NOTA 8,0 Drama prende a atenção sem recorrer aos artifícios manjados do gênero, mas sua narrativa poderia ser mais forte |
Será que é possível realizar um bom suspense sem apelar para
personagens do além, psicopatas sedutores ou assassinos mascarados atrás de
adolescentes bobocas? A resposta é sim como prova o longa independente Até o
Fim que conta com uma excelente trama policial, mas a forma como a narrativa
foi desenvolvida é mais puxada para um drama. E dos bons. O filme começa
mostrando Margaret Hall (Tilda Swinton) entrando em uma espécie de clube
noturno para falar com um sujeito chamado Darby (Josh Lucas), um rapaz que
transpira canalhice. Ela está muito preocupada, pois descobriu que seu filho
adolescente Beau (Jonathan Tucker) está se encontrando as escondidas com este
homem bem mais velho que descaradamente é metido com negócios ilícitos, tanto
que mesmo sem revelar qual a sua real ligação com o garoto exige uma boa
quantia em dinheiro para se manter afastado dele. Na mesma noite, Beau o
encontra nos arredores de sua residência e discute pelo fato dele ter
chantageado a sua mãe. No dia seguinte, após poucas horas da briga, a própria Margaret
encontra o corpo do mau-caráter jogado na beira de um lago perto da sua casa.
Querendo proteger seu filho de ser acusado de assassinato e também para não
revelar o seu envolvimento íntimo com a vítima, esta mãe toma a impulsiva
decisão de ela própria sumir com o corpo na ingênua tentativa de esconder que
houve um crime. Logo este plano é descoberto por Alek Spera (Goran Visnjic), um rapaz
que está a serviço de outro bandido que deseja chantagear Margaret, também para
conseguir dinheiro fácil, utilizando uma comprometedora fita de vídeo
envolvendo Beau. Os roteiristas Scott McGehee e David Siegel, também diretores
do longa, basearam-se no livro “The Blank Wall”, de Elisabeth Sanxay Holding,
este que já havia sido adaptado de forma mais fiel no longa Na Teia do Destino,
datado de 1949. Para quem assistiu a obra antiga assinada pelo diretor Max
Ophüls, as comparações com este remake podem ser inevitáveis e até prejudicar a
apreciação de ambos. É importante
ressaltar que foram feitas alterações significativas na história para inseri-la
da melhor forma no contexto do século 21.
Embora o longa anterior não seja creditado como inspiração, as duas
obras guardam algumas semelhanças no conteúdo e até na forma como os fatos são
inseridos na narrativa, principalmente em seus primeiros minutos que logo
deixam explícito os conflitos dos personagens.
O que antes ficava subentendido nas entrelinhas, aqui fica
claro visualmente. Na trama original era uma garota menor de idade que se
envolvia com um cafajeste. Embora não fosse mostrado um forte contato físico
entre eles, estavam claras as preocupações da mãe da jovem. A proteção da
virgindade, uma gravidez indesejada, ser usada como um objeto para satisfação
sexual, não conseguir um bom casamento devido a fofocas ou sofrer chantagens para
ter dinheiro extorquido. Boa parte destas preocupações em plenos anos 2000 já
não causa o impacto de outrora. As sociedades mudaram seus pensamentos e
condutas e muitas coisas que antes eram deploráveis hoje até que são bem
aceitas. Para dar um gás ao enredo, os roteiristas então trocaram o sexo do
personagem adolescente e também sua opção sexual. Agora o homossexualismo
passou a ocupar a vaga de tabu. Logo no primeiro minuto do filme percebemos que
o assunto será abordado, mas isto é feito de forma fria e sem grandes
desdobramentos. A relação entre Beau e Darby fica explícita ao espectador, mas
parece que os realizadores do filme não quiseram se meter em polêmicas e não
aprofundaram o assunto. Não se fala do aspecto pedófilo desta relação e
tampouco sobre o que levou um rapaz tão jovem a ter sua sexualidade despertada
tão cedo e fora dos padrões. Não fica claro nem mesmo como Margaret lida com
essa situação. Ela compreenderia o filho, mas tinha medo dos sofrimentos pelos
quais ele passaria ao se assumir gay? Ela própria teria preconceito? Teria medo
da reação do marido, um oficial da Marinha que jamais está em casa assumindo
suas funções como chefe de família? Ficamos sem essas respostas. Após a
introdução, praticamente esquecemos que a história fala de uma mãe desesperada
não só para proteger seu filho de ser acusado de um gravíssimo crime, mas
também para evitar que ele seja alvo de chacotas e preconceitos devido a sua
vida sexual. O fato só volta a ter destaque quando a tal fita de vídeo
comprometedora entra no rolo, mas ainda assim o longa se isenta de discutir a
homossexualidade, embora o fato de Darby ser de índole duvidosa, algo explícito
pelo seu ambiente de trabalho, postura, visual e vocabulário, pudesse ser um
foco de incêndio para gerar discussões, afinal ainda muitos veem erroneamente
as relações homo afetivas como algo promíscuo e intimamente ligadas a falta de
limites ou pudor.
Perdendo esses interessantes ganchos, ainda assim McGehee e
Siegel conseguem fazer um trabalho competente investindo todas as suas fichas
no lado policial da história. O foco principal pode até ser um tanto
convencional, mas a forma como ele é desenvolvido é que faz toda a diferença
nesta produção que ganhou uma grande projeção ao ser exibido no Festival de
Sundance, o grande celeiro do cinema independente. Além de um prêmio pela
excepcional parte fotográfica que transmite com perfeição todo o clima
melancólico e ao mesmo tempo tenso que o enredo pede, Tilda Swinton foi
premiada como Melhor Atriz e dessa forma teve seu nome inserido no mapa
cinematográfico e desde então é uma figura frequente em premiações. Evitando
gritarias e caras e bocas, ela apresenta uma atuação contida explorando os
limites aos quais pode chegar uma pessoa perturbada pela dor da decepção ou o
medo da rejeição. Ela consegue deixar transparecer a todo o momento a angústia da
personagem que sofre ao descobrir as intimidades do primogênito, em omitir isso
da família, assim como o tal assassinato, e que está sob a pressão de
vigaristas que podem a qualquer momento destruir sua família, seja por ambas as
revelações bombásticas ou até mesmo por uma só delas. É até possível observar
este dilema pelo viés do sonho americano da vida perfeita, um tema-fetiche de
vários diretores na época deste lançamento logo após o estrondoso sucesso de Beleza
Americana. Estaria Margaret enfrentando esta jornada infernal por amor ao seu
filho? Ou seria pelo amor exagerado a um marido que não entenderia a situação?
Estaria ela preparada a viver guardando segredos e vendo Beau infeliz
simplesmente para manter a imagem da família perfeita? O longa não entrega respostas e deixa para o
espectador refletir sobre o que levou a protagonista a agir desta forma
impulsiva. Vendo por este prisma, Até o Fim pode parecer o típico filme a la “Super
Cine”, aquele tipo cuja premissa promete muito, mas o resultado final deixa a
desejar. Mas não se engane. Justamente por deixar sentimentos latentes em
evidência e evitar artifícios fáceis para chamar a atenção, esta é uma obra que
pode ser de difícil digestão, no bom sentido fique claro. Não conta com
momentos de arroubo de heroísmo, tiroteios e tampouco doses cavalares de
adrenalina. As armas de guerra desta produção é simplesmente contar uma boa
história que mescla drama e suspense em doses similares para mostrar até que
ponto pode chegar uma pessoa diante de uma situação de intensa pressão. Muitos
apontam que é um pouco inverossímil pensar que uma dona de casa em meio a louça
para lavar, as roupas para passar, o almoço para fazer e cuidar das crianças
teria ainda disposição, inteligência e sangue frio para lidar intimamente com
bandidos, mas quem nunca ouviu alguma história sobre uma mãe que daria sua
própria vida pela felicidade de um filho?
Drama - 101 min - 2001
Um comentário:
a gente assiste o filme, e pensa porque a personagem tem tanto medo da homossexualidade do filho? Acho que faltou isso no roteiro...
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