NOTA 8,5 Por trás da aparente inocência, longa fantasioso é cheio de mensagens subliminares usando um jogo de manipulação |
Muitos filmes sobre mundos
fantásticos foram lançados na década de 2000 impulsionados pelo sucesso de
obras literárias que ganharam suas versões cinematográficas como Harry Potter, O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia, mas quantas
dessas produções “menores” vão no futuro ganhar o status de clássicos estilo
sessão da tarde? Pois é, muita coisa bacana foi lançada nos últimos anos, mas a
rapidez com que seu ciclo de vida transcorre impossibilita que elas se tornem
marcantes, algo impulsionado pela repugnante cultura do imediatismo. Qual
seriam então os segredos dos clássicos infanto-juvenis dos anos 80 que ainda
povoam o imaginário de muitos adultos, a maioria que felizmente gostaria de
agora poder vivenciar as mesmas emoções de outros tempos junto com seus filhos
ou netos? As explicações mais óbvias seriam a ajuda da TV e das videolocadoras.
Filmes na telinha antigamente eram verdadeiras moedas de ouro, garantia de
muita audiência pelo ineditismo da ação, e se gostasse ou perdesse a hora ainda
teria a possibilidade de alugar na loja mais próxima, hábitos que certamente
colaboraram para a popularização de alguns títulos. Teoricamente, hoje esse
quadro ainda é possível, mas diante de tantas possibilidades de entretenimento
e a pressa do público em geral não há tempo para fomentar boca-a-boca sobre os
filmes, salvos aqueles que recebem o apoio da mídia em massa. Bem, isso é uma
discussão quente entre o tradicional e o moderno que não vem ao caso. Toda essa
introdução é para tentar resgatar um pouco do clima e do impacto que causou no
passado Labirinto – A Magia do Tempo, uma agradável aventura passada em
um reino fantástico que certamente faz parte da lista de filmes do coração de
muito marmanjo, porém, um trabalho que para conquistar novas gerações só mesmo
apelando para o valor sentimental que a obra representa. Vamos por partes. Além
de uma forcinha dos mais velhinhos comentando sobre as lembranças que o filme desperta
e o fato de ser uma obra de fantasia, o que pode aguçar a vontade de assistir a
este trabalho é a presença de Jennifer Connelly. Para muitos ela estreou em Uma Mente Brilhante, longa que lhe deu o
Oscar de atriz coadjuvante, mas na realidade ela já batalhava na profissão há
tempos e aqui aparece bem jovenzinha interpretando Sarah Williams, uma garota
que adora contos de fantasia. Certa noite seus pais saem e pedem para que ela
tome conta do seu irmão ainda bebê, Toby (mesmo nome da criança real, Toby
Froud, para facilitar a sua dinâmica com os atores), mas ela não parece muito
disposta e logo se irrita com seu choro. Num momento de raiva ela acaba
contando resumidamente para o pequeno a história de uma jovem que não suporta
mais tantas tarefas e deseja que os goblins, outra alcunha para duendes, levem
seu irmão embora. O conto faz parte do livro “Labyrinth”, um de seus
prediletos, e para finalizar ela ainda diz uma frase que jamais deveria nem ter
passado por sua mente: “eu quero que os goblins venham e o levem embora
agora!”.
Logo que percebe que Toby parou
de chorar Sarah corre para o quarto dele e então constata que desejos se
realizam sim. Aí surge mais um dos chamarizes da fita, a presença de David
Bowie, famoso cantor que outrora atacava de ator. Por seu visual extravagante e
trajetória profissional não é exagero dizer que ele é como uma Cher de calças.
Seu trabalho como ator possivelmente é desconhecido pelos mais jovens e aqui é
uma boa oportunidade para matar a curiosidade. Ele vive Jareth, o rei dos duendes,
que surge para Sarah afirmando que seu desejo foi atendido, mas como ela se
arrependeu resolve lhe dar uma chance de recuperar Toby. A adolescente terá
exatamente treze horas para atravessar o labirinto que dá acesso ao castelo dos
goblins onde o bebê foi aprisionado, mas se falhar a criança perderá a forma
humana para sempre e viverá como um duende. Sarah aceita o desafio, mas nem tem
ideia do quanto ele será difícil. Os portões e paredes mudam de lugar, existem
enigmas a serem desvendados e pelo caminho surgem muitas criaturas estranhas,
algumas que decidem ajudá-la e outras que estão a serviço de Jareth. Uma em
especial, Hoggle, um goblin-anão muito mal-humorado, decide colaborar em troca
de uma bijuteria, mas como tem medo do rei de seu povo ele acaba fazendo jogo
duplo e procura dificultar o trajeto da jovem. O roteiro de Terry Jones hoje em
dia pode parecer nada original afinal já estamos saturados de tramas passadas
em mundos paralelos, mas é preciso talvez acompanhá-lo mais de uma vez para
perceber seus predicados. Existem muitas mensagens implícitas tanto nos
diálogos quanto nas imagens. A introdução já traz uma revelação. Sarah está
vestida como uma princesa e recitando versos enquanto passeia por um ambiente
com ar medieval, mas logo que a chuva começa a cair percebemos que ela está em
um jardim comum e por baixo do traje de época ela usa calça jeans. Isso já
revela traços de sua personalidade. Apesar de ter 15 anos de idade, seu quarto
é repleto de cores e brinquedos, uma forma que ela encontra para viver imersa
em um mundo de fantasia e esquecer seu entediante cotidiano. Alguns de seus
bonecos inclusive ganham vida ao longo do filme e interceptam seu caminho pelo
labirinto, dica que é a chave do segredo do desafio: embora acredite que Jareth
é quem dita as regras do jogo, é a força da imaginação de Sarah que ditará o
percurso. Todavia, logo nos primeiro minutos temos uma coruja em destaque,
símbolo de sabedoria, e não demora muito para descobrirmos que ela na verdade é
a forma com que o rei dos goblins se movimenta pelo mundo real. É uma
simbologia interessante. A inteligência versus a inocência. É o velho jogo da
chantagem ou porque não do acordo com o Diabo. A adolescente sonhadora é uma
vítima perfeita para um perverso jogo de manipulação.
No conjunto, a trama lembra em
muitos aspectos os filmes O Mágico de Oz e
Alice no País das Maravilhas.
Realmente a premissa da busca de um objetivo atravessando um reino fantástico e
o amadurecimento conquistado diante dos obstáculos vencidos ao longo do trajeto
são pontos que estas três obras compartilham. Inclusive há até quem consiga
fazer analogias entre a relação de Sarah e Jareth com a de um manipulador e um
escravo, mas tal assunto é específico demais. Até as analogias mais simples
citadas no parágrafo anterior ficam difíceis de serem identificadas apenas com
o olhar de espectador de fim de semana. Bem, exposto o enredo, diga-se de
passagem, que dialoga muito bem com as produções fantasiosas lançadas nos
últimos tempos, qual seria o problema da obra atingir novos espectadores? Além
de todos os aspectos conhecidos que datam um filme (trilha sonora, penteados,
figurinos e até qualidade de som e imagem que por mais remasterizados que sejam
sempre preservam algum resquício de nostalgia), o grande calcanhar de Aquiles
da produção são os efeitos especiais. Em tempos em que eles são fatores
primordiais para o sucesso de um filme do tipo, deve causar repulsa ou risos os
recursos visuais utilizados, hoje precários, mas na época possivelmente uma
sensação. Pior ainda ver Bowie em clipes musicais dançando com seus
subalternos, uma estratégia para vender o disco produzido pelo cantor
especialmente para este trabalho. O estranhamento pode ser atenuado sabendo que
o diretor é Jim Henson, famoso pela criação dos bonecos Muppets, que criou a
história junto com Dennis Lee a partir de um desenho esboçado por Brian Froud
(ambos trabalharam juntos em O Cristal
Encantado, outro título que sofreria hoje por conta de seu visual pobre) no
qual um bebê era cercado por goblins (não é a toa que o filho do dono da ideia
original foi o escolhido para viver a criança raptada). Sim, ao contrário da
maioria dos produtos do gênero, este não nasceu das páginas de um livro, mas
simplesmente de uma reinvenção do mito dos goblins, figuras que fazem parte de
alguns contos de fadas menos populares, talvez porque suas histórias não tenham
ganhado a versão Disney para fortalecerem suas imagens. Posteriormente, o
roteiro foi transformado em livro e até em história em quadrinhos que não chegaram
a ser relançadas (quem tem um exemplar destes tem um suvenir que vale ouro).
Voltando à introdução nostálgica, realmente Labirinto – A Magia do Tempo acabou
virando um clássico graças a boa e velha tática da repetição, já que
infelizmente quando lançado nos cinemas não foi bem recebido, detalhe que
contradiz a sua fama atual. Sendo o último trabalho dirigido por Henson, ele
acabou falecendo amargando duras críticas da imprensa e consequentemente a
aversão do público, mas como diz o ditado “o tempo é o senhor da razão” e felizmente
esta aventura com o passar dos anos teve suas qualidades reconhecidas. E daqui
para frente? Vamos perpetuar essa magia?
Aventura - 101 min - 1986
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