sexta-feira, 19 de junho de 2015

OS PRODUTORES

NOTA 9,0

Longa baseado em comédia
dos anos 60 ganha uma bela
repaginada seguindo padrão
de espetáculo da Broadway
Os musicais ressurgiram com fôlego renovado nos anos 2000 e o público foi apresentado a um novo estilo do gênero que une as características tradicionais a certas inovações. Tivemos o amor cantado em prosa e verso de Moulin Rouge, a crítica e o sarcasmo implícito de Chicago e Hairspray e ainda o apelo popular das canções famosas e nostálgicas que embalam Mamma Mia!. Curiosamente um representante da categoria que tem toda a pompa e requinte necessários para agradar aos fãs cativos do gênero e novos espectadores infelizmente não fez o sucesso esperado. Os Produtores é a refilmagem de Primavera Para Hitler, uma comédia dos anos 60 dirigida por Mel Brooks e vencedora do Oscar de roteiro original. Bem, a produção assinada por Susan Stroman foi bastante elogiada e concorreu a alguns prêmios, mas foi totalmente desprezada pela Academia de Cinema e consequentemente pelo público que preferiu ir ao cinema ver os longas oscarizáveis da temporada. Uma pena, mas uma falha que felizmente pode ser corrigida e mesmo quem já viu poderá se divertir novamente. No Brasil optou-se pela tradução literal do título e não se apegar ao do passado. A primeira vista pode ser uma atitude sem cabimento ou tino comercial, mas para quem já viu as duas versões certamente ela fará todo sentido. O primeiro filme é curto e quase sem nenhum resquício que o lembre como um musical, caracterizando-se muito mais por ser uma comédia estereotipada. Já o remake é 100% melhor e agrega muito mais elementos necessários para que mantivesse a aura do espetáculo teatral homônimo (este que foi lançado em 2001 sendo reescrito e musicado pelo próprio Brooks), a verdadeira fonte de inspiração para esta obra. Por isso não estranhe as interpretações exageradas e os números musicais, cenários e figurinos que transpiram teatralidade. Susan é uma premiada coreógrafa dos palcos que estreou no cinema com o pé direito adaptando o próprio espetáculo musical da Broadway de maneira que talvez ninguém mais esperava ver na modernidade. Investindo no visual exagerado, praticamente um show de luzes e cores em alguns momentos, a cineasta convida o espectador para reviver a era dos musicais de Hollywood. Tudo flui com tanta naturalidade justamente por ela ter conseguido reunir praticamente todo o elenco original da montagem. Nathan Lane e Matthew Broderick permaneceram com seus papéis de protagonistas defendendo-os de forma excepcional.

A trama gira em torno de uma dupla de vigaristas. Bem, um é realmente um explorador que seduz velhinhas solitárias para garantir o financiamento de seus projetos teatrais. O outro entra de gaiato na malandragem. Max Bialystock (Lane) é um produtor arrasado pelo fracasso de sua última peça de teatro, mas quer virar o jogo. Junto com Leo Bloom (Broderick), seu contador, ele trama um esquema para enriquecerem rapidamente. Eles pretendem levar aos palcos a pior peça já escrita, obter um grande número de investidores e contratar um elenco e um diretor sem talento algum, assim a produção será um fracasso e eles fugirão com todo o dinheiro investido. O argumento da peça fica a cargo do entusiasmado e patriota autor alemão Franz Liebkind (Will Ferrell) e um dos papéis principais é dado à fogosa atriz estrangeira Ulla (Uma Thurman). O tema escolhido para o musical é Hitler e o nazismo, um prato cheio para os críticos e o público massacrarem o espetáculo já que não iriam tolerar ver uma figura história sendo achincalhada e mostrada de forma afeminada, por mais questionáveis que tivessem sido as atitudes do ditador em vida. Porém, nem tudo sai como esperado e o plano pode ir por água abaixo na última hora. No elenco ainda merecem destaque Gary Beach como Roger De Bris, o diretor e protagonista do espetáculo, e Roger Bart como Carmen Ghia, amante e assistente dele, ambos repetindo seus papéis da Broadway. No geral, esta é uma comédia rasgada que alterna momentos de pura ingenuidade com outros sarcásticos, mas jamais se tornando apelativa, o que é bastante favorável para marcar a produção que em todos os aspectos se difere do que estamos acostumados no campo do humor. Como puro entretenimento ela funciona perfeitamente, mas ainda reserva recursos suficientes para fazer a alegria daqueles que preferem um cinema mais cabeça, mas ainda assim divertido.

Claro que o fato de ser um musical que segue a risca o molde dos clássicos do gênero de antigamente pode não agradar muita gente também. O visual extremamente colorido pode chocar e as constantes músicas que substituem ou entrelaçam diálogos passam a incomodar a certa altura. Embora com letras divertidas e sonoridades deliciosas e marcantes, as canções tornam-se um empecilho para muitos espectadores, mas na realidade não parece que elas sejam o grande problema. O que atrapalha o filme é sua longa duração, duas horas cravadas. Após vermos o tal espetáculo de Hitler é praticamente impossível não ter a sensação de que chegamos ao fim, mas ainda há um pouco mais de história. Alguns minutos a menos seriam benéficos, mas de qualquer forma a extensão da narrativa não é nenhum sacrifício a ser acompanhado.  Brooks realmente estava inspirado quando atualizou seu texto. O original foi feito na ânsia de lançar algo inovador, mas a falta de incentivos atrapalhou e a proposta ficou pelo meio do caminho, ainda que tenha conquistado certo prestígio. Embora sejam corriqueiras as transposições de peças para o cinema ou vice-versa, muitos ainda rejeitam essa vertente afirmando que são formas de artes distintas e que um trabalho que deu certo em uma área certamente falhará quando adaptado para outro tipo de apresentação. Os Produtores é mais um exemplo que joga a teoria por água abaixo. De quebra, ainda ficamos com uma ironia no ar. O mote do filme é justamente criar uma peça que se tornasse um retumbante fracasso, mas tanto no cinema quanto na Broadway real o espetáculo grandioso consolidou-se com sucesso. A produção foi premiada com nada menos que dozes Tonys, o respeitável Oscar do teatro. Já a Academia de Cinema mais uma vez provou que pouco está ligando para criatividade e arte de verdade. O negócio dela é lucro e política de boa vizinhança. Perderam a chance de ao menos indicar um produto que resgataria o que deveria ser o principal objetivo da festa: premiar a arte de fazer cinema com qualidade e conteúdo.

Musical - 134 min - 2005 

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