quinta-feira, 31 de março de 2022

O SABOR DA MAGIA


Nota 5 Com temática mística, obra tem visual de encher os olhos, mas peca pela falta de tempero


Um dos maiores atrativos do cinema produzido por países exóticos ou pouco conhecidos é descobrirmos como vivem as populações locais e suas tradições. Com os efeitos da globalização, hoje não interessam apenas os costumes, mas também como eles são respeitados e inseridos no cotidiano daquelas pessoas que vivem fora de seu país de origem. A adaptação de indianos ao agitado dia-a-dia americano é um dos temas mais explorados pela sétima arte nos últimos tempos, principalmente em romances, gênero perfeito para se abordar como um sentimento em comum pode superar diferenças e conflitos étnicos. O Sabor da Magia é uma produção que se encaixa perfeitamente nesta proposta por conta de seu argumento, mas o resultado final fica aquém das expectativas. A história tem como protagonista Tilo (Aishwara Rai), uma imigrante indiana que vive nos EUA e ganha a vida vendendo especiarias e receitas mágicas em um bazar, estabelecimento próprio e que ela procura respeitar não se ausentando por um minuto sequer durante o expediente seguindo as tradições de seu povo. 

Após uma infância traumática na qual foi sequestrada por um grupo de bandidos, a comerciante foi acolhida ainda muito jovem por uma bondosa senhora (Zohra Segal) que lhe ensinou todos os segredos envolvendo o poder das especiarias e dos elementos naturais para curar doenças entre outras finalidades, lições que ajudaram a despertar seu poder mediúnico. Em troca, a garota fez um juramento que jamais usaria tais receitas mágicas para seu próprio bem e abdicaria do amor, assim ela nunca poderia se apaixonar, nem mesmo tocar na pele de um homem, caso contrário perderia sua sensibilidade para lidar com os aromas e sabores. Contudo, ela não resiste quando conhece por acaso Doug (Dylan McDermott). Ao ajudá-lo com os ferimentos devido a um acidente de trânsito, eles acabam se apaixonando e a partir de então os clientes de Tilo começam a relatar problemas provavelmente ocasionados pelas receitas que ela vendeu. Agora ela tem que decidir entre viver esta paixão ou deixar de lado seus sentimentos para ter de volta seu dom. Tilo representa uma das muitas jovens indianas que são treinadas para um trabalho não visando lucros, mas sim para ajudar o próximo através de odores, consistências e sabores. Para honrar o dom de lidar com especiarias a fim de curar doenças do corpo e da alma, além de poder prever o futuro, essas mulheres que vão se espalhar pelas mais diversas regiões do mundo precisam respeitar algumas regras básicas e é esse o gancho explorado pelo diretor Paul Mayeda Berges, também autor do roteiro em parceria com Gurinder Chadha


Baseado no livro "Mistress of Spices", de Chitra Banerjee, o longa dá bastante ênfase ao trabalho da protagonista, por isso vários personagens secundários são inseridos aos poucos como os seus clientes, cada qual com um problema, mas todos com a certeza de que Tilo terá a solução. Dentre seus fregueses estão Haroun (Nitin Ganatra), que acaba de comprar seu táxi e sonha em progredir na vida; Geeta (Padma Lakshmi),uma jovem descendente de indianos que nasceu em solo norte-americano quer viver seguindo os costumes ianques, mas esbarra nas implicâncias de seu avô (Anupam Kher) extremamente tradicionalista; Kwesi (Adewale Akinnuoye-Agbaje) deseja muito impressionar uma garota conquistando-a a partir do paladar; e Jagitt (Sonny Gill Dulay) é um adolescente que busca desesperadamente ser aceito pelos colegas de escola, mas para isso tem que compactuar com atitudes violentas e criminosas. Pode parecer enfadonho, mas não deixa de ser interessante o punhado de minutos gastos mostrando as alquimias que ela oferece aos clientes, todavia, Berges exagera na receita e torna seu filme refém das especiarias. Os diálogos e situações não fluem com naturalidade e o estilo de Aishwara atuar é um verdadeiro teste de paciência que não chega a emocionar em momento algum. A bronca só não é maior porque sua beleza compensa o deslize. Talento ela deve ter, afinal de contas é uma das mais importantes e endeusadas atrizes da Índia de todos os tempos. 

Seduzido pelo clima exótico da produção, Berges preferiu enquadrar sua protagonista como um ser mítico, o que engessou Aishwara. Curiosamente, Tilo dá mais atenção a prever o futuro dos outros que o seu próprio, mesmo com tantas pimentas ao seu redor para evocarem um clima de paixão para ela. O longa só ganha mesmo a atenção do espectador com a entrada de McDermott com seus olhos claros para rivalizarem com os grandes e expressivos olhos verdes da protagonista. É óbvio que ao conhecer Doug e corresponder aos seus galanteios, além de tocar em sua pele e aceitar abandonar sua loja para dar um passeio de moto com ele, Tilo irá infringir as regras e perderá seu dom. As especiarias se revoltam contra sua mestra e então suas receitas passam a não fazer efeito, assim os clientes retornam a sua loja relatando suas frustrações, situações que ela já havia previsto para todos, mas tinha certeza que seriam evitadas com as misturas que recomendou. Nem mesmo Doug escapa da maré de azar e recebe a notícia que a mãe que não via há anos acabara de falecer. A moça então se sente amaldiçoada, como se todos que se aproximassem dela corressem o risco de sofrer algum tipo de infortúnio. A dúvida entre ser fiel aos juramentos que implicam na manutenção de seu poder especial ou se entregar a uma paixão avassaladora deveria ser o grande mote desta produção, mas o que acaba ficando mais evidente são as curiosidades em torno das alquimias de temperos. Até as tramas paralelas parecem mais interessantes que o romance da protagonista, embora todas sejam desenvolvidas de forma superficial e com pouco empenho de seus intérpretes. 


Haveria sim como tornar crível que o poder da soma de alguns ingredientes aromáticos pudesse mudar destinos, mas esta é uma fantasia na qual os próprios atores não parecem acreditar ao defender seus personagens. Tilo por vezes parece uma culinarista de programa de TV ditando uma receita. Falhas narrativas a parte, é certo que O Sabor da Magia é um daqueles filmes que conquistam por seu visual e temática e por isso mesmo dá pena apontar seus pontos fracos que são muitos, principalmente na reta final quando deveria haver o clímax da relação entre Tilo e Doug, mas a pressa é tanta para encontrar o equilíbrio entre a paz do casal e os temperos que a emoção se esvai para dar lugar a soluções esquemáticas. Para escamotear o enredo frouxo, Berges, além de manter o foco da sua câmera nos atributos físicos de Aishwara, enquadra com perfeição os adereços de cenografia afinal de contas os potes, sacos e ramos de especiarias e ervas são as estrelas do filme. Podendo remeter a temática do sensível Chocolate, sem dúvidas este é um apetitoso passatempo visual, mas que deixa a sensação de que algo faltou na receita. Na verdade muitos ingredientes para acertar o paladar. 

Romance - 95 min - 2005

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