Atriz estréia na direção e assina roteiro de drama com tema difícil, mas de leve digestão neste caso
Um casal que consegue manter ao
menos o carinho e o respeito desde a juventude até a velhice é algo digno de
admiração em tempos em que a instituição do casamento já não é levada mais a
sério e muitos compromissos são desfeitos até mesmo na hora de dizer o tão
esperado sim diante das famílias e amigos. Infelizmente os relacionamentos
duradouros uma hora precisam ser encerrados e nesses casos é a própria vida que
se encarrega de cortar os laços. É nessa ruptura que está a força dramática de Longe
Dela, elogiado trabalho de estréia como diretora da atriz canadense
Sarah Polley que também assina o roteiro. Ela não tem nenhum grande sucesso de
público em seu currículo, sendo mais conhecida por sua atuação no terror Madrugada dos Mortos, porém, ela já
participou de bons títulos independentes e foi dirigida por cineastas de
renome, acumulando assim experiências diferenciadas sobre o ato de filmar,
preferindo muito mais destacar uma troca de olhares sinceros a um texto
rebuscado que poderia não exprimir tudo o que ela gostaria de dizer. É seguindo
esse método que Sarah conseguiu cativar a crítica que certamente colaborou para
que seu primeiro trabalho atrás das câmeras viesse a participar de festivais e
premiações, chegando a festa do Oscar concorrendo nas categorias de Melhor
Roteiro Adaptado e Melhor Atriz para a veterana Julie Christie que também
conquistou merecidamente o Globo de Ouro de atriz dramática pelo papel de Fiona
Anderson, uma senhora que vive um casamento feliz há mais de quatro décadas com
Grant (Gordon Pinsent), responsável pela visão que temos dos fatos que levou
este casal a se afastar. Suas vidas tranquilas são drasticamente alteradas
quando sua esposa passa a apresentar sintomas constantes de perda de memória.
Grant desconfia que ela está sofrendo do mal de Alzheimer, mas Fiona não
acredita até o momento em que passa a se informar mais sobre a doença e percebe
que aos poucos o seu problema não tiraria apenas a sua qualidade de vida, mas
também a do companheiro de tantos anos. Sendo assim, ela decide ser internada
em uma clínica para pessoas com problemas degenerativos. Uma das regras do
local é que os pacientes não podem receber visitas durante o primeiro mês para
facilitar a sua adaptação, mas quando Grant finalmente consegue reencontrá-la
vem a decepção, pois ela já não o reconhece mais. Fiona está agora muito
próxima de Aubrey (Michael Murphy), outro paciente da instituição, o que faz
com que Grant tenha que se contentar com sua nova condição de amigo ao mesmo
tempo em que tenta ajudá-la a se lembrar do passado e de quem ele realmente é.
A chance de se reaproximar de seu grande amor é quando a esposa de Aubrey,
Marian (Olympia Dukakis), o retira subitamente da instituição também temendo a
aproximação do marido e de Fiona.
Adaptado do conto “The Bear Came
Over the Mountain”, de Alice Munro, este é um daqueles filmes inesquecíveis e
com valiosos ensinamentos, mas que toca em um tema difícil e que deve doer para
muitos. Falar sobre doenças nunca é uma tarefa fácil. Devem-se tratar as
enfermidades como algo natural e procurar não chocar o público, pelo contrário,
levar uma mensagem de esperança a quem esteja vivendo situação semelhante ou
tem medo de vir a passar por tais momentos um dia. Todavia, são vários os
filmes que falam sobre enfermidades que conseguiram aprovação do público e
crítica, outros foram ignorados justamente por falar de mazelas e enveredar
pelo caminho do dramalhão e outros tantos, apesar de serem obras excepcionais,
passaram em brancas nuvens. Com final feliz ou triste, é certo que é um desafio
e tanto para um roteirista fugir dos perigos dos clichês ou até mesmo de
transformar seu trabalho em uma aula didática sobre medicina. Contudo, Sarah
acertou em todas as suas escolhas, a começar pela sensibilidade comedida e a
leveza de seu texto que proporciona inclusive alguns momentos involuntariamente
divertidos. Desde a concepção da idéia esta obra já nasceu com potencial para
se tonar uma referência ao estudo e adaptação ao mal de Alzheimer, doença que
acomete muitos idosos e hoje em dia ocorre até com certa frequência entre os
indivíduos na casa dos cinqüenta anos, motivo pelo qual o assunto tem cada vez
mais ocupado espaço nos noticiários da TV, na internet e em publicações
impressas. Desde um simples esquecimento em apagar a chama do fogão até situações
mais drásticas como não se lembrar como voltar para a própria casa, esta é uma
doença que não acarreta apenas problemas ao enfermo, mas também aos seus
familiares. A diretora neste caso acertou ao optar pela ótica do personagem
Grant para compreendermos os fatos e fugir do lugar comum. Também foi
interessante sua escolha em ter outro casal passando pelos mesmos problemas
para termos mais noções de como a doença afeta inúmeras vidas, estando ou não o
indivíduo diagnosticado com a doença. Destaque para a escalação de Olympia
Dukakis cuja presença no cinema é cada vez mais rara, mesmo sendo um nome
consagrado e premiado. Aliás, é bem interessante o contraste de sua personagem
com a de Julie. Fiona, mesmo doente, é retratada de forma otimista, forte e ainda
exibindo uma aparência invejável, enquanto Marian demonstra em sua
personalidade e caracterização resquícios de tristeza e amargura.
Seguindo uma linha intimista, Longe
Dela nem parece um projeto de uma estreante atrás das câmeras, ainda
mais sabendo que Sarah tinha apenas 26 anos quando começou a esboçar seu
projeto. Filmes que abordam temáticas ligadas à velhice de forma séria não são
comuns justamente por causa do desafio que eles significam. Para obter bons
resultados, é fundamental que ao menos o “cabeça” de tudo tenha experiência de
vida ou um amplo conhecimento sobre seu objeto de trabalho, assim a diretora
surpreende com a intimidade que demonstra com situações pelas quais ela mesma
está longe de vivenciar, além, é claro, de provar que nem todo marinheiro de
primeira viagem precisa errar muito antes de acertar. O problema é que com uma
estréia excepcional certamente ela terá sempre que provar seu talento a cada
nova obra que lançar, inclusive como atriz. Na época em que teve a idéia do
filme, ela filmava com Julie A Vida
Secreta das Palavras e automaticamente convidou a atriz para protagonizar
seu longa. Logo o cineasta Atom Egoyan, como quem a novata diretora havia
trabalhado em O Doce Amanhã, atrelou
seu nome ao projeto como produtor, intensificando a escolha do tom contemplativo
da narrativa na qual literalmente cada gesto vale mais que mil palavras. Mesmo
com nomes famosos, o trabalho foi realizado sem incentivos de grandes estúdios
ou produtoras e teve suas filmagens concentradas no Canadá. Sua caminhada rumo
às premiações foi liderada pelos próprios esforços da equipe e a cada nova
crítica positiva que surgia aumentava a certeza de que um novo tesouro do
cinema independente havia nascido, assim como mais um grande nome para levar
sensibilidade e conteúdo as platéias de todo mundo. A aptidão de Sarah para
construir um filme é percebida logo nos primeiros minutos quando ela usa com
habilidade a câmera para mostrar a protagonista perdida quando estava fazendo
esqui nas montanhas repletas de neve. Focada inicialmente nas expressões da
atriz assustada por não saber onde está, logo a lente amplia seu ângulo para
captar a vasta área branca que a cerca, uma mensagem visual que confirma o
estado enfermo daquela mulher. Para apreciar todos os detalhes preciosos desta
pequena obra-prima, desde a escolha das gélidas locações até o julgamento das
interpretações, é preciso estar com o espírito preparado, principalmente
aqueles que vivem de perto o sofrimento de um ente querido por causa do mal de
Alzheimer, mas quem se propor a compartilhar deste trabalho não deve se
arrepender. E não importa se você viu este filme ontem, hoje, se verá amanhã ou
no ano que vem. O que é bom não envelhece só melhora conforme o tempo passa.
Sim, realmente a idéia do filme "Longe Dela" também está presente em "O Filho da Noiva", duas ótimas opções para quem quer compreender melhor o mal de Alzheimer, mas, como digo no texto, é preciso estar com o espírito preparado.
2 comentários:
Seu texto me obrigou a colocar o filme em destaque para as próximas visitas.
Adoro filmes densos e que fazem refletir.
Lembro de O Filho da Noiva, um dos cinco melhores filmes que vi na vida com seu texto.
Longe Dela é minha próxima pedida.
Sim, realmente a idéia do filme "Longe Dela" também está presente em "O Filho da Noiva", duas ótimas opções para quem quer compreender melhor o mal de Alzheimer, mas, como digo no texto, é preciso estar com o espírito preparado.
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