segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

LONGE DELA

NOTA 9,0

Atriz estréia na direção e
assina roteiro de drama
com tema difícil, mas de
leve digestão neste caso
Um casal que consegue manter ao menos o carinho e o respeito desde a juventude até a velhice é algo digno de admiração em tempos em que a instituição do casamento já não é levada mais a sério e muitos compromissos são desfeitos até mesmo na hora de dizer o tão esperado sim diante das famílias e amigos. Infelizmente os relacionamentos duradouros uma hora precisam ser encerrados e nesses casos é a própria vida que se encarrega de cortar os laços. É nessa ruptura que está a força dramática de Longe Dela, elogiado trabalho de estréia como diretora da atriz canadense Sarah Polley que também assina o roteiro. Ela não tem nenhum grande sucesso de público em seu currículo, sendo mais conhecida por sua atuação no terror Madrugada dos Mortos, porém, ela já participou de bons títulos independentes e foi dirigida por cineastas de renome, acumulando assim experiências diferenciadas sobre o ato de filmar, preferindo muito mais destacar uma troca de olhares sinceros a um texto rebuscado que poderia não exprimir tudo o que ela gostaria de dizer. É seguindo esse método que Sarah conseguiu cativar a crítica que certamente colaborou para que seu primeiro trabalho atrás das câmeras viesse a participar de festivais e premiações, chegando a festa do Oscar concorrendo nas categorias de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz para a veterana Julie Christie que também conquistou merecidamente o Globo de Ouro de atriz dramática pelo papel de Fiona Anderson, uma senhora que vive um casamento feliz há mais de quatro décadas com Grant (Gordon Pinsent), responsável pela visão que temos dos fatos que levou este casal a se afastar. Suas vidas tranquilas são drasticamente alteradas quando sua esposa passa a apresentar sintomas constantes de perda de memória. Grant desconfia que ela está sofrendo do mal de Alzheimer, mas Fiona não acredita até o momento em que passa a se informar mais sobre a doença e percebe que aos poucos o seu problema não tiraria apenas a sua qualidade de vida, mas também a do companheiro de tantos anos. Sendo assim, ela decide ser internada em uma clínica para pessoas com problemas degenerativos. Uma das regras do local é que os pacientes não podem receber visitas durante o primeiro mês para facilitar a sua adaptação, mas quando Grant finalmente consegue reencontrá-la vem a decepção, pois ela já não o reconhece mais. Fiona está agora muito próxima de Aubrey (Michael Murphy), outro paciente da instituição, o que faz com que Grant tenha que se contentar com sua nova condição de amigo ao mesmo tempo em que tenta ajudá-la a se lembrar do passado e de quem ele realmente é. A chance de se reaproximar de seu grande amor é quando a esposa de Aubrey, Marian (Olympia Dukakis), o retira subitamente da instituição também temendo a aproximação do marido e de Fiona.

Adaptado do conto “The Bear Came Over the Mountain”, de Alice Munro, este é um daqueles filmes inesquecíveis e com valiosos ensinamentos, mas que toca em um tema difícil e que deve doer para muitos. Falar sobre doenças nunca é uma tarefa fácil. Devem-se tratar as enfermidades como algo natural e procurar não chocar o público, pelo contrário, levar uma mensagem de esperança a quem esteja vivendo situação semelhante ou tem medo de vir a passar por tais momentos um dia. Todavia, são vários os filmes que falam sobre enfermidades que conseguiram aprovação do público e crítica, outros foram ignorados justamente por falar de mazelas e enveredar pelo caminho do dramalhão e outros tantos, apesar de serem obras excepcionais, passaram em brancas nuvens. Com final feliz ou triste, é certo que é um desafio e tanto para um roteirista fugir dos perigos dos clichês ou até mesmo de transformar seu trabalho em uma aula didática sobre medicina. Contudo, Sarah acertou em todas as suas escolhas, a começar pela sensibilidade comedida e a leveza de seu texto que proporciona inclusive alguns momentos involuntariamente divertidos. Desde a concepção da idéia esta obra já nasceu com potencial para se tonar uma referência ao estudo e adaptação ao mal de Alzheimer, doença que acomete muitos idosos e hoje em dia ocorre até com certa frequência entre os indivíduos na casa dos cinqüenta anos, motivo pelo qual o assunto tem cada vez mais ocupado espaço nos noticiários da TV, na internet e em publicações impressas. Desde um simples esquecimento em apagar a chama do fogão até situações mais drásticas como não se lembrar como voltar para a própria casa, esta é uma doença que não acarreta apenas problemas ao enfermo, mas também aos seus familiares. A diretora neste caso acertou ao optar pela ótica do personagem Grant para compreendermos os fatos e fugir do lugar comum. Também foi interessante sua escolha em ter outro casal passando pelos mesmos problemas para termos mais noções de como a doença afeta inúmeras vidas, estando ou não o indivíduo diagnosticado com a doença. Destaque para a escalação de Olympia Dukakis cuja presença no cinema é cada vez mais rara, mesmo sendo um nome consagrado e premiado. Aliás, é bem interessante o contraste de sua personagem com a de Julie. Fiona, mesmo doente, é retratada de forma otimista, forte e ainda exibindo uma aparência invejável, enquanto Marian demonstra em sua personalidade e caracterização resquícios de tristeza e amargura.

Seguindo uma linha intimista, Longe Dela nem parece um projeto de uma estreante atrás das câmeras, ainda mais sabendo que Sarah tinha apenas 26 anos quando começou a esboçar seu projeto. Filmes que abordam temáticas ligadas à velhice de forma séria não são comuns justamente por causa do desafio que eles significam. Para obter bons resultados, é fundamental que ao menos o “cabeça” de tudo tenha experiência de vida ou um amplo conhecimento sobre seu objeto de trabalho, assim a diretora surpreende com a intimidade que demonstra com situações pelas quais ela mesma está longe de vivenciar, além, é claro, de provar que nem todo marinheiro de primeira viagem precisa errar muito antes de acertar. O problema é que com uma estréia excepcional certamente ela terá sempre que provar seu talento a cada nova obra que lançar, inclusive como atriz. Na época em que teve a idéia do filme, ela filmava com Julie A Vida Secreta das Palavras e automaticamente convidou a atriz para protagonizar seu longa. Logo o cineasta Atom Egoyan, como quem a novata diretora havia trabalhado em O Doce Amanhã, atrelou seu nome ao projeto como produtor, intensificando a escolha do tom contemplativo da narrativa na qual literalmente cada gesto vale mais que mil palavras. Mesmo com nomes famosos, o trabalho foi realizado sem incentivos de grandes estúdios ou produtoras e teve suas filmagens concentradas no Canadá. Sua caminhada rumo às premiações foi liderada pelos próprios esforços da equipe e a cada nova crítica positiva que surgia aumentava a certeza de que um novo tesouro do cinema independente havia nascido, assim como mais um grande nome para levar sensibilidade e conteúdo as platéias de todo mundo. A aptidão de Sarah para construir um filme é percebida logo nos primeiros minutos quando ela usa com habilidade a câmera para mostrar a protagonista perdida quando estava fazendo esqui nas montanhas repletas de neve. Focada inicialmente nas expressões da atriz assustada por não saber onde está, logo a lente amplia seu ângulo para captar a vasta área branca que a cerca, uma mensagem visual que confirma o estado enfermo daquela mulher. Para apreciar todos os detalhes preciosos desta pequena obra-prima, desde a escolha das gélidas locações até o julgamento das interpretações, é preciso estar com o espírito preparado, principalmente aqueles que vivem de perto o sofrimento de um ente querido por causa do mal de Alzheimer, mas quem se propor a compartilhar deste trabalho não deve se arrepender. E não importa se você viu este filme ontem, hoje, se verá amanhã ou no ano que vem. O que é bom não envelhece só melhora conforme o tempo passa.

Drama - 109 min - 2007

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2 comentários:

renatocinema disse...

Seu texto me obrigou a colocar o filme em destaque para as próximas visitas.

Adoro filmes densos e que fazem refletir.

Lembro de O Filho da Noiva, um dos cinco melhores filmes que vi na vida com seu texto.

Longe Dela é minha próxima pedida.

Guilherme Z. disse...

Sim, realmente a idéia do filme "Longe Dela" também está presente em "O Filho da Noiva", duas ótimas opções para quem quer compreender melhor o mal de Alzheimer, mas, como digo no texto, é preciso estar com o espírito preparado.