quinta-feira, 25 de junho de 2015

SEGUNDAS INTENÇÕES

NOTA 8,0

Adaptação modernizada de
texto clássico a fim de conquistar
o público jovem revela-se uma
grata e envolvente surpresa
Dois jovens pertencentes à alta sociedade nova-iorquina fazem de tudo para manter as aparências de que são pessoas idôneas, mas por debaixo dos panos formam uma dupla irremediavelmente depravada que se diverte com joguinhos de sedução e destruindo as reputações de seus desafetos. Por essa breve descrição realmente Segundas Intenções não parece ser um filme muito atrativo, mas quem já lhe deu um voto de confiança não se arrependeu. Quer dizer, isso se tais pessoas tiverem até uns trinta e poucos anos e ainda estarem na fase de curtir a solteirice. Para quem já constituiu família digamos que não deve ser muito agradável pensar que futuramente sua doce filhinha pode cair na lábia de um pervertido, que drogas e sexo farão de certa forma parte do cotidiano destes adolescentes e por aí vai. Este drama voltado para o público jovem foi lançado sem grandes expectativas, mas rapidamente caiu no gosto dos americanos e pouco a pouco foi colecionando fãs em todo o mundo, sendo que hoje a produção é considerada um dos cults movies dos anos 90. Se os grandes filmes para adolescentes datados de uma década antes, geralmente comédias e aventuras, até hoje tachamos como produtos típicos de sessão da tarde, o longa em questão passa bem longe desta classificação por conter cenas fortes, diálogos provocantes e um intenso clima sensual. Sinal dos tempos. A ingenuidade massacrada pelo amadurecimento cada vez mais precoce. Todavia, esta produção não objetiva apenas entreter os adolescentes, mas também conquistar o público adulto com uma trama envolvente que possa trazer certas reflexões que talvez em uma primeira apreciação podem não ser totalmente identificadas. A inspiração para o enredo veio de um clássico literário europeu já bastante explorado pelo cinema, “Les Liaisons Dangereuses”, escrito por Choderlos de Laclos em meados do século 18. Sua versão cinematográfica mais famosa, Ligações Perigosas, até hoje é considerada uma das grandes obras da década de 1980. Tanto para quem já assistiu ou para quem nunca viu nem alguns poucos minutos deste trabalho do cultuado cineasta Stephen Frears, pode parecer muito estranha a opção de trocar os cenários do Velho Continente pela agitada e moderna Nova York, além do fato das personagens da elegante burguesia serem substituídas por jovens ricos e rebeldes que não tem com o que ocupar o tempo ocioso, porém, o resultado dessa adaptação é surpreendente. Causa ainda mais espanto saber que o homem por trás destas modificações na época tinha apenas 23 anos e estreava na direção. Roger Kumble, também responsável pelo roteiro, fez seu debut em Hollywood em grande estilo, mas obviamente não é digno fazermos comparações entre seu clássico moderno adolescente com o clássico oitentista destinado a plateias mais maduras, ainda mais sabendo que ele se deixou empolgar demais com os elogios e os rendimentos financeiros e cometeu o equívoco de realizar uma sequência tão desnecessária que até mesmo o elenco do original preferiu ficar de fora.

Kumble, apesar de adicionar algumas situações inéditas e incorporar modificações bem-vindas, manteve-se fiel ao texto de base sem deixar que seu trabalho ficasse datado. Os grandes vestidos cheios de babados foram transformados em modelitos curtos, justos e decotados, mas a perversidade de certos personagens e a ingenuidade de outros se mantiveram intactos. Sebastian (Ryan Phillippe) e Kathryn (Sarah Michelle Gellar) são meios-irmãos devido a união de seus pais, mas não são parentes de sangue. Eles cresceram assediando um ao outro e são adeptos de jogos perversos que envolvem sedução e humilhação, além de praticamente controlarem a vida social de muitos de seus colegas de escola. Ele tem a fama de ser um incrível sedutor e gosta de manter tal reputação enquanto ela prefere fazer o gênero moça recatada e de família, embora ela seja tão imoral quanto o rapaz. Quando seu namorado a troca pela inocente Cecile (Selma Blair), Kathryn decide se vingar e desafia Sebastian a seduzir e acabar com a reputação da moça, mas ele considera a proposta muito simples e que não lhe traria prazer algum. Eis que o jovem fala para a irmã sobre Annette (Reese Witherspoon), a filha do futuro diretor da escola preparatória que irão frequentar. Ela pretende se manter virgem até o dia em que se casar e afirma que seu namorado compreende e aceita seu desejo. Para Sebastian, seduzir tal jovem puritana é um desafio digno e assim estes irmãos entram em um acordo. Se ele não conseguir levar Annette para a cama até o final do verão, seu valioso e luxuoso carro ficará com Kathryn, mas caso ele vença a aposta poderá desfrutar de uma noite de sexo com a irmã, o grande sonho de sua vida já que teoricamente o envolvimento entre eles é proibido e arruinaria suas reputações. Enquanto isso, Kathryn continua com seu plano de humilhar sua ingênua rival Cecile, com direito a uma sequência que causou frisson na época: um beijo lésbico apresentado nos mínimos detalhes. Uma ousadia e tanto, mas uma cena longe de ser vulgar e que poderia até mesmo sintetizar a ideia do título, tanto o original quanto o brasileiro, felizmente ambos bem escolhidos. Apresentado o elenco, fica claro que um dos pontos positivos da produção é o elenco jovem, talentoso e promissor, todos em plena ascensão na época, porém, o tempo passou e parece que só beneficiou Reese que acabou se tornando uma das queridinhas de Hollywood, ganhou vários prêmios nos anos seguintes, incluindo um Oscar, e está sempre em evidência. Aliás, ela e Phillippe se apaixonaram durante as filmagens, casaram e tiveram dois filhos, mas o relacionamento acabou após praticamente uma década de convivência.

É certo que o trio de protagonistas não tem do que se queixar neste trabalho. Todos ganharam papéis de destaque que cresceram emocionalmente e psicologicamente ao longo da narrativa. Sarah personifica a crítica ao comportamento dos jovens americanos de classe média ou alta. Por mais que tenham tudo que o dinheiro pode comprar, a plena felicidade eles nunca tem e por isso usam como válvula de escape as drogas, o sexo e a promoção da infelicidade alheia. Phillippe encarna um personagem não muito diferente disso, mas ele é um caso que ainda tem solução como nos prova a narrativa através de seu envolvimento com a virgenzinha vivida por Reese, esta que praticamente todo o filme é tratada como um objeto, mas sua passividade só agrega para a virada de sua Annette já na conclusão, o ápice total desta obra ao som do grupo The Verve com a canção “Better Sweet Symphony” embalando um momento de arrepiar e inesquecível. Aliás, a trilha sonora como um todo é excepcional, casa bem com o conteúdo e personagens e por anos o CD com as músicas foi um dos mais vendidos equiparando-se às vendas da melosa seleção de canções de outro clássico da década de 1990, Cidade dos Anjos. Com diálogos afiados, ritmo agradável, fotografia e direção de arte caprichados, além de um roteiro deliciosamente malicioso que une com perfeição drama, romance e erotismo, Segundas Intenções continua conquistando fãs e tendo repercussão bem maior que os principais vencedores do Oscar daquela época (realmente precisamos fazer certo esforço para relembrar os laureados). Sem carregar elogios da crítica especializada e tampouco prêmios, somente um troféu de melhor beijo conquistado no MTV Movie Awards, obviamente o lésbico, esta produção merece ser conhecida pelas novas gerações e até mesmo revista por aqueles que um dia se chocaram ou aplaudiram esta interessante mistura de elementos clássicos com a modernidade, do chique com o popular. Tudo bem que a aposta entre os meios-irmãos é um tanto doentia, mas isso é apenas um detalhe que não atrapalha em nada a apreciação deste filme. Como já dito, provável que quem já passou dos trinta anos não se envolva totalmente com tal enredo, a não ser que esta obra seja uma boa lembrança de sua adolescência, ainda que boa parte dos diálogos e situações apresentados não seja recomendável para menores de 18 anos. Todavia, o retrato que apresenta da juventude contemporânea, mesmo sendo uma produção de 1999, movida ao materialismo e a sexualidade exagerada, tratam de colocar este filme em um patamar acima da média, uma obra que modestamente marcou uma geração, mas que continua atemporal. Vale a pena conferir este pequeno tesouro do final do século passado, um tempo em que infelizmente já verificávamos que imagens e sons de última geração soterravam boas histórias. Ok, este não é um enredo que vale ouro, mas diante do que já nos era apresentado parece um trabalho de gênio. De fato, uma mente brilhante e jovem que soube captar exatamente o que a turma da sua faixa etária desejava e ainda deseja em um filme que atenda suas expectativas e compreenda suas cabeças. 

Drama - 97 min - 1999

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Um comentário:

marcosp disse...

Segundas intenções é filme irônico, sensual e rodeado de manipulações, para quem curte o famoso "gato correndo atrás de rato", alias bela rata e um lindíssimo gato, com certeza vai gostar do filme. Trilha imperdível!Recomendo!