segunda-feira, 25 de maio de 2015

REENCARNAÇÃO (2004)

NOTA 8,0

Longa surpreende pela
ousadia de privilegiar a
arte de enganar a se
entregar a velhos clichês
Já é de praxe neste espaço lembrar alguns filmes cujos títulos merecem destaque e serem discutidos. Alguns são curiosos, outros engraçados, temos uns enigmáticos e também há aqueles em que uma única palavra resume as intenções do longa em questão. O problema é quando o termo escolhido é ambíguo e pode servir tanto de forma negativa quanto positiva. Este é o caso de Reencarnação, um trabalho que não é magnífico, mas também passa longe de ser a tragédia que a mídia tratou de divulgar na época de seu lançamento, o que afugentou o público não só brasileiro e americano. O filme acabou sendo um grande fracasso mundial, embora a atuação de Nicole Kidman tenha sido apontada como um dos poucos pontos a favor da produção que não foi bem acolhida pelo circuito comercial, porém, conseguiu um tímido espaço no de arte. Bem, realmente é para platéias mais atentas e preocupadas com conteúdo que essa obra foi realizada, embora seu título e premissa evoquem o sobrenatural, um convite e tanto para os adeptos de sustos e gritarias que certamente se decepcionam com o que encontram. Só pelo fato de conseguir enganar o espectador a primeira vista já rende um crédito a este produto assinado por Jonathan Glazer, de Sexy Beast, diretor oriundo do mundo dos videoclipes que surpreende aqui com sua direção lenta e preocupada em mostrar detalhes de cenários e das expressões dos personagens. Na trama Nicole vive Anna, mais uma vez apostando na tática de se despir de vaidades para acentuar a credibilidade de sua personagem, uma mulher que sofreu aproximadamente uma década por não se conformar com a morte precoce do marido e que agora está prestes a se casar novamente após muita insistência de Joseph (Danny Huston), seu novo namorado. No dia do aniversário de sua mãe, Eleanor (Lauren Bacall), o casal anuncia o noivado, mas a festa é interrompida por algo inesperado. Um garoto com fala segura e expressão séria aparece pedindo para que Anna não se case novamente. O que parecia ser uma brincadeira acaba abalando esta mulher que fica sem saber o que fazer quando ele diz seu nome. Sean (Cameron Bright) afirma que é a reencarnação do falecido marido de Anna, inclusive até seu nome é o mesmo.
A determinação do garoto e a seriedade com que ele afirma a história da reencarnação ultrapassam os limites deixando Joseph e a família de sua noiva transtornados, mas nada que se compare ao turbilhão de emoções que Anna passa a viver com a volta de lembranças do passado e a dúvida se o pequeno Sean está dizendo a verdade. Pouco a pouco ela passa a questionar seu futuro ao lado de um homem que jamais amou como aconteceu com seu falecido marido, mesmo com todos a sua volta questionando a veracidade das informações que o menino traz à tona, mas Anna garante que são particularidade que só ela e seu eterno Sean sabiam. O plot inicial daria até um bom filme puxado para o terror e certamente era isso que quase a totalidade do público que foi aos cinemas assistir desejava ver, seguindo a idéia de que o título faz alusão a algo no estilo O Exorcista. Não só a introdução nos passa tal sentido, mas também a própria forma como o enredo é desenvolvido apoiando-se em movimentos de câmera sinuosos e melancólicos que exploram ao máximo a sensação de vazio e nostalgia do prédio e do apartamento de Anna, os principais cenários. O longa tem o mérito de fugir dos clichês dos filmes de horror e se entregar a um drama atípico. Apesar de misturar mistério e angústia, não chegamos a sentir calafrios de medo ou ficar com os olhos lacrimejando. Se você não se assusta e tampouco se emociona ao extremo, qual o objetivo desta produção? A resposta só deve ter mesmo Jean-Claude Carrière, o roteirista de A Insustentável Leveza do Ser e de vários longas franceses, o que explica o viés cerebral adotado pelo filme de Glazer, que também co-escreveu o texto em parceria com Milo Addica, este que já havia flertado com o suspense dramático em A Última Ceia. No geral, a proposta é criar um crescente clima de tensão psicológica contrapondo-se a linha dramática decrescente, já que não é muito difícil adivinhar a conclusão do enredo. Porém, como sempre dito neste blog e em tantos outros, surpreender no final é coisa rara hoje em dia, ganhando muito mais importância a forma como a narrativa é desenvolvida e neste quesito este longa leva vantagem.
O filme começa de forma enigmática mostrando a morte de Sean (Michael Desautels) e já demonstrando o estilo da narrativa. Enquanto o rapaz corre em meio a uma paisagem fria e coberta de neve surgem os créditos iniciais acompanhados de uma música melancólica. A sequência é bem longa, assim como outras diversas cenas que vem a seguir, principalmente quando os olhares de Nicole e Bright se cruzam expressando tudo o que não é dito com palavras. Os dois intérpretes estão perfeitos do início ao fim, mas uma cena em especial entre eles chama a atenção pela ousadia. A certa altura ambos aparecem dividindo uma banheira e aparentemente nus, uma situação totalmente desnecessária que não aumentou em nada o interesse dos espectadores pelo longa. Durante sua primeira exibição, uma sessão de gala no Festival de Veneza, muitas pessoas entediadas saíram da sala na metade da projeção e até vaias surgiram, mas a gota d’água foi insinuar um ato de pedofilia que aos olhos dos mais esclarecidos nada mais representa que o ápice da loucura da mulher e da perversão do garoto ou do amor extremo do reencarnado. Se como drama ou suspense Reencarnação mereça avaliações de regular para baixo pela maior parte do público, como projeto experimental ele merece cotações mais generosas. Para quem tem a capacidade de se envolver com histórias que deixam de lado a movimentação para dar lugar de destaque à melancolia, certamente esta produção revela-se como algo quase impecável. É até difícil explicar os sentimentos que surgem ao acompanharmos o passeio da câmera pela construção que serve como cenário principal. Ao mesmo tempo em que sentimos aconchego e rapidamente à vontade em um ambiente com iluminação aquecedora e decoração nostálgica, também ficamos com a sensação de que a qualquer momento algo inesperado pode acontecer. A construção dos personagens também vale como fator experimental. Raramente encontramos tipos tão profundos em enredos com pegada de suspense. A protagonista envolve com seu drama onde realidade e fantasia se misturam de maneira crível e amedrontadora. O garoto convence além do necessário com suas expressões e olhares ameaçadores e que parecem transmitir uma verdade ímpar. Até mesmo Joseph chama a atenção pela maneira como aceita a presença do garoto na vida de Anna, ora tratando-o como uma criança perturbada ou brincalhona e ora encarando-o como um rival. Enfim, esta produção, como já dito, merece atenção a começar pelo fato de enganar o espectador vendendo seu peixe de uma maneira comum, mas surpreende ao revelar-se um projeto que exige de quem assiste um mínimo de massa encefálica aliada a uma percepção sentimental apurada. Quem espera um suspense dos bons, sem dúvida se decepciona. Aos adeptos de drama, uma boa pedida. E se você é do tipo aberto a propostas diferenciadas, programa obrigatório.
Drama - 100 min - 2004 

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