terça-feira, 26 de dezembro de 2017

ENQUANTO VOCÊ DORMIA

NOTA 8,0

Longa que ajudou Sandra Bullock
a se tornar símbolo de comédia
romântica mantém seu frescor,
doçura e simplicidade intactos
Pode ser coincidência ou não. Quando Sandra Bullock se livrou do ônibus desgovernado de Velocidade Máxima, filme que alavancou sua carreira, não demorou muito e um outro meio de transporte viria a cruzar seu caminho, só que desta vez de forma mais leve, sem tanta adrenalina. Na comédia romântica Enquanto Você Dormia ela interpreta Lucy Moderatz, uma solitária funcionário do metrô de Chicago que fantasia uma possível relação amorosa com um passageiro que diariamente e no mesmo horário passa por lá, todavia, eles nunca trocaram uma palavra sequer. Ele é Peter Callaghan (Peter Gallagher), um jovem bem-sucedido que na véspera de Natal finalmente cumprimenta a moça ao comprar seu bilhete, mas poucos minutos depois acaba sendo abordado por um grupo de criminosos, se desequilibra e cai nos trilhos do metrô. Lucy imediatamente o socorre e o acompanha até o hospital onde, em um de seus devaneios, deixa escapar na frente dos familiares do rapaz que está em coma seu desejo de se casar com ele. A partir de então ela passa a ser considerada a noiva que ele tanto falava, mas jamais havia apresentado, o que traz certo conforto à família neste momento difícil. Assim Lucy assume tal papel e ganha a chance única de poder transformar seu amor platônico em algo real e de quebra ser acolhida pelos parentes do acidentado suprindo sua solidão. A farsa ia de vento em popa mesmo quando Peter recobra a consciência e ela o faz acreditar que está sofrendo de amnésia e por isso não a reconhece, mas as coisas saem do controle quando ela conhece Jack (Bill Pullman), o irmão mais velho de seu noivo, por sinal bem mais divertido e agradável que o esnobe caçula. Lucy se apaixona de imediato e tem seu sentimento plenamente correspondido, mas como viver esse amor sem machucar os demais membros do clã dos Callaghan, inclusive o próprio noivo supostamente desmemoriado?

Com este filme Bullock tornou-se uma queridinha dos americanos e também sinônimo de comédia romântica, tal qual Julia Roberts e Meg Ryan na mesma época, embora tenha conquistado papéis em filmes de gêneros variados como o suspense A Rede e ação O Demolidor. Que filmes são esses? Embora muito versátil, de fato, fazer rir é o que a atriz sabe fazer melhor e deixar sua marca. Saindo de seu território seguro, são poucos os seus trabalhos relevantes, não por sua culpa, mas devido a roteiros ruins que não valorizam seu talento. Curioso que o papel de Lucy parece ter sido feito sob medida para ela brilhar, mas na realidade os roteiristas Daniel G. Sullivan e Frederic Lebow escreveram o papel pensando em Demi Moore então em evidência. Ainda bem que os planos iniciais não vingaram, pois a personagem exigia uma delicadeza, simplicidade e beleza natural que a primeira escolha não teria a oferecer, ao menos julgando seu desempenho em outros filmes da época (lembram o polêmico Striptease?). Já Bullock esbanja normalidade e o público se identifica de imediato, assim é fácil comprar o conflito água-com-açúcar de Lucy, Se em meados da década de 1990 esta simpática comédia romântica já não trazia grandes novidades, ao menos deixou seu legado a partir de uma fórmula chave que reúne todos os elementos que consagraram o gênero. É praticamente o mesmo conto da Cinderela atualizado. A moça trabalhadora troca a lareira pela bilheteria e se apaixona por um homem que pode não ostentar um título de nobreza, mas é rico e bonito feito um príncipe de contos de fadas. As diferenças ficam por conta do metrô tomando o lugar da carruagem e um segundo amor cruzando o caminho da moça, alguém com chances reais de concretizar um relacionamento. Aliás, chama a atenção a escolha do "mocinho" da fita. Pullman já estava longe de ser um adolescente e nunca foi considerado um ator de apelo por sua beleza e sensualidade, assim novamente caímos na busca de um perfil normal, um cara com quem qualquer mulher pudesse cruzar na rua e se sentir atraída por sua simpatia ou sorriso sincero. Finalmente ele conseguia se dar bem em um filme e ter um final realmente feliz (não é spoiler algum), pois até então seus papeis costumavam ser de homens sofredores ou massacrados, com exceção do caça-fantasmas boa praça que interpretou em Gasparzinho - O Fantasminha Camarada, lançado no mesmo ano, ainda que com um assunto de fato inacabado com o além.

Com um casal protagonista em evidência, simpático e maduro, além de um roteiro açucarado na medida certa para agradar o público feminino e não aumentar a taxa de glicose dos homens, Enquanto Você Dormia é sem dúvidas uma das mais bem sucedidas comédias românticas de todos os tempos, faturando somente nos EUA cinco vezes mais que seu modesto orçamento, e até hoje continua irresistível. O passar dos anos acabaram lhe fazendo bem adicionando certa dose de nostalgia à trama, uma história de amor singela como as de antigamente. O humor é adicionado com parcimônia, sem nunca sobressair ao foco romântico. São raras as boas opções de tramas protagonizadas por um casal na flor da idade, a maioria delas abordam relacionamentos adolescentes que no fundo só pensam em sexo, assim o longa mantém sua longevidade alimentando as lembranças dos mais crescidinhos e apaixonando novas gerações. O diretor Jon Turteltaub tem afinidade para trabalhar com histórias leves e censura livre, tanto que anos depois dirigiu a comédia Duas Vidas e a aventura A Lenda do Tesouro Perdido. Aproveitando-se do clima natalino que envolve este romance, ele aproveita para tirar o melhor proveito das locações, da direção de arte e dos enquadramentos dos atores e elementos cênicos de importância para a trama, sempre buscando a sensação de aconchego, o mesmo que Lucy procurava seja fazendo parte de uma família ou nos braços de seu grande amor. Contudo, aos olhos mais críticos, é certo que encontrarão alguns problemas. Roteiro esquemático, sequência previsíveis, coadjuvantes engraçadinhos ou por vezes em cena como figurantes praticamente, trilha sonora melodramática e por aí vai. Apesar dos encontros e desencontros, tudo é muito perfeitinho como se fosse um sonho da protagonista e mesmo quando chega a hora dela acordar, ou melhor, de Peter despertar, falta densidade à resolução do conflito. De qualquer forma, são defeitos mínimos em uma obra que ainda mantém seu frescor e graciosidade, um filme simples, atemporal e recomendável a todas as idades.

Comédia romântica - 103 min - 1995
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