quinta-feira, 9 de julho de 2020

FAMÍLIA DO BAGULHO

 

Nota 7 Azarados se unem para um golpe, mas acabam se reconhecendo como uma família


Encontrar a família perfeita até é um tema bastante comum no cinema. Agora, conseguir formar um clã disfuncional não é lá muito corriqueiro. Pois é isso que consegue o suposto patriarca de Família do Bagulho, uma deliciosa comédia que evoca certo quê de nostalgia, mas sem dispensar a modernidade. O bagulho do título tem função dupla. Além de expor que a trama acompanha a reunião de pessoas um tanto bizarras, também deixa claro que certa ervinha não legalizada é o elemento de união entre todas elas. David Clark (Jason Sudeikis) é um traficante pé-de-chinelo que após ser assaltado e ter praticamente todo seu dinheiro roubado fica em dívida com seu chefe, o excêntrico Brad Gurdlinger (Ed Helms). Para limpar sua barra, ele aceita a proposta de ir buscar uma pequena encomenda de maconha no México e para conseguir passar despercebido pelos oficias da fronteira decide alugar um trailer e contratar algumas pessoas para simular que estava de férias com a família. Assim ele convence seu vizinho Kenny (Will Poulter), um rapaz tímido e ingênuo, e a revoltadinha Casey (Emma Roberts), uma jovem que salva de uma briga de rua para fingirem serem seus filhos. Por fim, recorre a outra vizinha, Rose (Jennifer Aniston), uma stripper que está ameaçada de despejo, para que banque sua esposa e mãe amável. 

Adotando personalidades bem opostas as suas, eles então passam a responder como os Millers, o puro estereótipo da família tradicional estadunidense. O trajeto de ida não podia ser mais auspicioso, mas quando chegam ao destino é que os problemas começam. O que pensavam ser no máximo uma meia dúzia de pacotinhos de drogas na realidade era um imenso carregamento, assim eles precisam esconder a mercadoria por todo o veículo, incluindo colchões e geladeira. A volta então se transforma em um grande pesadelo com o quarteto fazendo de tudo para esconderem a bagagem. Da saída das terras mexicanas sendo perseguidos por traficantes rivais, passando pela triagem dos policiais rodoviários, estes despistados de formas hilariantes, eles também vão precisar se livrar do incômodo e escandaloso casal Edie (Kathryn Hahne) e Don Fitzgerald (Nick Offerman) que estão em viagem pelos EUA também a bordo de um trailer na companhia da filha Melissa (Molly Quinn). Da apresentação do perfil de cada um dos Millers, passando pela montagem da farsa até a travessia pela fronteira, o longa gasta menos de meia hora. A rapidez é para dar mais espaço ao que realmente interessa: os percalços para voltarem aos EUA em paralelo com o processo de autoconhecimento e para se reconhecerem como uma família de verdade. O roteiro de Bob Fisher, Steve Faber, Sean Anders e John Morris alia características do humor politicamente incorreto ao lugar-comum da família que apesar das diferenças consegue encontrar o equilíbrio e descobrir a importância do amor. 


Ao contrário do que acontece na maioria dos filmes roteirizados por várias cabeças, aqui não sentimos irregularidades na trama que segue linear do início ao fim, ainda que trabalhando em duas frentes. Ora temos os Millers se comportando como uma família exemplar, ora com suas reais personalidades pedindo respiro. O melhor de tudo é que a naturalidade e entrosamento do elenco nos faz relevar todos os exageros e situações improváveis que vivenciam. Para uma família tão bizarra tudo é possível. Aniston e Sudeikis já haviam dividido cenas em Caçador de Recompensas e Quero Matar Meu Chefe, mas aqui não são meros parceiros de trabalho e sim cúmplices que dividem o volume de piadas, assim como complementam as gags um do outro. O rapaz tem um excelente timing para comédia e demonstra traquejo para improvisar. Sua companheira também tem estas qualidades, mas ainda com o bônus do corpão de quarentona enxuta que exibe em trajes minúsculos mais de uma vez. Hilárias as cenas que escondem um pacote de maconha envolto em uma coberta como se fosse um bebê e quando fingem ser um casal liberal. Já Poulter está convincente como um jovem envolto a sérios problemas de relações sociais e protagoniza momentos de puro nonsense, como quando é picado por uma aranha em uma parte do corpo bastante delicada, além de protagonizar uma embaraçosa cena envolvendo sua mãe e a irmã de mentirinhas. Por fim, Roberts consegue compor uma típica adolescente rebelde e emburrada, mas nem por isso lhe faltam momentos divertidos.

O casal Fitzgerald também é digno de nota. Eles se apresentam como o oposto dos Millers, pessoas com vidas regradas e defensoras dos bons costumes, mas no fundo desejam experimentar o estilo de vida liberal de seus novos amigos. Sim, aos poucos Clark e Rose vão se despindo das personagens de honrados pais de família e passam a beber, fumar e até dão a entender que são adeptos de orgias sexuais. Provocada por estas situações, Edie precisa conter sua empolgação, principalmente na frente do marido que como ex-policial é um homem de poucas falas e postura rígida, mas nada que o impeça de também demonstrar libido quando lhe é dada oportunidade. Definitivamente, Família do Bagulho não é uma produção politicamente correta apostando em palavrões, consumo de drogas como um hábito comum e obviamente em situações evocando sexo. Contudo, nada muito ofensivo e completamente dentro do contexto conduzido de forma leve e alto astral pelo diretor Rawson Marshall Thurber, da comédia Com a Bola Toda. Ele pegou uma receita básica das comédias características deste início de século (homens quarentões que vingam suas frustrações na base do sexo, drogas e muitos xingamentos), mas soube inserir toques femininos e familiares. 


O conjunto acaba por oferecer uma agradável sensação de acompanharmos uma versão adulta e aditivada de Férias Frustradas. Por outro lado, infelizmente, o diretor abusa de alguns estereótipos que já perderam a graça faz tempo como a forma que o território mexicano é mostrado, um local sujo, bagunçado e que parece ser habitado apenas por bandidos ou figuras exóticas. O público, ao menos o americano, compareceu em peso aos cinemas para assistir esta comédia no fundo tradicional, mas embalada como um projeto transgressor. O resultado foi um lucro seis vezes maior que o seu limitado orçamento. "Nós Somos os Millers", na versão original e que serviria perfeitamente como título nacional, não é uma produção banal e tem lá sua mensagem benevolente. O clã de mentirinha é composto por pessoas solitárias e marginalizadas, mas a convivência forçada prova que não é preciso ter o mesmo sangue correndo nas veias para se ter parentes. Como curiosidade, além das várias referências a séries e filmes populares, nos créditos finais estão os erros de filmagem, entre eles uma brincadeirinha nostálgica para Aniston.

Comédia - 110 min - 2013

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