NOTA 8,0 Ousado para a época, obra hoje pode não impactar com sua temática, mas se beneficia do envelhecimento visual e narrativo |
Bernardo
Bertolucci. Este sonoro nome é um daqueles que ficam marcados em nossas mentes
e mesmo aqueles que desconhecem sua profissão dificilmente o esqueceriam. E ao
saber que ele é responsável por obras clássicas como O Último Tango em Paris e O
Último Imperador, qual sua reação? Ele é o cara! Talvez esta sensação de
que tudo que ele faz vale a pena tenha contribuído para que obras menores suas
ganhassem um status que pode ser questionado, como é o caso de Beleza
Roubada. Este é um daqueles títulos antigos que facilmente figuram nas
listas de “prometo que vou assistir” que algumas pessoas fazem a cada ano que
se inicia ou como planos para férias, mas não raramente é escolhido como uma
das últimas opções ou simplesmente preterido para uma próxima listagem. Bem, o
longa realmente vale a pena, mas sendo produzido anos após a incursão no
diretor no grandioso e luxuoso universo imperial chinês, a produção realmente
parece diminuída, embora comparações entre estes títulos seja covardia. O
problema é que dificilmente alguém hoje em dia optaria por assistir esta fita
se não fosse atraído pelo nome de Bertolucci e as comparações com outros
projetos de seu currículo são inevitáveis. Com argumento do próprio cineasta, o
roteiro foi escrito por Susan Minot, o que justifica a predominância de aura
feminina em praticamente todas as cenas e diálogos. Depois do suicídio da mãe,
a jovem Lucy Harmon (Liv Tyler) viaja para a Toscana, na Itália, para passar
algum tempo na fazenda de Diana (Sinéad Cusack) e Ian Grayson (Donal McCann),
casal amigo de sua família. A jovem já esteve lá quatro anos antes e desde
então nutre um amor exagerado por Niccoló (Roberto Zibetti), com quem apenas
trocou seu primeiro beijo, mas seu sonho em reencontrá-lo algum dia a fez
preservar sua virgindade até então. Uma jovem americana aos 19 anos e que
jamais foi tocada intimamente por um homem já era artigo raro em meados dos
anos 90, então já dá para imaginar que sua chegada a tal ambiente bucólico
tornou-se um evento que chamou a atenção dos rapazes. Para todos os efeitos,
ela está na Itália para ter um retrato seu pintado por Ian tal qual sua mãe
tinha, mas na verdade, além de tentar rever seu amor platônico, ela quer
descobrir quem é seu pai biológico tentando desvendar uma enigmática mensagem
do diário da falecida.
Com sua beleza
e doçura, logo Lucy começa a despertar paixões e ciúmes por onde passa. O
primeiro a se encantar é um vizinho da família que a acolhe, Alex Parish
(Jeremy Irons), um escritor de meia-idade que chegou a conhecer a mãe da jovem
e de quem guarda boas lembranças. Sofrendo com uma doença em estado terminal,
este homem sente-se atraído pela moça, mas prefere reprimir seus sentimentos e
deixar seu lado paternal aflorar, servindo como um conselheiro. Eles travam os
melhores diálogos da fita, por isso não estranhe se ele a incentivar enquanto
fumam uns baseados a iniciar a vida sexual o quanto antes, afinal ele sabe bem
que a vida passa rápida e que eventos inesperados podem abreviá-la ainda
mais. Aliás, insinuações sexuais, tanto
no texto quanto visuais, e o uso do fumo “proibido” é o que não faltam aqui, o
que pode espantar os espectadores mais conservadores logo nos primeiros minutos
de projeção, ainda mais aqueles que porventura tenham associado o nome de
Bertolucci à épicos graças ao furor que ele causou do Oscar de 1988 e em tantas
outras premiações arrebatando o máximo de troféus possíveis. Todavia, ele
continua neste caso com seu apuro para parte técnica a fim de obter cenas com
requintes de pintura em tela, ainda demonstra sensibilidade para conduzir a
narrativa e procurava se conectar aos novos tempos, tanto que as cenas com
conteúdo mais forte são apresentadas com muita naturalidade não destoando no
conjunto. Hoje em dia o cinema já avançou tanto sobre certos tabus que alguns
temas inseridos nesta fita não são capazes de constranger a praticamente mais
ninguém. Com trilha sonora suave a maior parte do tempo adornando cenas
plasticamente perfeitas, com destaque nos figurinos e cenários puxados para os
tons amarelados e pastéis, o único senão em termos técnicos é que a edição
colabora para deixar a narrativa um tanto arrastada. É comum que equívocos
assim aconteçam pela opção de aproveitar ao máximo belas paisagens e cenários,
ainda mais quando a natureza se encarrega ela própria de colaborar, mas uns
cortes na versão final viriam a calhar e deixaria o filme mais eficiente.
Voltando à
trama, como assunto principal entre todos que moram ou passam pela casa dos
Grayson, existem vários personagens coadjuvantes que vão interagir com a
protagonista, alguns com boas tramas e outros com passagens desnecessárias.
Logo que chega à casa de Diana, Lucy observa a foto de seu filho Christopher
(Joseph Fiennes), que está a um bom tempo longe de casa na companhia de Niccoló
em uma viagem sem data para voltar. Pelas conversas desenvolvidas, a mãe
gostaria que o rapaz tomasse um rumo na vida e construísse uma família ao lado
de uma boa garota, mas já fica claro que a praia dele é outra. Miranda (Rachel
Weisz), também filha dos anfitriões, é uma mulher dominadora e ciumenta que
parece tolerar o jeito expansivo e liberal do namorado Richard (D. W. Moffett),
mas quando ele passa a cercar a jovem visitante o relacionamento passa por um
momento conturbado, dividindo-se entre momentos de puro prazer carnal e outros
de indiretas e desconfianças. Ainda temos o senhor Carlo Lisca (Carlo Cecchi),
que Lucy desconfia poder ser seu pai verdadeiro, e o jovem Osvaldo (Ignazio
Oliva), rapaz tão tímido quanto a virgenzinha, mas que demonstra realmente ter
sentimentos em relação a ela, porém, evita demonstrar por ser amigo de Niccoló.
O título Beleza Roubada pode ser facilmente ligado a ideia da perda da
inocência da protagonista, mas também pode ser interpretado como a forma que a
presença dela mudou a vida de todos que a cercaram durante a estadia em
Toscana, trazendo mudanças e revelando segredos significativos, tanto positivos
quanto negativos. Visualmente o filme envelheceu bastante, mas para alguns isso
só ajudou a deixar a obra com um gostinho irresistível de nostalgia que no
final das contas acompanha bem a narrativa. Como já dito, nudez velada,
insinuações sexuais e compartilhar um mesmo baseado já não causam o mesmo
impacto de outrora e a forma como a tentação de estar na companhia de uma
virgem é abordada é totalmente diferente de hoje em dia quando a perda da
inocência não envolve mais sentimentos de qualquer espécie, apenas a sensação de vitória. Até o ritmo
lento da narrativa é um contraponto aos anos 2000 e serve como uma metáfora ao
tema. Se Lucy tinha paciência para aguardar um verdadeiro amor para se
entregar, hoje as próprias garotas já não se dão ao respeito e tratam a perda
da virgindade como uma gincana. Por todas essas e tantas outras diferenças de
conteúdo, narrativas, artísticas e técnicas é que esta obra não perdeu seu
valor, pelo contrário, ganhou status de registro histórico, quase como um filme
de época daqueles capazes de nos fazer querer voltar no tempo.
Romance - 114 min - 1996
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