NOTA 7,0 Drama aborda doença infantil sem cura, mas deixa de lado a choradeira para fazer críticas ao capitalismo e ao universo científico |
Os campos
da ciência e da medicina estão sempre em constantes avanços quanto o combate e
a cura de doenças, mas paralelo a isso os males não dão trégua e frequentemente
ficamos estarrecidos com novas ou até mesmo antigas mazelas que conhecemos
através da mídia. Em um primeiro momento podem parecer casos isolados, mas é
espantoso como existem pessoas espalhadas pelo mundo sofrendo com problemas de
saúde que poucos conhecem e o cinema acaba se tornando uma ferramenta
importante para divulgar essas informações, prestando assim importantes
serviços sociais. Quem se aventura a explorar assuntos do tipo coloca a arte
cinematográfica em um outro patamar. É quase como um serviço voluntário. Embora
atores e todos que atuam atrás das câmeras recebam seus cachês pelos serviços prestados,
é certo que os mesmos não esperam que o filme conquiste lucros animadores. Sim,
existe um preconceito com produções que abordam doenças, ainda mais quando as
vítimas são crianças. É desse mal que sofre Decisões Extremas,
competente drama que tinha tudo para dar certo, a começar por contar nos
créditos com os atores Brendan Fraser e Harrison Ford, mas que praticamente em
todo o mundo foi lançado diretamente em DVD devido a rejeição que filmes
relacionados a problemas de saúde somatizam. Baseado no livro “A Cura”, da
jornalista vencedora do prêmio Pullitzer Geeta Anand, que por sua vez é
inspirado em fatos reais, o longa mostra a emocionando batalha de um homem para
salvar a vida de seus filhos, mas que acabou trazendo benefícios para milhares
de outras crianças. John Crowley (Fraser) e sua esposa Aileen (Keri Russell)
fazem de tudo para dar uma vida normal e com qualidade aos pequenos Megan
(Meredith Droeger) e Patrick (Diego Velazquez), respectivamente com oito e seis
anos de idade, que são portadores da doença de Pompe, uma enfermidade genética
que compromete os músculos, deixando-os enfraquecidos, e os órgãos internos,
que podem ter seus tamanhos ampliados significativamente. Segundo estudos,
poucos pacientes com este diagnóstico conseguem passar dos nove anos de idade.
Curiosamente, o filho mais velho do casal, John Jr. (Sam M. Hall), nasceu
completamente saudável. Correndo contra o tempo, Crowley tenta entrar em
contato com o conceituado pesquisador Robert Stonehill (Harrison Ford), que já
está empenhando na busca da cura dessa doença, mas todas as suas tentativas
falham.
Sem muitos
rodeios, o roteiro de Robert Nelson Jacobs, indicado ao Oscar por Chocolate, já logo na introdução parte
para o que interessa. Megan está completando exatamente seu oitavo aniversário
e não demora muito para que ela tenha uma grave crise que a leva ficar em
observação no hospital, o estopim para Crowley ir procurar pessoalmente o Dr.
Stonehill. O pesquisador é um tanto sisudo e não pensa duas vezes antes de
acabar com as esperanças deste pai desesperado afirmando que o problema para
dar continuidade ao projeto que busque ao menos uma medicação que diminua os
efeitos da Pompe é a falta de recursos financeiros. Crowley imediatamente o
convence de que faz parte de uma associação que arrecadará fundos para esta
finalidade, mas terá que se empenhar para conseguir as doações e se
surpreenderá ao ver as proporções que esta história tomará, mexendo com os
bastidores da indústria farmacêutica e os interesses de quem investiu dinheiro.
Podem dizer que as cenas que mostram o sofrimento da família é um tanto piegas,
mas o longa justifica sua existência com a ótima visão que apresenta sobre como
a ganância pode alterar os rumos de projetos de suma importância e para atingir
um bem comum. Ford, também produtor do longa e atuando com vigor como há muito
não se via, e Fraser, provando que tem jeito para papéis mais sérios, travam
diálogos repletos de críticas a grandes corporações que se engajam em projetos
sociais visando primeiramente “ficarem bem na fita”, assim muita vezes
colocando em xeque a seriedade de tais ideias. Por exemplo, logo na primeira
conversa entre o pai e o cientista, Stonehill diz que a universidade para a
qual presta serviços gasta muito mais com o salário do técnico do time de
futebol da instituição do que com todo o departamento de pesquisas que ele
dirige. Vale mais a pena uns troféus e medalhas a curto prazo do que uma menção
honrosa nos jornais após anos de tentativas frustradas até chegar a um
medicamento satisfatório, mas que ainda precisa ser amplamente testado antes de
chegar ao consumidor final? Realmente tempo é dinheiro em qualquer lugar. Quem
investe quer algum tipo de lucro e de preferência rapidamente. Além das dúvidas
que envolvem retornos financeiros, ainda existe a guerra de egos. As pesquisas
em torno de um tipo de enzima para a fabricação do medicamento que não promete
a cura completa, salvo se administrado desde a infância, mas ao menos garante
melhoras consideráveis no estado de saúde do paciente, acaba atraindo muitas
outras equipes de pesquisadores e obviamente a que conseguisse chegar ao melhor
resultado faria questão da patente registrada do remédio o que irrita Stonehill
que chega a se desligar do projeto colocando seu orgulho a frente de tudo. Como
o próprio Crowley esbraveja a certa altura, ele prefere continuar tendo ideias,
mas sem colocá-las em práticas, desta vez por querer levar a fama sozinho.
Deixando
em segundo plano as cenas tristes e evitando emocionar demais até o espectador
sentir vontade de lacrimejar, o filme ganha pontos por não ter o interesse de
apenas explorar um tema pouco conhecido, mas sim escancarar o jogo de
interesses que existe por trás de qualquer atividade, o que em casos que lidam
com saúde e bem-estar social deveriam ser considerados crimes. Ao que tudo
indica salvar vidas não é uma prioridade para as organizações que se gabam de
incentivar pesquisas científicas. O negócio é construir uma bela imagem em
torno do nome da instituição e atender as regras do capitalismo. Um pai
desesperado que pode perder dois filhos a qualquer momento não é o bastante
para amolecer o coração de investidores. Eles querem resultados para eles
mesmos em primeiro lugar. Se investissem na busca do tal remédio, ele seria
lucrativo? Pagaria seu investimento a curto prazo? Sendo um produto novo e
aguardado, poderiam lançá-lo a um preço superestimado? Haveria possibilidade de
um produto similar para fazer concorrência? Por essas e outras Decisões
Extremas é um tremendo cala boca para os espertinhos que gostam de
rotular filmes por seus títulos, peças de marketing ou por seu nível de exposição.
Emotivo no início e na conclusão, o longa do diretor Tom Vaughan, de Jogo de Amor em Las Vegas, surpreende
por em seu recheio adotar o universo frio e calculista do mundo dos negócios
fazendo o espectador por vezes até esquecer-se em partes do drama da família
Crowley. E a opção de ver o outro lado da questão não poupa nem mesmo o
protagonista, cujo personagem da vida real cedeu consultoria à produção.
Intimamente envolvido nas pesquisas, é claro que ele queria que seus filhos
servissem de cobaias para o teste do medicamento, mas ai ele esbarra no que se
chama de conflitos de interesses, ou seja, mancharia a imagem de todos os
envolvidos ao propor a criação de um remédio para benefício próprio e não
pensando especificamente nos milhares de outros enfermos. Com uma premissa
semelhante ao famoso O Óleo de Lorenzo,
este drama pega leva com as emoções, poupando o elenco infantil de cenas
impactantes ou que lhe exigissem demais emocionalmente e deixando no final um
clima de otimismo contagiante. Não é um dos melhores longas de seu subgênero,
mas é uma boa opção para se assistir e debater com toda a família e que
alimenta a esperança de pessoas que sofrem com doenças consideradas incuráveis.
Sempre há esperança enquanto existe vida.
Drama - 105 min - 2009 - Dê sua opinião abaixo.
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