sexta-feira, 2 de outubro de 2020

GRITOS MORTAIS


Nota 7 Mesmo cheio de clichês, terror assusta com trama acima da média e atmosfera gótica


Quando Brinquedo Assassino foi lançado gerou certo impacto por transformar em algo ameaçador um objeto que deveria ser sinônimo de ternura e alegria. Suas diversas continuações e também fitas genéricas que tentaram pegar carona em seu sucesso trataram rapidamente de jogar a ideia para a categoria de filmes trash, assim não é de se estranhar o receio quanto a Gritos Mortais, terror cujo vilão é personificado na figura de um boneco de ventríloquo. Poucos filmes exploraram o tema, como o pouco conhecido e antigo Magia Negra estrelado por Anthony Hopkins vivendo um artista que pouco a pouco é dominado por seu boneco. Três décadas depois, esse trabalho quase folclórico voltou a inspirar, mas talvez pelo fato de não ser popular não ajudou a criar um sucesso. O jovem Jamie Ashen (Ryan Kwanten) tem sua esposa Lisa (Laura Regan) brutalmente assassinada na mesma noite em que recebem um misterioso pacote sem remetente contendo um estranho boneco. Antes a moça havia relembrado uma história que ouvia quando criança sobre uma mulher chamada Mary Shaw (Judith Roberts) que não possuía filhos, apenas bonecos que tratava como pessoas de carne e osso, e quando alguém a visse em sonhos jamais deveria gritar, caso contrário estaria condenado a morte. 

Atordoado com o assassinato da companheira e com a polícia apontando-o como o principal suspeito, o rapaz resolver regressar à sua cidade natal, Ravens Fair, a fim de provar sua inocência e punir o verdadeiro criminoso que julga ser o tal fantoche. No povoado todos conhecem a lenda de Mary Shaw, uma senhora que ganhava a vida com suas apresentações de ventriloquismo, mas certa noite quando teve a veracidade de seu show questionada acabou surtando e matou a criança que ousou afrontá-la. Inconformada, a população se vingou a assassinando e arrancando sua língua e seu corpo foi enterrado junto de suas dezenas de bonecos de trabalho como havia pedido em testamento. Algum tempo depois alguns moradores passaram a morrer de formas misteriosas e seus corpos sempre eram encontrados com as línguas arrancadas e em posições estáticas. Paralelo a isso, os bonecos também passaram a sumir de suas covas, o que gerou a lenda de que os fantoches de ventriloquismo seriam sinônimos de mal presságio e Ashen se apega à crença para solucionar a morte da esposa. O argumento pode soar como uma produção B e datada, mas é incrementado pelo trabalho do roteirista Leigh Whannel e do diretor James Wan, dupla responsável pelo sucesso Jogos Mortais. Ao deixarem o campo dos psicopatas e se aventurarem pelo mundo sobrenatural pela primeira vez a dupla pode não ter sido tão visceral (metafórica e literalmente falando), mas realizou uma produção bem acima da média, ainda mais por resgatar o combalido argumento do boneco assassino.


Com um polpudo orçamento e liberdade criativa, o grande trunfo da fita é seu visual atrelado a uma história ligeiramente original (pelo menos um argumento bem diferente dos assassinos mascarados ou dos fantasmas orientais com cabelos escorridos). A inspiração veio das produções da lendária Hammer, estúdio inglês famoso por obras de terror e suspense que deram sobrevida a monstros famosos como Drácula e Frankenstein. A ideia seria desenvolver mais a atmosfera de tensão e investir menos em sangue e violência. E realmente o que vemos em cena nos remete a produções antigas do gênero com cenários ricos em detalhes, fotografia e iluminação escuras, trilha sonora sinistra, além de maquiagem e efeitos especiais que dão um toque artesanal à obra. No entanto, é claro que o ponto alto são as aparições do boneco Billy, que estampa a publicidade do filme reproduzindo a clássica imagem de pedido de silêncio. Com carinha de bom menino, ele é o mais querido companheiro de Mary Shaw e o principal vilão da trama. Em flashbacks entendemos a relação da velha senhora com seu parceiro e mesmo sendo revelado logo na metade o mistério em torno da dupla, o interesse na trama continua em alta graças ao clima envolvente. O início apresenta uma plausível explicação da origem da palavra ventríloquo e sobre a lenda que a cerca, intrigando o espectador. No século VI antes de Cristo acreditava-se que os espíritos poderiam falar através do estômago dos vivos. Já dá para se ter uma ideia do que apavora os moradores de Ravens Fair.

Apesar de algumas sequências inteligentes e inspiradas, não se pode dizer que a trama é inovadora e tampouco esconder o fato de que os personagens são estereotipados. O protagonista é o herói perturbado dividido entre cumprir ordens judiciais e descobrir sozinho quem ou o que ocasionou a morte de sua esposa. Ele tem uma madrasta, Ella (Amber Valletta), que só conhece ao voltar a sua cidade natal e a maneira como ela trata o marido, Edward (Bob Gunton), obviamente levanta suspeitas quanto ao seu caráter. Já o detetive Lipton (Donnie Wahlberg) faz as vezes do policial metido a engraçadinho cuja astúcia perde até mesmo para o Chapolim Colorado. Talvez a preocupação em criar visual e clima góticos tenha tirado o foco de Wan quanto a direção dos atores que poderiam ter aproveitado para gravarem cenas carregadas de emoção, algo que fez a atriz Judith Roberts. Apesar da participação pequena, sua atuação é vigorosa e desperta a vontade de vê-la interagindo mais com Billy, principalmente se o roteiro explorasse a fundo a estranha relação de amor maternal que travava com o boneco.


Priorizando a simplicidade,  e porque não dizer a nostalgia, Wan deu uma repaginada a manjados elementos do terror como casas velhas e abandonadas, túmulos escondidos em florestas e até criou uma lenda urbana para fugir da carnificina despropositada e dar um toque de classe a sua obra. O principal é que ele provou não ser profissional de um só tipo de filme, ainda que a trama pudesse ser melhor conduzida. Subestimado pela crítica e até mesmo pelos seus produtores, Gritos Mortais tem estopo para se tornar um filme cult, daquele tipo que ninguém apostava no início, mas que o tempo trata de provar seu valor. Demonstrando talento para orquestrar histórias com um pezinho no além, embora tenha fracassado nas bilheterias norte-americanas e em muitos países ter sido lançado diretamente em homevideo, como no Brasil onde ganhou um título sem peso para o porte da obra, anos mais tarde Wan causaria novamente frisson com o lançamento de Invocação do Mal, fita que seria um aprimoramento da fórmula usada aqui. Em ambas não há nada demais, apenas uma eficiente reciclagem de clichês em embalagem luxuosa e que nos faz esquecer a podridão (no caso um elogio) de seu trabalho de estreia.

Terror - 90 min - 2007

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