo Coronel Abraham Curtis (Morgan Freeman). Apresentando a trama dessa forma ela até parece aceitável e compreensível, mas infelizmente o longa dirigido por Lawrence Kasdan, também coroteirista, acabou semelhante a um filme B esquecível. Diretor de bons filmes no passado, como Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração e O Turista Acidental, ele até demonstra inicialmente envolvimento com este trabalho, mas parece que a certa altura ele joga tudo para o alto e toca o filme com desprezo. Como já dito, o início é muito bom, explora razoavelmente os personagens principais, deixa um clima de mistério no ar, assim como algumas perguntas, pena que elas não são respondidas mais a frente. Até a chegada do visitante misterioso o longa prende a atenção, mas quando ele decide usar o banheiro o caldo entorna de vez. Parece cômico? E realmente gargalhadas serão muito comuns deste ponto em diante, mas dividirão vez ou outra espaço com alguns pulos de sustos. Kasdan faz uma mistura surreal de gêneros. Ficção científica, trash movie, suspense psicológico, ação e até toques de filmes de guerra. Percebe-se que seus realizadores tentaram levar o projeto a sério, mas é praticamente impossível acompanhar tal trama com expectativas positivas. Apesar de existirem alguns fervorosos fãs de fitas sobre alienígenas malvados, o número de espectadores que rejeitam a temática certamente é bem maior, assim mesmo com a publicidade de ser baseado na obra de King é difícil embarcar em tamanho absurdo. Para piorar o conjunto, o diretor infelizmente aposta em cenas grotescas e escatológicas, além dos tais seres alienígenas terem um design ruim que não assusta, mas provoca asco assim como a maioria das sequências que não precisam nem ser explícitas. Não é nada agradável imaginarmos um extraterrestre saindo de um corpo humano por um orifício que a boa educação nos manda manter bem escondidinho, se bem que há uma lógica nisso. Se é por lá que o corpo exclui tudo que o organismo rejeita... Pode parecer preconceituoso aos adeptos da temática, mas realmente a partir do momento em que a ameaça alienígena ganha forma gelatinosa, gosmenta e passa a rastejar pelos cantos ou crescer demasiadamente em questão de segundos, é sensível a queda no nível da trama que passa a sobreviver de mortes, sangue e escatologia. As cenas são longas e previsíveis, faltam elementos surpresas, e por se tratar de algo baseado em um livro, no qual a atenção do leitor deve ser mantida até as últimas páginas, espera-se mais do filme. Bem, isso se você não desistir ao ver os aliens com bocas cheias de dentes como se fosse uma planta carnívora. Ao nos depararmos com imagens como essas nos perguntamos como ainda alguém em sã consciência pode financiar projetos do tipo que geralmente são cobertos de críticas negativas ao menor sinal de que ganharam sinal verde para serem realizados.

A discussão sobre a presença ou a ilusão de vida fora do planeta Terra ainda gera repercussão e pode render bons filmes, mas esta história dos E.T.s aterrissarem por aqui com intenções de acabar com os humanos já deu o que tinha que dar. E nem mesmo a tão famigerada tecnologia ajuda a dar um gás nestes casos. Parece que quanto mais os recursos técnicos avançam, piores ficam os modelos visuais dos alienígenas. Os criados para este trabalho se assemelham mais as criaturas grotescas que protagonizavam filmes de baixo orçamento nos anos 80 e início dos 90 que serviam somente para rechear prateleiras de locadoras e tapar buracos nas programações dos canais de TV. E a justificativa do título? Pois é, ganha um doce quem descobri-la. Tais palavras se referem a um artefato utilizado pelos índios nativos americanos para capturar pesadelos, deixando o caminho aberto para os sonhos bons surgirem, mas ele nada poderia fazer contra os males do corpo físico. O objeto é adotado pelos garotos desde o encontro com Duddits, mas tal gancho não traz nada à narrativa. Sua função, com um pouco de esforço, talvez sim em termos de alusão. Presas em uma cabana isolada em meio ao clima congelante, este é o cenário ideal para as pessoas liberarem seus piores pesadelos e a invasão alienígena poderia ser vista então como uma metáfora destes pensamentos. Realidade ou imaginação? E quem teria o poder de aprisionar essas ameaças? Seria bacana se ao chegarmos ao final víssemos a conclusão deste viés, mas infelizmente chegamos a tal momento já fatigados de tanto sangue, violência e dúvidas. Não é surpresa alguma que Duddits aparece só no finalzinho para dar um jeito nisso tudo. Filme B embalado como superprodução, O Apanhador de Sonhos realmente teve um orçamento considerável para ser gasto, mas tais recursos não parecem terem sido utilizados com sabedoria. Qualquer pequena produção trash poderia conseguir resultado semelhante. Fora as locações escolhidas no Canadá e a iluminação e a fotografia que captam com perfeição o gélido ambiente, o resto da grana deve ter sido usada no cachê do diretor e do veterano Freeman, dois nomes de peso perdidos em algo descartável. Curiosidade: fracasso em seu lançamento, faturando nos EUA menos da metade de seu custo total, a Warner o lançou, ao menos no Brasil, divulgando um curta-metragem baseado na franquia Matrix. Diga-se de passagem, o próprio King pediu uma quantia muito modesta para ceder os direitos autorais aos produtores e mais uma vez ver seu nome atrelado a um filme. Isso que é confiança em um produto!

Terror - 136 min - 2002

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