sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA - O INÍCIO

NOTA 5,5

Com pretensões de explicar o
passado de Leatherface, longa
é apenas uma desculpa para
um show de carnificina e tortura
Em 1974, o cineasta Tobe Hooper pegou de surpresa o público com um filme chocante. Um grupo de jovens perdido em uma região afastada passa a ser atacado por um assassino cruel que mutila suas vítimas com a ajuda de uma serra elétrica. Quem ouviu o ruído na época até hoje sente calafrios na espinha, até porque O Massacre da Serra Elétrica não era um simples filme de terror sobre um serial killer, mas continha críticas ácidas à Guerra do Vietnã (servindo a mensagem para outros conflitos) e espetadas ao comportamento das sociedades da época como na antológica cena do jantar antropofágico. A ideia era criticar a crueldade do ser humano, uma variação do conflito entre civilização e barbárie, a soberania dos “homens de bem” enfrentando a fúria e a loucura dos rejeitados. Com baixo orçamento e direção e elenco amadores, o longa tornou-se um cult movie e ganhou algumas continuações, uma inclusive equivocada do próprio Hooper achincalhando sua obra, e em 2003 a produção ganhou um remake que não causou o mesmo impacto que o original, mas pelo menos passou bem longe do lixo que muitos esperavam. Como é de praxe no gênero do terror, não demorou muito e o assassino grandalhão e desfigurado munido de sua moto-serra estava novamente em ação, mas desta vez em uma produção que conta suas origens. Bem, pelo menos era essa intenção. O Massacre da Serra Elétrica – O Início só por se tratar de um prequel (filme que mostra eventos anteriores ao da obra original) já nasceu estigmatizado a ser criticado duramente, mas quem curte filmes do estilo costuma aprovar o trabalho do diretor Jonathan Liebesman, do péssimo No Cair da Noite, que procurou ao máximo ser fiel a atmosfera e a cadência de eventos do remake assinado por Marcus Nispel. Pontinhos positivos pela lição de casa bem feita. Felizmente tais opções salvaram o filme de ser um verdadeiro engodo. Sim, o longa pode não cumprir satisfatoriamente seus reais objetivos, mas o show de carnificina explícita está garantido.  O início da trama se passa no final da década de 1930 mostrando uma mulher grávida trabalhando sob condições precárias em um abatedouro no Texas e é justamente nesse lugar fétido que ela dá a luz ao seu filho e não resiste. A criança é salva por Luda Mae Hewitt (Marietta Marich) e passa a ser criada também pelo xerife Hoyt (R. Lee Ermey), Montgomery (Terrence Evans) e Henrietta (Kathy Lamkin), um grupo um tanto bizarro. Bem, criado é modo de falar, pois na verdade Thomas Lewitt (Andrew Bryniarski) se tornou um adulto violento e irracional graças a infância e a adolescência repletas de abusos emocionais e físicos que sofreu de seus tutores, pessoas completamente doentias. O período de juventude do futuro Leatherface (cara de couro, apelido em referência a máscara que ele comumente utiliza para esconder suas deformidades faciais congênitas) não é apresentado, sendo que a narrativa pula de seu nascimento já para sua fase adulta.

A primeira morte provocada por Leatherface ocorre dentro do próprio abatedouro onde nasceu e frequentou assiduamente durante os seus trinta anos de vida. A vigilância sanitária está fechando o estabelecimento e exige que Thomas, então um funcionário do local, se retire, mas o grandalhão não dá ouvidos até que um dos agentes passa a ofendê-lo e recebe como castigo uma morte a golpes de marretadas. Em seguida, o roteiro de Sheldon Turner e David J. Schow segue o caminho comum as produções sobre seriais killers. Somos apresentados ao grupo de jovens que serão as vítimas do assassino que desta vez parece muito mais sádico, influência direta das ações das pessoas que o criaram que também tem uma participação mais ativa neste prequel. Dois jovens estão cruzando o estado do Texas em companhia de suas namoradas, mas Dean (Taylor Handley), Bailey (Diora Baird), Eric (Matt Bomer) e Chrissie (Jordana Brewster) acabam sofrendo um acidente e ficam perdidos em lugar aparentemente deserto. Tal qual aconteceu nos longas original e remake, o grupo é encontrado pelo xerife (que na realidade roubou tal distintivo) e são levados para uma verdadeira sessão de tortura. Somente Chrissie consegue se esconder, provavelmente por sua intérprete ser o nome razoavelmente mais conhecido do elenco e, portanto, alçada automaticamente ao posto de protagonista. Obviamente ela vai tentar socorrer seus amigos e não escapará da demência de Leatherface e seu clã. Com a saturação em que se encontra o subgênero do terror de slashers (outra alcunha para seriais killers), é previsível que as mortes não assustem de maneira satisfatória, até porque o barulho da serra já antecipa as ações, mas Liebesman compensa caprichando na violência psicológica e no sadismo dos atos, aproveitando o gancho de que a dupla de jovens rapazes estava a caminho do Vietnã para lutarem na guerra, uma maneira de criar um vínculo entre o prequel e o cenário histórico do longa setentista, mais uma boa sacada do diretor para não fugir do contexto que cerca o mitológico assassino. Assim, o personagem de R. Lee Ermey, revivendo seu papel no remake assim como outros membros da família sádica, se diverte humilhando e literalmente esfolando suas vítimas tal qual um sargento do exército. Apesar dos esforços para que o filme fosse encarado com seriedade, contando inclusive com uma cenografia, maquiagem, fotografia e ângulos de câmera bem interessantes e que deixam em evidência o clima de desespero e desolação propícios à trama, é certo que a produção não consegue ir além de uma desculpa para uma sequência de cenas de tortura e sanguinolência. Até o jantar antropofágico da primeira versão foi adaptado. Contudo, falhas e desvio de foco são pontos que depõem contra o filme.

A maior parte das cenas em que o clã tutor de Leatherface aparece tem um equivocado tom de comédia. Em meio a tensão de estar recebendo um grupo de estranhos em casa e sabendo com os homens da família são esquentadinhos, não é muito crível que duas senhoras sentem-se tranquilamente a mesa da cozinha para conversarem e tomarem um chá, por mais desequilibradas que sejam. Em outra sequência, Leatherface é obrigado a amputar a perna ferida de Montgomery e eis que o xerife tem a brilhante ideia de simplesmente limar com a outra que estava em perfeito estado simplesmente para nivelar as coxas do homem. Sentiu o drama? Além disso, temos alguns motoqueiros que entram na história só para aumentarem as estatísticas de vítimas fatais, o loiro Dean faz jus as piadas a cor de seus cabelos ao deixar passar a oportunidade matar Hoyt e Leatherface perde aos olhos do público o pouco que tem de ser humano ao conseguir sair praticamente sem um arranhão sequer das várias tentativas de ataque que sofre, lembrando que as raízes e a história de vida do personagem têm muito mais a oferecer que a maioria dos seriais killers que surgiram depois dele. Só para situar os viajantes, o assassino em questão e seu universo macabro têm origens na história real de Edward Theodore Gein, ou simplesmente Ed Gein, que foi julgado no final dos anos 60 pela morte de duas mulheres, mas dizem que sua lista de vítimas é bem maior. Os problemas psiquiátricos dele seriam frutos dos cuidados exagerados de sua mãe, uma fanática religiosa que fazia o que podia para privar os filhos de qualquer contato social. Com a sua morte, Gein sentiu-se desamparado, enlouqueceu, teria matado o próprio irmão e então passou a desenterrar corpos humanos e depois a caçar pessoas vivas, principalmente mulheres, mutilá-las e guardar certas partes de seus corpos. Esta é uma das teorias que teriam levado Hooper a criar a trama de massacre que chocou o público nos anos 70 e a mesma que teria inspirado a criação de outros lendários vilões psicóticos tanto do cinema quanto da literatura. Como diz o ditado, quem conta um conto aumenta um ponto, hoje é difícil dizer qual seria a inspiração real da obra original e demais filmes oriundos, por isso não espere de O Massacre da Serra Elétrica – O Início tal conclusão, até porque o prequel, como já dito, desperdiça um período de vida crucial na definição da personalidade de Leatherface preferindo partir logo para o que interessa ao seu público-alvo. Uma pena. Foi jogada fora uma boa oportunidade para dar uma nova imagem a um personagem que por mais amedrontador que seja fisicamente e em seus atos com o tempo acabou virando uma figura de achincalhe. Assim, temos aqui um produto que simplesmente dá uma repaginada a algo já pronto e aprovado e ficamos na expectativa de saber quem será a próxima vítima e se sobrará alguém para contar tal história bizarra. E o pior de tudo é chegar próximo do fim e ainda não ter definido para quem vai a sua torcida: mocinhos ou vilões? Todos são personagens nada carismáticos, mas ao menos a turma da pá virada nos diverte com sua perversidade doentia.

Terror - 92 min - 2006 

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