quarta-feira, 15 de abril de 2015

REGRAS DA VIDA

NOTA 9,5

Drama de época traz a tona
temas espinhosos em
embalagem elegante e
emociona o público
Todos os anos alguns filmes conseguem uma participação significativa na temporada de premiações, porém, infelizmente, nem todas podem ser laureadas e mesmo as que são em algumas categorias estão fadadas a serem esquecidas ou viverem apenas na memória dos cinéfilos. Ainda bem que quase sempre é possível resgatar essas obras do passado e apresentá-las a novos espectadores e curiosos que fatalmente nos primeiros meses do ano se divertem em busca de informações de títulos premiados do passado. Nessas pesquisas é certo que se encontrará muitas vezes o nome do diretor Lasse Hallström, um um especialista em lidar com emoções e presentear as platéias com belas imagens. Ele consegue de tal forma prender a atenção do espectador com suas tramas que rapidamente estamos ambientados aos cenários e íntimos de seus personagens. Esse encantamento transformou Regras da Vida em um dos títulos mais relevantes de 1999 e quase deu o Oscar ao cineasta sueco. Não ganhou o prêmio máximo, mas levou outras duas importantes estatuetas: ator coadjuvante (Michael Caine) e roteiro adaptado. O veterano intérprete também foi agraciado pelo Associação Norte-Americana dos Atores de Cinema, mais conhecido como Screen Actors Guild, e o texto foi premiado pela Associação Nacional dos Críticos dos EUA. Aparentemente simples e puro romantismo, como é possível se deduzir pelo título e material publicitário, o longa reserva surpresas em seu roteiro. A história se passa na década de 1940, época de guerra e medo, e aborda temas como incesto, aborto, traição e dependência química, ou seja, assuntos que até hoje são polêmicos e que talvez ninguém imagine-se encontrar em um drama de época.

Baseado no best-seller "The Cider House Rules" lançado em 1985 e escrito por John Irving que se inspirou em anotações a respeito dos abortos ilegais do início do século 20 feitas pelo seu avô que era médico, o próprio autor da obra literária é o responsável pelo roteiro de cinema e tentava há mais de uma década levar a adaptação para as telas grandes. Porém, um enredo de época que trata de assuntos espinhosos era visto como um empecilho pelas produtores que tinham receio de gastar muito dinheiro em troca de pouco retorno. Quando o projeto finalmente saiu do papel, a produtora e distribuidoras mundiais acordaram que era melhor omitir os fatos mais polêmicos do material publicitário para não afugentar o público. Medida inteligente. Com toda a publicidade romanceada, o espectador desavisado pode se dar ao prazer de assistir a um belíssimo filme que talvez nunca se interessaria. Ainda que de forma alguma seja um trabalho ofensivo ou chocante já que os assuntos são tratados de formas sutis, algumas pessoas podem até se sentir comprando gato por lebre, mas quem se sente assim é uma minoria graças a delicadeza de Hallström para contar a saga de Homer Wells (Tobey Maguire), um jovem que cresceu em um orfanato, chegou a ser adotado duas vezes, mas foi devolvido. Ele vive sob os cuidados do Dr. Wilbur Larch (Caine), um médico viciado em éter que realiza abortos ilegais, o que não agrada seu pupilo. O velho senhor deseja que Wells seja seu sucessor tanto na questionável profissão quanto na direção do orfanato que também mantém, porém, o jovem tem outros planos e deseja conhecer o mundo além dos limites impostos por seu tutor. Seu desejo é realizado graças a amizade que faz com Wally (Paul Rudd) e Candy (Charlize Theron), um casal que procura a clínica para realizar um aborto. O rapaz oferece ao órfão um emprego como catador de maçãs na fazenda de sua família e assim ele assume a liderança de sua vida e parte com o casal.

Como tenente da aeronáutica, Wally é convocado para a Segunda Guerra Mundial e nesse período sua esposa acaba se aproximando além da conta de Wells. Ao mesmo tempo, o jovem empregado passa a conviver com outros funcionários da fazenda, imigrantes negros liderados por Mr. Rose (Delroy Lindo), um misterioso sujeito. As opiniões de Wells a respeito do aborto contrárias a de seu mestre são revistas por ele próprio quando a filha desse homem negro, Rose Rose (Erykah Badu), surge grávida e decide não ter o bebê que foi gerado acerca de circunstâncias um tanto escandalosas. Com tantos novos acontecimentos na vida do até então ingênuo rapaz, como a decepcção em não poder levar adiante seu romance com uma mulher comprometida e o contato com problemas de pessoas de classes sociais mais baixas, estabelece-se um interessante paralelo: enquanto Wells cresce como pessoa diante dos imprevistos e novidades que a vida lhe impõe seu tutor entra em decadência e se entrega de vez a seu vício. Assim, a obra mostra que é impossível estar preparado para as surpresas e desafios impostos pela vida. Cada novo fato nos ensina algo e diariamente precisamos lidar com situações diversas e nosso próprio amadurecimento nos ditará as regras que seguiremos. Hallström tem em sua filmografia muitos trabalhos em que enfoca o registro de passagens que marcam a transição da infância para a adolescência ou da juventude para a maturidade, como seu primeiro grande sucesso internacional Minha Vida de Cachorro. Mesmo quando lida com diversos conflitos que se interligam ele consegue não perder o foco da narrativa e explora muito bem o crescimento pessoal de Wells, sem se esquecer de apresentar os desfechos dos demais personagens secundários, ainda que o ritmo lento da narrativa atrapalhe as vezes, mas é uma característica do cinema do diretor. O título Regras da Vida, apesar de genérico, expressa bem o tom edificante desta obra que mostra que a destruição do núcleo familiar já vem de longa data e se manifesta desde a recusa em gerar uma vida até a falta de limites na relação entre um pai e a própria filha, assuntos que poderiam gerar um filme forte e de aspecto desagradável em versão contemporânea, mas que são oferecidos ao público de forma suave e em embalagem elegante.

Vencedor do Oscar de ator coadjuvante (Michael Caine) e roteiro adaptado

Drama - 125 min - 1999 

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