NOTA 8,0 Estética comercial adotada escamoteia conceitos e ideias importantes de enredo reflexivo e com final atípico |
Alguns filmes chamam a atenção
por serem intitulados de forma intrigante por causa de uma somatória de
palavras que talvez pelas sinopses não façam sentido e as vezes nem assistindo
as obras conseguimos compreender tais escolhas. Por outro lado, algumas
produções economizam no verbo e com apenas uma ou duas palavras expressam a
idéia do filme ou criam uma aura enigmática que beneficia o produto. Este é o
caso de A Caixa cujo título é um tanto genérico, mas de certa forma
chama a atenção do espectador. É uma pena que a intriga deixe de existir
rapidamente, pois qualquer um que veja o trailer ou leia a sinopse terá já
matado a charada. Será mesmo? Há muito mais a ser descoberto neste longa que
aparentemente é só um passatempo qualquer, mas que guarda mensagens
subliminares importantes. A história gira em torno do casal Lewis que leva uma
vida tranquila em um bairro suburbano do estado de Virgínia nos anos 70 junto
com Walther (Sam Oz Stone), seu único filho. Norma (Cameron Diaz) é professora
e Arthur (James Marsden) é um engenheiro da NASA. A pacata rotina desta família
muda completamente quando um
misterioso homem conhecido como Sr. Steward (Frank Langella) aparece na casa
deles com uma proposta excêntrica e tentadora. Ele lhes entrega uma caixa, um
objeto com um único botão e aparentemente inofensivo. As condições do acordo é
que soam como uma brincadeira de mau gosto. Se o casal apertasse o tal botão
ficaria milionário, porém, carregaria a culpa de saber que causou a morte de
algum desconhecido em qualquer lugar do mundo e sem nenhuma explicação. Devido
aos problemas financeiros, o casal fica tentado a aceitar a proposta para
ganhar o dinheiro, mas ainda com muitas desconfianças. Agora eles têm poucas
horas para decidir o que fazer, uma decisão que pode mudar ou arruinar sua
vidas. Dinheiro fácil não cai dos céus e um roteiro comum exploraria o batido
viés de o casal protagonista passar o filme todo tentando desvendar o mistério
da tal caixa, mas aqui a coisa muda porque a condição para que ganhem o dinheiro
já é exposta nos primeiros minutos de projeção. O lance é ver o que acontece
após toparem o acordo sem pensarem nas consequências, apenas tomando o cuidado
em desmontar parcialmente o objeto para ver se uma bomba não explodiria a
qualquer momento. Se não oferece perigo a eles, para que pensar nos outros
mesmo sabendo dos riscos? A narrativa se desenvolve no período natalino, época em que o espírito de fraternidade está em alta, um paradoxo interessante ao ponto principal do roteiro, e como nos EUA é inverno a paisagem sempre nublada e as ruas úmidas ou cobertas de gelo acentuam o clima de tensão e melancolia, ainda que a sensação de aconchego de algumas cenas por conta da direção de arte contribuam para dar um charme a mais à obra.
O diretor e roteirista Richard Kelly novamente propõe a reflexão e a
crítica através de uma obra alegórica, ou seja, esconde suas mensagens embaixo
de um verniz comercial. A estratégia é válida, mas não traz bons resultados
simplesmente porque não atende as expectativas de um público que dá mais
atenção ao visual que ao conteúdo, ou seja, a demanda substancial de qualquer
projeto que pretende fazer sucesso. Seus trabalhos anteriores, Donnie Darko e Southland Tales – O Fim do Mundo, já traziam à tona idéias
apocalípticas, críticas governamentais, problemas éticos e morais, enfim o
reflexo de uma sociedade doente e regida pelas leis capitalistas e padrões
estéticos e comportamentais pré-definidos. O primeiro longa acabou alcançando
status de cult enquanto o segundo foi rotulado como qualquer produto de ação
que passou em brancas nuvens. Equilibrar cinema comercial e alternativo não é
fácil, mas Kelly não desistiu e voltou a investir na crítica às famílias
americanas de classe média utilizando uma série de questionamentos morais
colocando em xeque o comportamento do ser humano em relação ao seu semelhante. A
família apresentada aqui vive aparentemente de forma comfortável e sem problemas,
mas a renda do casal não banca o padrão de vida que desejam ostentar. Além
disso, a esposa necessita de uma cirurgia ortopédica, o filho está prestes a
perder os descontos que recebia na mensalidade da escola e o marido está
frustrado por não poder participar de uma sonhada expedição espacial. Portanto,
a oferta da caixa parece irresistível e a solução para que o clã seja
completamente ou momentaneamente feliz. A ganância fala mais alto e eles nem
imaginam que o sonho se transformaria em pesadelo. Aceitar um acordo para
enriquecer financeiramente sabendo que alguém sofrerá consequências e logo
depois passar a sentir o medo de ser a próxima vítima é uma metáfora aos
acontecimentos do cotidiano. Todos os dias existem pessoas que aceitam dar
golpes ou até matar em troca de dinheiro ou algo de valor, mas ao aceitarem tal
proposta estão se sujeitando a máxima de que o feitiço volta contra o
feiticeiro. Os protagonistas não podem nem ao menos recusar o dinheiro como
forma de tentar se livrar do sentimento de culpa. Steward, que parece estar ou
ter informantes em todos os locais que Norma e Arthur frequentam, os avisa
tardiamente que se eles não desejavam problemas não deveriam ter aceitado o
negócio. Em resumo, este enredo é uma nova roupagem para o famoso conto de
Fausto que fez um acordo com o Diabo para conseguir algo impossível e que já
teve inúmeras releituras. Você tem seu desejo facilmente realizado, mas o
pagamento é extremamente caro e cobrado cedo ou tarde. Enfim, o interesse desta
produção é gerado por uma boa trama que instiga o espectador a querer desvendar
junto com os protagonistas os mistérios e consequências que envolvem o tal
objeto, mas não espere um ritmo de adrenalina no estilo ação ou policial e
tampouco um produto alicerçado nos clichês de terror. O longa se beneficia principalmente em sua
primeira metade de um excelente clima de tensão, mas a narrativa lenta pode ser
um entrave, embora eficiente. A partir do momento em que o casal faz o que não
devia, o filme ganha tons escuros, trilha sonora mais acentuada e ritmo um
pouco mais acelerado, tudo para prender a atenção do espectador.
Quando nos aproximamos do final da história a produção começa a se
tornar um pouco confusa devido as explicações dadas que não convencem muito e que
devem dar um nó na cabeça até do mais atento dos espectadores, além do uso de
efeitos especiais, ainda que em pouca quantidade, mas que destoam completamente
do clima realista adotado até então. Todavia,
os dez minutos finais compensam com uma conclusão que deve surpreender muita
gente por ser incomum para uma produção hollywoodiana e com status de
comercial. No conjunto, ficamos com a sensação de que assistimos uma obra que
sofreu transformações ao longo das filmagens sendo concluída de forma bem
diferente da prevista, embora não existam informações de que houve graves
problemas de bastidores ou imposições do estúdio e produtores. Se inicialmente havia
vários problemas que levaram os protagonistas a aceitarem a inusitada proposta,
depois de apertado o botão tais assuntos não são mais tocados. Muitos
personagens que surgem no caminho deles com comportamentos estranhos ou fazendo
ameaças aparecem e desaparecem do nada não trazendo nada de relevante à trama.
Ainda assim, para quem se sentir envolvido pelo clima intrigante do início e gostar
de obras reflexivas, vale a pena insistir e ver até o final quando concluímos
que a fita coloca em discussão, como já dito, importantes questões a respeito da
valorização da vida, respeito ao próximo e das atitudes que tomamos em busca de
reconhecimento e poder, enfim um lugar no mínimo confortável na sociedade. Cameron e Marsden defendem bem seus
personagens, mas formam um casal frio, apesar de que o roteiro em nenhum
momento sugere que seus personagens não se dão bem, pelo contrário, mas falta
romantismo nesta relação. O envolvimento entre eles poderia render mais também
se fosse melhor explorada a sequência do invento do engenheiro para ajudar a
esposa que tem um problema nos pés devido a exposição à radiação, um gancho que
aparece com força no início, mas que não contribui em nada para a resolução do
enredo. Quem se destaca mesmo é Langella que é bem aproveitado do início ao fim
e que constrói um intrigante personagem graças a sua voz grave e praticamente
sem esboçar reações faciais. Pode tanto parecer uma pessoa de má índole quanto
uma criatura de outro mundo enviada para fazer justiça na Terra por meios
torpes submetendo os humanos a testes. Aí chegamos a outra questão relevante:
haveria a possibilidade do mundo estar sob controle de alienígenas
estrategicamente camuflados? Na época em que a história se passa estava na moda
indagações do tipo, ainda mais porque a NASA enviava pela primeira vez uma
equipe para o espaço com o objetivo de desbravar outro planeta. Pegando carona
no modismo, Richard Matheson, mestre da literatura de horror e ficção
científica, escreveu o conto “Button, Button” inspirado em um artigo de
revista. É neste texto que Kelly se baseou para criar A Caixa, uma daquelas
obras que precisam de certo tempo para serem absorvidas totalmente.
Infelizmente, muito por causa do péssimo ensino até mesmo de escolas de
renomes, fomos acostumados a apreciar tudo sem aprofundamentos e aceitar o que
nos é entregue à primeira vista, assim não é de se espantar que a maioria que
assistiu o longa achou ruim ou regular, passando longe dos conceitos sociais
implícitos. Vale a pena ver ou rever e tentar encontrar os pontos relevantes
desta crítica contundente e escamoteada que bate de frente com o estilo de vida
dos sonhos não só dos americanos. Não é só de dinheiro e riquezas materiais que
vivemos. Respeito, amor e fraternidade são itens fundamentais na vida de
qualquer ser humano, mas infelizmente estão em extinção. A solução? Pense fora
da caixinha.
Suspense - 115 min - 2009
Um comentário:
Gostei do filme. Fui sem expectativa grande e apreciei as questões que o filme aborda.
Me agradou no contexto geral.
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