NOTA 10,0 Após uma trilogia de sucesso, Peter Jackson não decepciona ao ousar trazer para as novas gerações um ícone do cinema |
Em 1933, ele surgiu em versão stop-motion e em preto e branco em um
filme que é considerado o pai do estilo arrasa-quarteirão de fazer cinema. Em
1976, ganhou uma superprodução, desta vez em cores, o que realçou seu impacto
em tela grande, mas não o livrou de ser surrado pela crítica. Além destes
longas, ele surgiu em outras dezenas de pequenas e trashs produções que levavam
seu nome, todas totalmente esquecíveis. Essa figura até já passou por um
combate com o famoso monstro oriental Godzilla em mais uma das pérolas que
tentaram obter fama às suas custas. Tantas aparições certamente desgastaram sua
imagem, mas o diretor Peter Jackson acreditava que ele ainda poderia ser aceito
no século 21. Um gorila gigantesco com
alma bondosa e considerável dose de inteligência é o chamariz de King
Kong, um filme declaradamente feito para entretenimento, o que gerou
muitas discussões. A recente reinvenção da história do primata de tamanho
descomunal foi aguardada com muita expectativa, fez bastante dinheiro, colheu
prêmios por sua parte técnica, mas não escapou de críticas negativas,
principalmente dos especialistas na área que procuraram as mínimas falhas para
destilar seus venenos em jornais, revistas e sites. O que eles esperavam? Um
drama existencialista e cheio de mensagens subliminares em uma obra cujo
protagonista é um grande animal selvagem? Para aqueles que na época concordaram
com os críticos, vale a pena ver mais uma vez, mas com olhar de espectador de
fim de semana. Assim é possível entender o sentido desta aventura milionária
ter sido feita e encontrar alguns aspectos interessantes que soam como
homenagens. Jackson entregou uma produção ágil, divertida, cheia de efeitos
especiais e jogou o espectador em um mundo repleto de situações fantásticas. O
melhor de tudo é que esta história pode ser apreciada por uma parcela bem maior
de público já que não é preciso ter conhecimento prévio dos personagens e local
onde a ação se passa, pois tudo está concentrado em um único longa, o grande
pecado das chamadas obras-primas do cineasta (a trilogia O Senhor dos Anéis). A história roteirizada pelo próprio
diretor em parceria com Fran Walsh e Philippa Boyens é basicamente a mesma do
original. Passado na década de 1930, época em que os EUA viviam a Grande
Depressão, período em que milhares de pessoas tentavam sobreviver como podiam
em meio a uma violenta crise financeira, o longa começa nos apresentando a Ann
Darrow (Naomi Watts), uma atriz que procura emprego em um cabaré. Por um acaso
do destino, eis que ela conhece Carl Denham (Jack Black), um cineasta com uma
excelente proposta de trabalho. Quando ela embarca em um navio rumo a uma
misteriosa ilha onde serão feitas as filmagens, ela se encontra com o conceituado
roteirista Jack Driscoll (Adrien Brody) e ambos se apaixonam imediatamente, mas
viver esse amor durante a viagem será algo impossível. Mal sabem eles os
perigos que a tal ilha esconde. Lá eles são atacados por um grupo de nativos
que precisam sacrificar um humano para afastar uma criatura do mal. Não é
preciso ser adivinho para saber que a tal ameaça é King Kong e os perigos que
estão por vir. Será mesmo?
As sequências de ação e
adrenalina que Jackson criou são incríveis e é o que mantém o interesse no
filme, já que a espinha dorsal do enredo é a mesma da primeira aparição do
gorilão. Com um gordo orçamento, o cineasta usou e abusou da criatividade para
gerar imagens impressionantes e os efeitos especiais foram usados aos montes.
Porém, é perceptível seus cuidados para que o filme não fosse um amontoado de
bichos e criaturas estranhas ameaçando a vida de humanos. Houve traquejo para
aliar inovações, respeitar o original e ainda trazer referências de outros
títulos de sucesso que foram blockbusters no passado como as aventuras de
Indiana Jones e os dinossauros de Steven Spielberg, este que sem dúvida é uma
grande fonte de inspiração do diretor neozelandês. Assim, a história foi
mantida na década de 30 e foi apresentado um pouco do contexto histórico, várias
passagens marcantes foram mantidas, além de serem inseridas citações que
remetem ao clássico dos primórdios do cinema, como uma lembrança feita no
batismo dos personagens de Naomi Watts e Jack Black. Assim, o remake é uma bela
homenagem para aqueles que abriram caminho para as produções de cunho
escapista. Comédia, drama, ação e suspense se misturam ao longo das três horas
de duração de forma excepcional e sem perder o foco nas histórias dos humanos.
Muitos reclamam do ritmo arrastado inicial e da demora para a grande estrela
aparecer, mas tal introdução é fundamental para justificar o restante da
história e é justamente neste ponto que a maioria dos projetos de ação e
aventura desandam, pois há muita preocupação com as cenas eletrizantes e de
menos com o roteiro. A primeira hora é todinha dedicada a apresentação dos
personagens, assim criando uma empatia com o espectador que mais para frente
vai sofrer com as mortes de alguns e a vibrar com a mocinha conseguindo se
entender com o macacão, figura criada digitalmente em cima dos movimentos
corporais e faciais do ator Andy Serkis, um especialistas nesse tipo de
trabalho. Uma das cenas mais famosas desta obra, seja ela em qualquer uma
das três versões oficiais (a dos anos 30, dos anos 70 ou a refilmagem de 2005),
é a parte em que Kong está no alto de um edifício segurando a bela Ann em sua
enorme mão enquanto é alvejado por tiros disparados de aviões, uma parte
emocionante e eletrizante. Todavia, vale ressaltar neste remake como a parte
mais impactante a longa sequência em que a protagonista é perseguida por
tiranossauros e é salva por seu novo amigo. Impossível não sentir a adrenalina
criada pelos eficientes movimentos de câmera potencializados pelos efeitos
sonoros de primeira. Quando resta apenas um dinossauro e ele se confronta com o
gorilão, chegamos a um momento-chave: o grande símio é superior ao gigantesco
réptil e mostra sua força. Um verdadeiro duelo de gigantes. Sem essa marcante
sequência talvez o resultado final não fosse tão excepcional. Em um filme de
fantasia tudo é possível e Jackson deixou a imaginação rolar solta, mas quem pensa que a inclusão dos répteis pré-históricos foi uma liberdade artística do diretor está enganado. O longa dos anos 30 já garantia o encontro deles com Kong.
Infelizmente, é uma tendência dos
críticos avaliarem as obras levando em consideração o currículo de seus
realizadores, se esquecendo de que cada trabalho é diferente do outro e que eles
são lançados em épocas distintas, o que certamente influencia em suas
apreciações. Não adianta comparar o Jackson de 2005 com o de uma década antes
que indicava um promissor diretor de dramas fortes e contundentes, um delírio
para os críticos. Hoje, olhando algumas resenhas da época, fica parecendo que o
cineasta sofreu do mal do tipo "Maria vai com as outras", ou seja, um
ou outro cara renomado repudiou e os demais se acanharam e omitiram suas reais
opiniões. Como qualquer filme que seja cultuado, é claro que uma refilmagem é
motivo para deixar muita gente com o pé atrás, mas a crítica pegou pesado na
análise desta surreal reinvenção do clássico, assim como também a versão setentista
não é muito bem vista, salvo pelo fato de ter apresentado ao mundo a loiríssima
atriz Jessica Lange. É claro que a obra original é repleta de significados e ideias
relevantes inseridas no contexto para entreter o público daquela época que
sofria com pressões externas, políticas e mal tinham dinheiro para comprar comida.
Hoje os tempos são outros. Com uma produção espetacular tão digna quanto as
três obras anteriores do diretor passadas na Terra-Média, realmente são
inexplicáveis certas acusações e a falta de elogios ao menos para alguns
aspectos do longa. Até os espetaculares efeitos especiais entram na ciranda de
esculachos. Fora isso, também é incompreensível que alguns reclamem do início
que gasta boa parte do tempo esmiuçando as motivações, sentimentos e caráter
dos personagens e pior ainda imaginar que ainda muita gente encontre vestígios
de teor sexual nas cenas em que Ann se aproxima de Kong, principalmente quando
ela decide defendê-lo com todas as suas forças (das cordas vocais
principalmente) na cidade grande. Longe de parecer simplesmente uma criatura
bestial, o gorilão é apresentado como um ser solitário, provavelmente o último
de sua espécie, assim sua personalidade combina com a da aspirante a atriz,
esta que se sente sozinha mesmo estando cercada de semelhantes, mas nenhum
disposto a lhe estender a mão. Enquanto ele é um gigante na floresta tropical,
ela é uma formiguinha na floresta de concreto que começava a se formar em Nova
York. A empatia que nasce entre os dois rapidamente é transferida ao
espectador. Em resumo, aliando texto e imagens de primeira, King Kong proporciona pura
diversão do início ao fim e ainda nos oferece um clima nostálgico irresistível.
Se você está querendo entretenimento de verdade esta é sem dúvida uma
excelente pedida. Se preferir filosofar ou se afogar em histórias com o mínimo
de veracidade, parta para outra, mas não corte a diversão dos outros.
Vencedor dos Oscars de efeitos especiais, som e edição de som
Aventura - 187 min - 2005
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