sexta-feira, 1 de maio de 2015

JULIE E JULIA

NOTA 8,5

Homenagem à famosa
culinarista americana é
saborosa e tenta criar um
link com novas gerações
Muitos consideram a cozinha o melhor lugar de uma casa e é talvez por isso que os filmes que tem como pano de fundo o mundo gastronômico nos passem sensações de conforto e aconchego únicas. São várias as produções que utilizam artifícios da culinária para seduzir os espectadores, o que confere a esses trabalhos visuais de dar água na boca e que envolvem rapidamente a quem assiste. Julie e Julia é mais um título para engrossar este caldo que poderia ser catalogado como um filme gostoso ou agradável, mas nas categorias convencionais é difícil classificá-lo. Não é um dramalhão, porém, também não é de provocar gargalhadas. Talvez essa indefinição de gênero tenha colaborado para a morna recepção da obra por parte da crítica e do público. Todos que deram ou ainda darão atenção a este trabalho certamente tem uma única justificativa na ponta da língua: Meryl Streep. A veterana atriz conquistava sua 16º indicação ao Oscar recriando Julia Child, uma americana que no final da década de 1940 se muda para Paris para acompanhar seu marido Paul (Stanley Tucci) em seu novo endereço de trabalho, mas a mudança significaria muito mais para ela própria. Sem filhos ou emprego, a esposa do diplomata não quer desperdiçar seu tempo ocioso e passa a procurar alguma atividade que lhe dê prazer, encontrando isso em um curso de culinária, embora sua intimidade com a cozinha fosse mínima. O que poderia ser apenas um passatempo acabou ganhando proporções que Julia não esperava. Alguns anos mais tarde ela publicou um best-seller gastronômico e conseguiu ingressar na televisão para apresentar um programa de culinária no qual ela também divertia as pessoas com seu jeito de ser, voz diferenciada e sua curiosa imagem de uma mulher com quase 1m90 de altura. Seu sucesso seria fruto de seu trabalho ou de sua simpatia e bom humor? A mistura de ambos certamente, tanto é que já na casa dos setenta até oitenta e poucos anos ela ainda estava na ativa e seu livro “Dominando a Arte da Culinária Francesa” chegava a sua 49º edição no ano de 2004 quando faleceu. O longa não mostra os últimos anos de vida da culinarista, mantendo o foco entre os anos 40 e 60, justamente o período em que tomou gosto pela arte de cozinhar e decidiu levar seus conhecimentos da cozinha francesa para os americanos que segundo ela não costumavam fazer pratos apetitosos. A parte do roteiro que nos apresenta um pouco da vida de Julia chama a atenção por conter ingredientes interessantes. A personagem passa ao espectador de maneira sutil a idéia de como as mulheres viviam naquela época posterior a Segunda Guerra Mundial. Elas eram submissas ao marido, tinham muito tempo livre e não estavam inseridas no mercado de trabalho. Seu destaque nesse cenário engessado se deve ao fato de seu sucesso profissional e pelo seu jeito alegre de viver e sem repressões já que seu marido sempre a apoiou em todas as suas decisões, ao contrário de outros homens da época que eram enérgicos com suas companheiras. É interessante que Meryl e Tucci dividiram cenas também em O Diabo Veste Prada em papéis completamente diferentes, mas em ambos os casos a atriz acabou se sobressaindo com suas minuciosas composições físicas e comportamentais, mas nada que desmereça o trabalho do ator.

Já Amy Adams surge como Julie Powell em uma trama paralela passada em meados dos anos 2000, cujo elo com a Julia de décadas atrás é seu famoso livro de receitas. A moça está prestes a completar trinta anos, mas está frustrada com a vida que leva e busca um objetivo diferenciado para seguir pelos próximos meses. Ajudando em um grupo de apoio aos necessitados após perder seu emprego em uma editora, ela recebe incentivo do marido Eric (Chris Messina) para investir no ramo culinário. Assim surge a idéia de fazer um blog. Ela prepararia as mais de 500 receitas do livro de Julia, sua inspiração, no prazo máximo de um ano e colocaria na internet todas as suas considerações e impressões. O problema é que seu empenho em cumprir o desafio que impôs a si mesma acaba diminuindo seu tempo para o marido e demais atividades, o que gera certo distanciamento do casal. Este trecho contemporâneo não parece ser tão interessante a primeira vista, mas no futuro pode funcionar como um registro do início do século 21, período marcado pelo individualismo ou, na melhor das hipóteses, pela comunicação à distância, o mundo virtual se apossando da realidade, fato que é evidenciado pelo descontentamento de Eric em relação ao novo comportamento da esposa. É curioso que inicialmente ou tal blog praticamente não era acessado, mas pouco a pouco caiu no gosto popular a tal ponto que Julie conseguiu realizar seu grande sonho: escrever um livro. Praticamente todo o conteúdo que publicou on line recebeu uma revisão para se adequar às páginas impressas da publicação que leva o mesmo título do filme e que foi lançada em 2005. Sendo assim, estas duas histórias que se alternam ao longo do filme e que tem como fio condutor o apreço pela culinária não foram criadas especialmente para dar um tom poético à obra, mas é fruto de uma curiosa combinação de dois livros distintos que formaram um conjunto agradável e eficiente mostrando paralelamente como duas personalidades tão distintas se completam de alguma forma, ainda que vivendo em épocas opostas. A parte da famosa Julia foi inspirada no livro de memórias “Minha Vida na França”, escrito por ela mesma em parceria com Alex Prud’homme.

A receita desta mistura de drama e comédia é bem convencional e segue o clichê da pessoa que assume um desafio como forma de superar tristezas e suprir necessidades, o viés comumente utilizado em produções cujo pano de fundo é o mundo esportivo. A mudança de ambiente colabora para disfarçar a repetição de tema, assim como o excepcional trabalho de edição que consegue criar verdadeiras rimas visuais com a intercalação das duas tramas. Meryl e Amy não chegam a dividir cenas, mas percebe-se um cuidado especial na seleção de cenas e suas respectivas inserções de forma a criar paralelos entre as emoções e situações pelas quais as duas protagonistas passam, sejam positivas ou negativas. São pequenos detalhes e momentos de alegria ou tristeza que tratam de criar sintonia entre as duas épocas retratadas. Todavia, o roteiro da também diretora Nora Ephron, especialista em filmes bobinhos e previsíveis, mas ao mesmo tempo irresistíveis, parece ser todo apoiado na parte de Julia. Provavelmente não foi intencional. Como já dito, a época em que ela viveu permite criar e explorar mais aspectos do que a contemporaneidade de Julie. A impressionante interpretação de Meryl também colabora e muito. Equilibrando-se em saltos bem altos para alcançar a inacreditável altura da homenageada, ela capricha na entonação das falas, esboça certo sotaque e capricha nos gestos e expressões. Para quem nunca ouviu falar da cozinheira, a personagem pode até parecer caricata e exagerada, mas segundo registros ela realmente era uma figura excêntrica, cheia de trejeitos e com uma voz muito característica. Muitos apontam que a longa duração é um dos problemas desta produção. De fato uns vinte ou trinta minutos a menos seriam benéficos, mas vale elogiar Nora pela ousadia em experimentar uma narrativa entrecortada, algo diferenciado em seu adocicado currículo. As tramas vistas separadamente poderiam resultar em algo minguado, mas juntas se completam e crescem. Julie e Julia em suma é delicioso, literalmente, mas ao que tudo indica deve envelhecer de forma desmerecida e perder a data de validade em breve, tornando-se uma obra que provavelmente só será lembrada por mais uma interpretação vigorosa de Meryl, assim como tantos outros filmes da filmografia da atriz. De qualquer forma, a massa e o recheio desta produção são fartos e de bom gosto, mas faz falta uma cobertura caprichada para torná-la excepcional.

Comédia - 123 min - 2009 

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