Nota 5,0 Ciranda amorosa em ritmo típico de filme francês é confusa e dispersa atenção
Um vício que muitos têm é de quase sempre cobrir de elogios produções
fora do circuito hollywoodiano, ainda que na maioria das vezes seus conteúdos
sejam de difícil assimilação. Contudo, existem alguns filmes do tipo cujas
tramas são tão intrincadas que não conseguem atrair nem mesmo distribuidoras e
talvez isso explique a demora de praticamente uma década para o thriller
francês O Apartamento ter sido lançado no Brasil diretamente em DVD. O
longa só conseguiu tal façanha devido a uma estratégia de marketing, visto que
seu remake americano, intitulado Paixão à
Flor da Pele, foi lançado por aqui em circuito comercial, embora sem
atingir sucesso. Também pode ter influenciado o fato dos atores Vicent Cassel e
Monica Bellucci estarem em alta em meados da década de 2000 emplacando muitos
trabalhos em solo americano. É certo que só o fato de ser um filme francês e
carregar certa aura (involuntária) de raridade, acrescido de ser a chance de
fazer uma comparação com sua versão hollywoodiana, já seriam suficientes para
chamar a atenção para este trabalho escrito e dirigido pelo então estreante
Gilles Mimouni. O problema é que quem deposita grandes expectativas no projeto
se decepciona. A narrativa não linear tem a função de prender a atenção do
espectador até o final, mas é muito difícil seguir esta trama que fala de
encontros e desencontros, coincidências e armações, sentimentos e desejos. Max
Mayer (Cassel) é um executivo bem sucedido que após dois anos em Nova York está
de volta a Paris e vai se casar com a noiva Muriel (Sandrine Kiberlain). Antes,
porém, terá um encontro de negócios em Tóquio, mas algo faz o rapaz mudar todos
os seus planos de uma hora para a outra. Ele vê de relance em uma cabina
telefônica uma mulher que acredita ser Lisa (Bellucci), uma paixão avassaladora
que teve em um passado recente, e próximo onde a moça estava encontra uma chave
de um hotel parisiense e resolve entrar escondido no quarto para lhe fazer uma
surpresa, mas não a encontra. Contudo, chama a atenção de Max um obituário
rasgado o que o leva a um cemitério. Não encontra Lisa, mas passa a seguir um
estranho chamado Daniel (Olivier Granier), a pessoa com quem a mulher da cabina
estava conversando dizendo que a relação havia acabado. Como ele sabia que esse
Daniel é o mesmo do telefonema? O que significa o tal obituário? Essas são
apenas algumas das peças do quebra-cabeça proposto por Mimouni, porém, cheio de
lacunas. E ainda em meio a tudo isso, por meio de flashbacks, ficamos sabendo
como Max conheceu Lisa.
Podemos dizer que depois desse início um tanto embolado, a segunda parte
bagunça ainda mais o raciocínio do espectador, que já deve saber que em se
tratando de uma produção francesa uma narrativa um tantinho arrastada é sua
marca registrada e um filme que dura cerca de duas horas parece ter o dobro de
tempo. Mas continuando, ao seguir o estranho, Max chega a um apartamento que
acredita ser o verdadeiro endereço de Lisa e realmente encontra lá uma moça que
afirma ter esse nome, mas ela não é a sua paixão do passado. Seu nome na
realidade é Alice (Romane Bohringer), aparentemente sonsa e desesperada, mas no
fundo maquiavélica. O mal entendido fica por isso mesmo quando esses dois
completos desconhecidos acabam passando a noite juntos. Max fica com seus
sentimentos confusos em relação as três mulheres que povoam seu imaginário e
para piorar ele nem desconfia que a garota com quem dormiu é a namorada de
Lucien (Jean-Philippe Écoffey), seu melhor amigo, e tampouco que ela conhece e
mantém contato com a verdadeira Lisa, que por sua vez está fugindo do tal
Daniel com quem teve um caso. Esta ciranda amorosa infelizmente é cheia de
situações mal explicadas e se arrasta além dos limites, principalmente para
quem logo nos primeiros minutos não conseguir se sentir fazendo parte dela,
ainda que como um voyeur. Com um roteiro cheio de farsas e idas e vindas no
tempo, recursos auxiliados por uma boa edição, não se pode dizer que a história
é desprezível. Percebe-se empenho de Mimouni em realizar uma obra diferenciada.
Com a ajuda de outros roteiristas, imperdoavelmente ignorados nas fichas
técnicas, podemos dizer que a ideia do projeto era inovar. Se dramas e
suspenses rotineiramente usam e abusam das narrativas fragmentadas, por que não
testar a fórmula em um romance? O problema é que talvez tantas cabeças pensando
juntas trouxe um acúmulo de ideias, mas esqueceram de fazer uma “limpeza” no
roteiro final e tudo acabou sendo aproveitado. O Apartamento deve causar
a ira e a decepção de muitos em um primeiro contato, mas de qualquer forma não
está longe de ser deplorável, tanto que faturou o prêmio Bafta de Melhor Filme
em Língua Estrangeira. Espera-se, portanto, que algo de bom ele tenha a
oferecer. Assistindo mais de uma vez e prestando atenção principalmente na
personagem Alice a obra torna-se mais palatável podendo o tema central ser
resumido em uma única palavra: obsessão. A quem interessar, as dicas de como
degustar este trabalho também valem para sua versão americana, mais fácil de
encontrar, porém, tão confusa e irregular quanto a original.
Romance - 116 min - 1996
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