quinta-feira, 4 de junho de 2015

ÁGUA NEGRA

NOTA 8,0

Enredo de suspense se
torna uma obra com toques
de drama familiar graças a
sensibilidade do diretor
No início da década de 2000 pode-se dizer que Hollywood complementou seu orçamento graças as refilmagens de produções de terror e suspense orientais, alguns comandados inclusive pelos mesmos diretores de suas versões originais para não correr risco de decepcionar o público. Alguns foram muito bem aceitos, porém, outros verdadeiros fiascos devido a inevitável repetição de clichês. Quando surge alguém disposto a colocar as mãos nesse material e dar algum ar de novidade o povo cai em cima com críticas negativas e infelizmente nem os entendidos na arte do cinema procuram exaltar a iniciativa. Foi isso que atrapalhou a carreira de Água Negra, refilmagem de um terror psicológico que explora a relação muito próxima de uma mãe e sua filha pequena diante da necessidade de darem um novo rumo as suas vidas. A produção original assinada por Hideo Nakata mantinha uma atmosfera assustadora desde a introdução até sua trágica conclusão e o clima de tensão era acentuado devido ao uso de movimentos lentos de câmera. Ainda criando a sensação de medo com uma narrativa mais lenta e planos-sequências que privilegiam o detalhamento dos cenários e a captura de expressões dos atores, o diretor brasileiro Walter Salles aceitou o convite para comandar esta refilmagem, mas fez questão de imprimir seu estilo privilegiando o lado dramático do enredo pouco explorado na versão oriental. Após a boa aceitação de Diários de Motocicleta no mercado internacional complementando o histórico de premiações do cineasta fora do Brasil, esta era a chance dele ter um verdadeiro blockbuster em mãos, mas não se deixou corromper ou pelo menos tentou contar a história do seu jeito já que diversas mudanças foram impostas pelo estúdio que bancou o projeto. Todavia, a história de pessoas assombradas por algo desconhecido em um apartamento um tanto sombrio ganhou um enfoque bem mais interessante. Aqui o problema deixa de ter cara exclusivamente espiritual e passa a ter feições de alterações psicológicas, já que a protagonista, além de enfrentar eventos misteriosos em sua residência, também precisa exorcizar fantasmas de seu passado triste.

A história se passa na chuvosa Roosevelt Island, próximo a Manhattan, um local que é conhecido por grandes e antigas edificações projetadas para abrigar muitas famílias. É para lá que se muda Dahlia (Jennifer Connely) após a recente separação de seu marido Kyle (Dougray Scott). Ela está tentando reiniciar sua vida se mudando para outra cidade e começando um novo emprego, além de dedicar boa parte do seu tempo para cuidar de sua filha Ceci (Ariel Gade), mas a separação letigiosa se transforma em uma complicada batalha pela custódia da criança. Para piorar a situação, o apartamento novo possui barulhos misteriosos, vazamentos constantes de uma água escura e alguns outros fatos estranhos ocorrem com frequência. Todos esses fatores dão margem à imaginação de Dahlia que passa a acreditar que está sendo vítima de um perturbador jogo mental. Com essa premissa bem interessante Salles reproduz algumas situações do original, mas sempre que pode tenta explorar o drama familiar mostrando as brigas do ex-casal e desfilando sua câmera pelo velho condomínio em que mãe e filha se instalam, evidenciando a situação econômica difícil delas. Para completar, a garotinha passa a se relacionar com um amigo imaginário e a ter seu comportamento levemente alterado. Todo o enredo casa muito bem com o clima que foi dado ao filme. Poucas vezes o cinema passou com tanta veracidade o clima frio, melancólico e instável tanto da ambientação da história quanto dos personagens, mas vale ressaltar uma derrapada: em uma rápida cena com muita chuva é nítido ver que ela foi gravada em dia de sol e que a tromba d'água foi providencialmente armada.

Salles é habilidoso ao mesclar tensão e drama utilizando artifícios do mundo sobrenatural com outros que evidenciam problemas ligados a paranóia. Ainda bem que ele economiza nos clichês do gênero e no máximo o que vemos de convencional são rápidas passagens em que a imagem de um espírito infantil pode causar alguns sustos rápidos. Fora isso, somente a água negra que jorra das torneiras e pinga no teto do apartamento pode ser considerada uma manifestação do outro mundo. A regra aqui é ser o mais natural possível dentro do contexto. É perceptível que até pouco mais da metade o filme segue o estilo do cineasta, mas o final certamente foi uma imposição do estúdio que não queria desapontar os fãs desse tipo de produção. Pela linha narrativa do diretor a conclusão seria outra e bem mais aceitável. Mesmo assim Água Negra recebeu uma saraivada de críticas negativas, diga-se de passagem, um tanto injustas. O problema foi vender um produto voltado para o drama com toda a publicidade enfocando o lado de suspense sobrenatural e exaltando a grife oriental do título, coisa que na época ainda atraia muitos espectadores. Dessa forma, os fãs de O Chamado, O Grito e afins tiveram uma grande decepção. Hoje o cinema vive o declínio da onda dos remakes das terrinhas dos olhos puxados, embora vez ou outra alguma coisa seja feita, e vale a pena conferir esta produção para tirar novas conclusões. Com olhos mais atentos, dificilmente podemos considerar este trabalho sem atrativos ou propósitos bem definidos. O diretor brazuca sem dúvidas realizou uma obra que deu uma cara nova a esse tipo de filme e conseguiu se destacar em um cenário estagnado investindo nas reações que o medo provoca sem se preocupar em materializá-lo. Quando ele ganha corpo o caldo entorna, mas nada que reduza o longa a pó. Uma pena que outros cineastas que se aventuraram pelos remakes orientais continuaram apostando em fantasmas que puxam os pés dos vivos. Levaram o filão literalmente para a tumba.

Suspense - 105 min - 2005

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Um comentário:

Rafael W. disse...

Concordo, o interessante do filme é seu aspecto dramático, que trouxe um valor maior para a obra. Mas que ficou um pouco maçante, isso ficou.

http://cinelupinha.blogspot.com/