quinta-feira, 30 de abril de 2015

A ÚLTIMA CEIA

NOTA 9,0

Sem maquear fatos, drama
é entregue ao público de
forma crua e com temas
fortes como o preconceito
Não é novidade para os cinéfilos que as premiações adoram produções fortes e que tratem de temas polêmicos. Para os atores participar de um trabalho do tipo é uma prova de fogo irrecusável, afinal para se despir de vaidades é preciso ter coragem e quanto mais realistas forem os personagens e seus dramas melhor para os intérpretes comprovarem que não são apenas produtos da indústria de cinema, mas sim que dentro deles é que se encontra a emoção necessária para o trabalho funcionar independente de assuntos financeiros ou aspectos físicos. Sundance, Berlim, Cannes e tantos outros festivais grandes ou menores por todo o mundo prezam trabalhos de cineastas e atores que mostram que para fazer cinema não é preciso ter milhões em caixa e as vezes até os votantes da Academia de Cinema e do Globo de Ouro deixam o glamour de lado e exaltam o minimalismo. Não é a toa que no Oscar de 2002 Halle Berry demorou a se levantar da cadeira quando teve seu nome anunciado como a Melhor Atriz. Nem a própria acreditava no que ouvia. Ela atuou em A Última Ceia, produção independente, de baixo orçamento e que não poupa o público de uma história amarga e com momentos impactantes. A principal rival da atriz, segundo apontavam críticos, era Nicole Kidman que fez de um tudo no esfuziante musical Moulin Rouge. Justiça seja feita. Na pele de Leticia Musgrove a até então quase desconhecida Halle entrega-se a um personagem difícil, cheio de nuances e que lhe exigiu muito mais sensibilidade que técnica. Já com alguns prêmios conquistados por este trabalho, ela lembrou em seu discurso que os tempos estavam mudando e que finalmente uma negra ganhou aquele que é considerado o maior prêmio do cinema. Antes intérpretes “de cor” só haviam sido premiadas na categoria de coadjuvantes. Curiosamente, é justamente o racismo o grande tema do filme dirigido por Marc Foster que começa e termina denso, mas no recheio conta com uma história de amor que surge pelos acasos da vida, mas com vários fatores contra o sucesso dessa relação. Por seu modelo europeu de fazer cinema e também pelas liberdades artísticas que uma produção fora dos grandes estúdios americanos permite o cineasta suíço, que anos depois causaria barulho com O Caçador de Pipas, chega a um resultado fenomenal que mexe muito com as emoções do espectador, mas é preciso estar preparado para enfrentar este verdadeiro choque de realidade.

A trama começa nos revelando as relações do policial viúvo Hank Grotowsky (Billy Bob Thorton) com sua família e trabalho. Ele é um policial que atua no corredor da morte e vive uma relação difícil com o pai, Buck (Peter Boyle), mas seu envolvimento com o filho Sonny (Heath Ledger) é bem pior. Membros de uma família de carcereiros autoritários e racistas, o jovem não herdou do pai e do avô o ódio que eles sentem dos negros, o que gera muitos conflitos entre o clã. Hank e Sonny serão responsáveis pela execução de Lawrence Musgrove (Sean “Puff Daddy” Combs), o marido de Leticia que não está em um bom momento definitivamente. Prestes a ser despejada de sua casa e tendo que lidar com a eminente morte do marido, ela desconta toda sua raiva em cima do filho Tyrell (Coronji Calhoun), um garoto obeso e introvertido que corre o risco de ter um futuro tão ruim quanto o de seus pais. A execução de Musgrove aliada a uma tragédia pessoal provoca um processo de mudanças radicais na vida de Grotowsky potencializadas quando o destino coloca a viúva do prisioneiro em seu caminho. Ambos estão passando por momentos delicados e isso os aproxima. Essa é a chance que eles têm de reconstruir suas vidas, mas ainda há alguns obstáculos que podem impedir essa relação como o preconceito racial impregnado na mente do policial e o sentimento de culpa por ser o responsável do sofrimento de Leticia. É válida a opção de Foster em abandonar o lugar comum de promover a discussão a respeito da pena de morte e focar seu trabalho nas relações humanas mostrando a redenção de um homem que construiu sua vida em cima de conceitos errados adquiridos devido a uma educação autoritária e preconceituosa e a superação de uma mulher que sempre sofreu, mas que está disposta a agarrar com unhas e dentes a chance que ganhou para tentar ser feliz. Todavia, o longa passa longe de ser o tipo de entretenimento para toda a família ver no intuito de adquirir lições de vida, ainda mais por conter uma forte cena de sexo e um clima tenso durante quase toda a sua duração.

Evitando lições de moral que poderiam manipular a opinião do público e com uma conclusão que nos deixa com vontade de saber mais sobre o desenrolar da história, a imagem que se tem deste filme é um tanto sombria. Para quem nunca assistiu, ler sua sinopse pode ser impactante, mas aliada as críticas quase todas positivas que se encontra este título torna-se uma daqueles que ficam martelando na nossa cabeça até criarmos coragem de ver. Justamente a visão perversa que se tem a primeira vista quase inviabilizou o projeto. O roteiro foi apresentado para diversos estúdios, mas todos fizeram exigências para atenuar o conteúdo visando atrair um público mais amplo, mas os roteiristas Will Rokos e Milo Addica, que conseguiram pequenos papéis na trama, não cederam às pressões e acabaram fechando com uma produtora menor que concedeu total liberdade. O baixo orçamento talvez tenha até colaborado para ampliar os objetivos do enredo que só ganhou com a estética fria adotada que por alguns momentos nos deixa com a sensação de ambientes sujos, seja de forma ou literal ou pelo emocional dos personagens. Assim Foster, mesmo tendo que responder à produtores americanos, se sentiu em casa e com carta branca para filmar de uma maneira crua um enredo forte e longe do espetáculo que as grandes premiações ianques e o público apreciam. Para gostar de A Última Ceia é preciso estar preparado para digerir um conteúdo amargo onde as emoções estão no centro das atenções e o silêncio vale ouro. Tudo em nome da arte e não dos lucros deveria ser o lema desta produção, principalmente ao vermos a interpretação do elenco, merecendo destaque a pequena, porém, importante participação do finado Ledger em uma época que certamente poucos apostavam em seu talento. Mas, como já dito, é Halle quem se destaca entregando-se totalmente a um papel que lhe exigiu nudez, muito choro, momentos de loucura, mas principalmente emoção à flor da pele. O título original, "o baile do monstro", é baseado em uma antiga tradição britânica de oferecer um tipo de festa na véspera da execução de um condenado como se fosse a realização de uma última vontade. É até irônica a idéia. De festa, esta obra não apresenta nem traços e mesmo quando parecem que as coisas entre os protagonistas estão entrando nos eixos ficamos com a sensação de que algum fato irá surgir e balançar esta relação. Por fim concluímos que como uma última e prazerosa refeição devemos aproveitar os bons momentos da vida. Como diz o ditado, o futuro a Deus pertence.

Vencedor do Oscar de atriz (Halle Berry)

Drama - 112 min - 2001 

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Um comentário:

renatocinema disse...

Ótimo filme que possui bom roteiro, grande atuações e cenas tensas, doloridas e verdadeiras.

Adoro essa produção.