quarta-feira, 12 de agosto de 2020

CONFIA EM MIM


Nota 3 Apesar do apuro técnico, longa exagera nos clichês e engessa seus protagonistas


Na época de seu lançamento amparado por uma propaganda maciça na televisão, Confia em Mim de fato é um trabalho que mais parece o compacto de uma novela. A estreia do diretor Michel Tikhomiroff técnica e esteticamente cumpre suas funções, mas seus problemas vão desde as atuações estereotipadas, passando pelo roteiro atropelado até chegar na direção inconsistente, ou seja, a produção é falha em seus pilares de sustentação. Não há tempo suficiente para amadurecer situações e personagens e tudo é muito previsível desde a introdução que tenta vender a ideia de uma açucarada comédia romântica. A jovem Mari (Fernanda Machado) é subchefe de um restaurante, mas parece frustrada profissionalmente, sempre tendo suas ideias rejeitadas pelo patrão Edgar (Fábio Herford), e também não mantém um bom relacionamento com Beatriz (Clarissa Abujanra), sua mãe que ao que tudo indica é milionária. Todavia, seus problemas aparentemente são solucionados ao conhecer o simpático Caio (Mateus Solano) durante uma degustação de vinhos. O rapaz demonstra ter se apaixonado à primeira vista e seus sentimentos são correspondidos. 

O romance caminha a passos largos, com direito a planos de dividirem o mesmo teto, mas o caldo entorna quando a garota é incentivada pelo namorado a abrir seu próprio restaurante e ele, com toda pose de empresário de sucesso, iria ajuda-la com a parte burocrática e administrativa, todavia acaba sumindo com o dinheiro que ela tomou emprestado da mãe. Mari agora não tem apenas uma dívida financeira a honrar, mas também um acerto de contas consigo mesma, algo que só irá conseguir colocando seu grande amor atrás das grades. Em quantas madrugadas de insônia você já encontrou um filmeco do tipo tapando buraco na TV? Fazer cinema no Brasil não é uma tarefa fácil, que dirá investir em um gênero sem tradição. A coragem de Tikhomiroff em procurar caminhos diferenciados merece admiração, mas isso não é o suficiente para encobrir os problemas de seu filme, a começar pela trama que é desenvolvida sem muita cadência. Ela demora a pegar ritmo, as ações acontecem a passos ligeiros e sem tempo para aprofundamentos e os clichês batem ponto por minuto. Como obras do tipo raramente são feitas no país, o roteirista Fábio Danesi parece acreditar que descobriu uma nova fórmula para o cinema nacional, mas os espectadores já escaldados de suspenses meia-boca ianques sabem prever antecipadamente o que vai acontecer.


Os possíveis conflitos dos coadjuvantes não acrescentam nada à trama, nem mesmo a entrada de Paula (Patricia Pichamone), uma das vítimas do golpista, agitam as coisas a ponto de injetar adrenalina. Suas participações poderiam ter sido limadas na sala de edição e assim  o espectador seria poupado do constrangimento diante de diálogos um tanto artificias. Por que Mari e a mãe não se dão bem? A qualquer momento Teresa (Fernanda D’Umbra), a melhor amiga da cozinheira, pode mostrar não ser tão confiável?  Edgar, que demonstra certa inveja do talento de sua funcionária, estaria atrelado ao plano de Caio? Estas são algumas situações que poderiam ter sido exploradas, mas o diretor preferiu jogar todas as responsabilidades nas costas dos protagonistas. A atriz tenta construir um perfil crível, mas a ingenuidade que imprime ao longo da narrativa não casa com o estilo independente de Mari apresentado na introdução. Já o ator convence como o sedutor canastrão, mas em alguns momentos é impossível não se lembrar do Félix, seu célebre personagem na novela "Amor à Vida". Pode não repetir os trejeitos da bicha má, mas o instinto perverso e a genialidade para golpes marcam mais uma vez a atuação do galã.  A produção como um todo se assemelha bastante a um folhetim de TV, ou melhor, até produções da telinha têm buscado mais veracidade. A fotografia, a iluminação e a direção de arte são perfeitos demais e criam uma estética falsa de beleza e harmonia. 

Cenas passadas no ambiente de trabalho de Mari, por exemplo, poderiam ter sido melhor trabalhadas tanto na parte visual quanto narrativa. Cozinha organizada demais à parte, Tikhomiroff deveria ter buscado o contraponto entre a inquietação sentimental da cozinheira e a busca pela perfeição na confecção de seus pratos, mas os diálogos travados no restaurante são tão rasos quanto um pires. Ao contrário de muitas produções nacionais que buscam um diferencial, seja para trazer algo novo ao espectador ou simplesmente satisfazer o ego de seus realizadores, Confia em Mim não carrega nenhum traço autoral, alguma característica que marque o filme individualmente ou que possa sinalizar algum estilo de seu diretor. O problema não é só a estética limpinha demais ou os coadjuvantes insossos. A concentração no casal principal também tem seus altos e baixos. O romance a jato ensaiado no primeiro ato não convence, talvez porque os próprios atores estivessem na expectativa da virada da trama para o suspense policial. 


Tikhomiroff consegue criar algumas situações interessantes, como o aparecimento de uma suposta filha de Caio para amolecer ainda mais o coração de Mari ou a sequência em que a garota forja um encontro com o ex para instalar um programa de rastreio em seu celular, mas é pouco para fazer o longa sair do patamar do entretenimento ligeiro. Apesar da sensação incômoda do próprio espectador perceber erros ou imaginar soluções para aspectos que o diretor não se atentou, a obra entretém e tem seu valor por abordar uma problemática que, embora pareça incompreensível em tempos em que o acesso a informações está super democratizado, ainda acontece com muita frequência. Muitas mulheres ainda sonham com o par perfeito e ficam cegas quando caem na lábia de malandros, episódios que corriqueiramente acabam não só em perdas materiais, mas até mesmo em mortes. O final, ainda que forçado demais, também levanta uma outra discussão: vale a pena se corromper e combater maldades na mesma moeda? E assim, cheio de boas intenções, mas receio de ousar, Tikhomiroff parece deixar transparecer a ciência do ostracismo inevitável de seu primeiro trabalho. 

Suspense - 85 min - 2012

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3 – 4 Regular, serve para passar o tempo
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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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