quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O HOMEM DO FUTURO

NOTA 8,0

Longa nacional surpreende
ao enveredar pela trilha da
ficção científica e ao
assumir suas inspirações
Você ainda é do tipo que tem preconceito com o cinema brasileiro por ter na sua cabeça a imagem de filmes que enfocam pobreza, miséria no nordeste, denúncia social ou adaptações literárias? Realmente ainda há muitos cineastas que investem em tais temas em busca de reconhecimento da crítica e prêmios e pouco se importando se haverá público para suas obras, mas felizmente o nosso cinema comercial caminha a passos largos e não depende mais de Xuxa ou Didi e tampouco do humor afiado e nem sempre bem usado de Marcelo Adnet. Existe vida inteligente e antenada tentando dar novos rumos a sétima arte nacional e um deles é Cláudio Torres, um diretor de cinema que não nega seu repertório cinematográfico oriundo de terras americanas. Embora acostumado a apreciar a arte nacional desde a forma mais simples até a mais mirabolante, afinal ele é filho de Fernanda Montenegro e do finado Fernando Torres, gente de teatro, o cineasta tem imprimido em seus trabalhos referências explícitas ao cinema americano, o que não é nenhum problema e sim uma qualidade já que é uma ousadia tomar tal decisão quando nosso mundinho cinematográfico está repleto de defensores da nossa cultura e prontos para atacar qualquer coisa que a negue. Torres na verdade adapta coisas estrangeiras ao nosso padrão de filmes, como o uso de efeitos especiais em Redentor e uma protagonista imaginária como no caso de A Mulher Invisível, e os resultados são no mínimo curiosos e parecem estar agradando o público. Em seu terceiro longa, O Homem do Futuro, ele envereda pelos caminhos da ficção científica, mas ainda mantém um pé na realidade. Embora exista a forte presença de um cenário hi-tech e alguns efeitos especiais chamativos, o roteiro se dedica a contar uma história de amor levemente dramática com a premissa do que uma pessoa faria se pudesse voltar no tempo para corrigir algo, um tema explorado, por exemplo, em Um Homem de Família, De Volta Para o Futuro e tantos outros títulos. O protagonista é João (Wagner Moura), um excêntrico cientista que durante um acidente com uma de suas novas invenções acaba reencontrando sua juventude e tendo a chance de corrigir algo que aconteceu e que mudou sua vida futura completamente.

Em 1991, durante uma festa a fantasia da faculdade, Zero, apelido pouco carinhoso que João ganhou dos colegas, era um jovem tímido e desengonçado que conseguiu uma inesperada chance de ficar com a garota mais linda da classe. Helena (Alinne Moraes) se aproxima do rapaz alegando que necessita se aproximar de alguém mais favorecido intelectualmente, o que o enche de alegria, afinal considerava sua inteligência sua única qualidade. Eles aproveitam boa parte da festa em um lugar reservado e quando voltam ao salão Zero cai rapidamente do céu para o inferno sendo humilhado publicamente. Agora que voltou à fatídica noite, ele quer manipular os acontecimentos para construir seu futuro da maneira como sempre desejou, mas, assim como diz a cartilha do cinemão americano, as intervenções podem trazer conseqüências indesejáveis mais a frente, o chamado efeito borboleta, termo originado da idéia de que um bater de asas deste inseto poderia alterar a ordem das coisas futuras para o bem ou para o mal. Uma narrativa do tipo não é nada fácil de ser realizada, ainda mais para as equipes de produções brasileiras que são alheias ao processo de desenvolvimento de uma ficção científica, algo que para nós ainda é uma alusão a filmes futuristas com naves espaciais e extraterrestres. No caminho soft do gênero, Moura precisou se desdobrar em três personagens em um só. Ele é o cientista da atualidade aconselhando o do passado, o estudante de outrora e ainda o homem de atitudes discutíveis do futuro manipulado. Muito confuso? Mais uma vez o ator mostra precisão e talento ao compor personagens que precisam de sutis diferenças só para marcar as ações do tempo em cada um deles, afinal são a mesma pessoa melhorada ou piorada com o passar dos anos chegando a ocupar as posições de mocinho, vilão e anjo da guarda. Falando em anjo, é com essa fantasia irônica que Gabriel Braga Nunes entra em cena como Ricardo, o mentor do plano de humilhação do rapaz, mas no futuro alterado ele veste terno e gravata para ser um amigo de João, provando que as mudanças que o rapaz fez no seu tempo de universitário o levaram para o caminho do mal. No elenco ainda vale destacar o desempenho de Alinne Moraes também se dividindo em dois personagens em um só, ora boazinha ora o Diabo de saias, e a participação de Maria Luisa Mendonça, figura carimbada do nosso cinema, mas que não convence muito entre os estudantes devido a sua idade.
Além da trama atípica, visualmente o filme chama a atenção com efeitos especiais moderados e cenários grandiosos, como o espaço de trabalho de Zero, mas deve causar alguns risos a roupa de astronauta que ele usa a certa altura e cuja imagem serve para estampar o material publicitário do longa. Todavia, um figurino exagerado ou um ator fingindo ser mais jovem são dos males os menores. O grande problema desta produção é o mesmo que geralmente acomete os produtos semelhantes dos ianques. As idas e vindas no tempo tornam-se cansativas após o impacto da novidade. Qualquer um que tenha o mínimo conhecimento de algo do tipo sabe que o que vai acontecer quando se tenta corrigir o passado. As coisas não saem como o esperado e lá vai o carinha de volta ao túnel do tempo para refazer o erro que jamais devia ter tentado corrigir. De qualquer forma, este equívoco, além de outro furo aqui ou ali, não traz agravantes relevantes no conjunto. É claro que se fosse um filme americano poderíamos descer a lenha sem dó, mas como se trata de um sopro de originalidade em nossa história cinematográfica devemos dar um crédito e exaltar a ousada iniciativa, ainda que o final seja previsível e a lição de moral esteja explícita. Com O Homem do Futuro, Torres escreve definitivamente seu nome no mapa cultural brasileiro justamente por tentar fazer algo diferente sem se envergonhar de trazer referências do cinema comercial americano ou até mesmo da televisão, afinal a edição rápida e o elenco conhecido das novelas ajudam a segurar o interesse. Respeitando suas limitações, recorrendo a técnicas eficientes e mais baratas para impactar, o cineasta reinventou dignamente os clichês daqueles filmes clássicos da sessão da tarde que tanto faziam falta para enriquecer nossa filmografia. Está provado que podemos voar mais alto na imaginação em nossos próprios limites demográficos.
Comédia - 106 min - 2011 

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2 comentários:

Rafael W. disse...

Ainda estou pendente com esse filme, mas parece ser bastante divertido.

http://eaicinefilocadevoce.blogspot.com.br/

Gilberto Carlos disse...

Um filme muito original. Mostra que o cinema brasileiro pode ser popular e ao mesmo tempo ter algo a dizer ao público.