NOTA 2,0 Repetindo clichês e erros de outras produções do gênero, terror oriental faz rir com seus equívocos visuais e narrativos |
Embora não
tenha sido muito longa, parece que a fase das refilmagens de fitas de horror
orientais somou mais de uma década em evidência. Tal sensação se deve a grande
quantidade e rapidez com que esses remakes foram despejados no mercado, com o
agravante de que os próprios filmes originais e outros inéditos conseguiram
seus espaços nos circuitos de exibição e em locadoras. Isso seria ótimo caso a
maior parte destes títulos não possuíssem fórmulas tão idênticas, o que ajudou
a esgotar o filão rapidamente. Ainda hoje existem alguns fãs fervorosos do
terror oriental, embora em números bem reduzidos, mas tais produções estão mais
escassas na praça restando aos curiosos e aficionados rever ou caçar títulos
que não tenham tido grande repercussão quando lançados. Almas Reencarnadas pode
ser uma opção para estes casos. Escrito e dirigido por Takashi Shimizu, o mesmo
responsável pelas versões japonesa e americana de O Grito, é óbvio que ele não vê seus trabalhos e de seus
conterrâneos da mesma forma que os ocidentais, ou seja, um subgênero do terror.
Provavelmente para ele não há o menor sinal de humor em produtos do tipo que
podem ter em terras orientais o mesmo peso que O Exorcista ou O Iluminado tem
para nós do lado de cá. Sim, do outro lado do mundo terror é coisa séria e no filme
em questão o diretor lançou mão até mesmo da metalinguagem para dar uma
sustentação maior à narrativa que novamente aposta na velha ladainha da
maldição deixada para os vivos que entrarem em contato com o universo daqueles
que morreram em um momento de muita raiva. A trama gira em torno de um terrível
massacre praticado em um hotel turístico. Na década de 1970, um professor
universitário obcecado pelos estudos acerca dos mistérios da reencarnação é
possuído inesperadamente pela loucura e inicia uma sequência de mortes que
resulta em onze vítimas. Enquanto esfaqueia cada corpo com requintes de
crueldade e o pânico toma conta daqueles que ainda estão vivos no local, o frio
assassino filma todos os seus atos fazendo um registro macabro de toda aquela
escabrosa situação. Exatos 35 anos se passam e para lembrar a tragédia o
cineasta Matsumura (Kippei Shiina) decide transformar os relatos desta
espantosa chacina em um filme apostando ao máximo no realismo.
O filme
dentro do filme, truque que já pode ser considerado um clichê das produções de
horror e suspense, é intitulado de “Memory” e será protagonizado pela desconhecida
atriz Nagisa Sugiura (Yukka) que imagina que essa é sua grande oportunidade de
se consolidar na carreira. Porém, mesmo antes do convite, ela já vinha sendo atormentada
por estranhas visões de uma garotinha e sua medonha boneca. Não é preciso muito
esforço para adivinhar que a tal menina é uma das vítimas do massacre, a
própria filha do assassino e a última a falecer no hotel, e não coincidentemente
a personagem destinada à Nagisa. E é claro que as visões tendem a ficar mais
intensas e comuns quando a atriz vai com a equipe conhecer o local onde as
trágicas mortes aconteceram e que agora servirão como locações do longa.
Lembre-se, realismo é a palavra de ordem para o cineasta fictício, mas parece
que o próprio Shimizu não almeja o mesmo em sua obra. A introdução é até
interessante, mas quando prováveis almas penadas passa a reencarnar em novos
corpos em busca de vingança o caldo entorna, podendo causar muito mais
gargalhadas que sustos. Boa parte da ironia involuntária se deve justamente ao
fato de o que deveria causar impacto já foi tão usado que neste caso já não
surtia mais efeito. Câmera seguindo os personagens como se fosse a visão dos
vultos, aparições de crianças clamando frases aparentemente desconexas e de
arrepiar, uma gravação misteriosa que revela detalhes dos assassinatos assim
como as lembranças de umas das poucas pessoas que sobreviveram ao episódio
entre outros clichês acabam deixando a produção tediosa. Nem o arrepio na
espinha básico provocado pela trilha sonora ou efeitos de som surte efeito.
Embora de bons níveis, os recursos auditivos acabam antecipando o que está por
vir, preparando o espírito do espectador, se bem que para quem já assistiu os
principais títulos deste estilo de cinema não há muitas expectativas de se
surpreender com alguma trucagem a esta altura do campeonato. Pela sinopse já é
possível se antever o que está por vir, diga-se de passagem, algo que só deve
animar os fanáticos pelo subgênero que gostam de se divertir com a
previsibilidade tal qual uma criança curte rever centenas de vezes o mesmo
desenho animado. O único ponto de interesse seria realmente o conceito de
metalinguagem inserido. Filmes acerca da produção de obras cinematográficas que
revisitam alguma história marcante, mal explicada ou inacabada do passado
geralmente aguçam a curiosidade do público, mas o roteiro infelizmente, além de
previsível, tem muitos furos, peca pela falta de ritmo e por vários momentos
tende a confundir devido a uma história paralela que entrecorta incessantemente
a principal, sendo aos poucos apenas em parte esclarecida. Cenários do passado
e do presente e personagens mortos e vivos acabam sendo misturados graças a uma
edição desconexa, principalmente no início. As vezes fica difícil distinguir se
o que estamos acompanhando faz parte do longa fictício ou de seus bastidores
que fazem jus a crença de que é preciso ter cuidado quando se lida com
histórias do além.
Mesmo se
não se soubesse que Shimizu é o responsável por esta obra, seria inevitável
compará-la com O Grito e tantos
outros produtos semelhantes. O trabalho que o projetou mundialmente não é
nenhuma obra-prima e é bastante criticado, mas ninguém pode negar que ele provoca
bons sustos, ao contrário do longa em questão cujos sobressaltos
provocados podem ser contados com os dedos de uma mão e a maioria das situações
propostas pode ruborizar certas pessoas devido a algumas derrapadas feias que
não se restringem apenas ao roteiro mal formatado, mas também na concepção
visual do longa. Além de não conseguir criar um clima adequado à proposta, o
cineasta ainda perde muito com as aparições fantasmagóricas que deveriam ser o
ponto alto de toda a produção. Maquiagem e efeitos especiais precários, dignos
de produções caseiras, só colaboram para somar risos no resultado final, fora o
fato de Shimizu simplesmente deixar sua imaginação falar mais alto e
provavelmente nem ter tido a curiosidade em ler um artigo que fosse a respeito
de espiritismo, assim não é de se espantar que uma mesma alma possa surgir em
forma de espectro e logo em seguida já reencarnada em um corpo humano,
ignorando assim qualquer “lei do outro mundo” que em geral só permite a
reencarnação quando o espírito em questão está pronto e purificado, ainda mais
neste caso em que as mortes não ocorreram em circunstâncias naturais. Para não
dizer que o cineasta deveria passar uma temporada no inferno junto com seus
espíritos engraçados, é digno de uma lembrança suas intenções em fazer uma
possível homenagem ao já citado clássico O
Iluminado. Sim, por incrível que pareça o diretor tenta reproduzir a
claustrofobia e consequentemente o medo que parece estar contido em cada canto
do desolador cenário da tragédia tal qual o saudoso Stanley Kubrick explorou o
isolado hotel habitado por Jack Nicholson e sua pequena família. É bom deixar
claro que tudo isso fica apenas no plano das intenções obviamente diante de
todos os defeitos já expostos. Parte integrante do projeto intitulado “J-Horror
Theather”, no qual seis longas de horror, cada qual de um cineasta diferente,
seria produzido sob a batuta de Takashige Ichise, famoso no Oriente por
contabilizar vários sucessos do gênero, Almas Reencarnadas no fundo é apenas
mais um projeto descartável da então prolífica safra da turma dos olhinhos
puxados que na verdade em cena aparecem muito mais esbugalhados. É inevitável a
sensação de que você já viu esse filme em outras oportunidades e, provavelmente,
eles deveriam ser bem melhores.
Terror - 95 min - 2005
Um comentário:
Eu esperava uma joça, mas acabei vendo um filme mediano. Não é bom, mas me surpreendi com o resultado.
http://cinelupinha.blogspot.com/
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